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Família de Português detido em Timor-Leste diz que os seus direitos não estão garantidos

Categorias: Timor Leste, Direitos Humanos, Lei, Mídia Cidadã
Página do Facebook criada para apoiar Tiago Guerra.

Página do Facebook [1] criada para apoiar Tiago Guerra.

Tiago Guerra está detido numa prisão de Timor-Leste [2] há cerca de seis meses sem ter sido formalmente acusado [3]:

Presentemente o Tiago está impedido de se poder defender da indiciação criminal que contra ele foi levantada porque não lhe foram comunicados quais os factos que ele praticou.

O número 3 do Artigo 30.º [4] da Constituição da República Democrática de Timor-Leste diz que:

Todo o indivíduo privado de liberdade deve ser imediatamente informado, de forma clara e precisa, das razões da sua detenção ou prisão, bem como dos seus direitos, e autorizado a contactar advogado, directamente ou por intermédio de pessoa de sua família ou de sua confiança.

O engenheiro Português foi detido em Outubro de 2014, no aeroporto de Díli, por alegado “crime de branqueamento de capitais”, segundo consta no mandado de detenção. A sua mulher, que o acompanhava juntamente com os filhos, também foi detida mas posteriormente libertada com Termo de Identidade e Residência. Contudo, não pode abandonar o país enquanto decorre a investigação. Os filhos estão em Portugal sob a guarda dos avós paternos. 

Tiago permanece preso na prisão de Bécora [5] onde as condições são muito precárias. De acordo com relatos, não há água potável dentro da prisão e os reclusos dormem no chão [6]. A prisão de Bécora fica na zona leste da cidade de Dili. É o principal estabelecimento prisional masculino do país.

A sua irmã, Inês Lau, que reside no Brasil, disse ao GlobalVoices (GV) que:

O Tiago esteve gravemente doente e nem assistência médica teve. O médico do recinto prisional de Bécora estava ausente há pelo menos 10 dias e por mais que houvesse um médico de fora disposto a observar o Tiago, a ordem, por parte da prisão, foi de que nenhum médico externo entraria. O Tiago acabou por ser hospitalizado durante 1 dia apenas e depois foi novamente levado para a prisão com a promessa de que a mulher e/ou família seria avisada da necessidade de comprar os remédios receitados pelo médico com urgência.

Inês Lau acrescenta que “ninguém da família chegou a ser notificada”. E quando se veio a descobrir do estado do seu irmão, “tinha perdido dez quilos devido à extrema desidratação e febres altas” em que se encontrava.” A irmã confessa que “não consegue estar calada” ao saber das condições precárias em que o seu irmão se encontra e esclarece que: 

Nunca foi pedido que se atropelassem os processos judiciais legais, por menos céleres que sejam. O que se pede às pessoas é que tomem conhecimento da violação dos direitos humanos que está a acontecer e que nos ajudem a conseguir que seja feita uma investigação transparente no intuito de se apurar a verdade e ser feita justiça.

O Tribunal Distrital de Díli decretou a prisão preventiva [7] do consultor argumentando que havia perigo de fuga. A prisão preventiva pode durar até um ano e meio no decurso do qual terá de ser feita a investigação.

Tiago e a sua família têm vindo a recorrer dessa decisão pedindo para que Tiago Guerra aguarde julgamento em liberdade.

De acordo com a sua família [3], o Tiago não sabe até à presente data “quais os factos por ele concretamente praticados que levaram a tal conclusão”. Um artigo do jornal Expresso [8] diz que “o Tiago Guerra recusou-se a assinar o auto de interrogatório a que foi sujeito, por não se rever no que ficou escrito.” O mesmo jornal acrescenta que o auto apresentava “partes incompreensíveis”.

A agência Lusa diz que “as autoridades timorenses têm demonstrado muitas reservas em explicar o desenrolar da investigação.”

Quem é Tiago Guerra

Tiago Guerra tem 43 anos, é engenheiro de telecomunicações e mestre em administração de empresas. É casado e tem dois filhos. Foi administrador na Portugal Telecom em Macau, Brasil e China, assessor do governo timorense e consultor do Banco Mundial. Vive em Timor-Leste há quatro anos.

O que o levou a Timor-Leste

Em 2010 viajou para Timor-Leste contratado por uma multinacional que estava a tentar entrar no mercado das telecomunicações móveis timorense. A empresa acabaria por perder a corrida por uma licença para operar em Timor e acabou por abandonar o país. Mas Tiago optou por ficar e abrir uma empresa de contabilidade e consultoria financeira em Dili, capital de Timor-Leste. Em Fevereiro de 2014 tornou-se consultor do Banco Mundial.

A suspeita

Segundo o Diário de Noticias [9]:

A investigação foi alertada por comunicações bancárias que notificaram a saída de somas avultadas de Timor através de contas de Tiago Guerra e da sua mulher, cidadã chinesa. No total, o alegado desvio de fundos timorenses terá chegado ao total de 900 mil dólares.

A família de Tiago tem vindo a prestar esclarecimentos, no Facebook [10], devido às informações erróneas publicadas em alguns meios de comunicação social:

(…) 3- O que se diz à comunicação social e onde vão buscar a informação para dizer esta e outras incorrectas afirmações, nós não sabemos. Mas fomos avisados de que é algo que acontece muito e para o qual deveríamos estar preparados. (…)

Inês Lau esclarece ao GV que:

Infelizmente a 1ª notícia publicada foi absolutamente caluniosa e longe da verdade… e descobrimos nós que as notícias seguintes foram um copy/paste desta notícia. E assim se condena um homem inocente, por incompetência e irresponsabilidade por parte de quem se comprometeu a publicitar a verdade e depois não o faz. 

O pai de Tiago declarou, em entrevista à SIC – Estação de Televisão, que as movimentações bancárias:

Se referem à transferência de todas as suas poupanças pessoais, cerca de $250 mil” uma vez que o filho estava a mudar-se para Macau onde passaria a viver com a mulher, de nacionalidade chinesa. O pai acrescenta que, ao contrário do que pensam as autoridades timorenses, “o seu filho não estava a fugir de Timor até porque organizou várias festas de despedida, entregou a casa ao senhorio e matriculou os filhos na escola Portuguesa de Macau com bastante antecedência.

A suspeição que cai sobre Tiago consiste num alegado [11]:

Desvio de cerca de $900 mil dólares que passaram pela conta da sucursal da sua empresa, em Macau. A verba, proveniente da Noruega, foi posteriormente transferida para os Estados Unidos da América, à ordem do advogado Bobby Boye [12] [en], um nigeriano naturalizado americano que chegou a Timor-Leste enviado pelo governo da Noruega [13] como especialista em Petróleo. O advogado começou a assessorar o governo de Timor-Leste nos contratos milionários efectuados com as petrolíferas mas acabou por ser detido pelo FBI [14] [en], nos EUA, sob a suspeita de desviar cerca de 3.5 milhões de dólares pertencente ao Estado timorense. 

Na reportagem da SIC explica-se que tratou-se de uma “conta de garantia” na qual a empresa de Tiago terá participado. O engenheiro diz que foi “apanhado numa burla internacional”, declarou o seu pai na mesma reportagem.

Entrevista, na integra, com o pai de Tiago Guerra

Acções de apoio

A família diz estar “cansada” de aguardar pela justiça timorense que “é ainda frágil”. Ao fim de cinco meses em silêncio e “a acreditar na justiça” decidiu criar uma campanha de solidariedade nas redes sociais [15] e apelar ao mundo para que ajude o Tiago a poder defender-se formalmente [16]. Foi também criado um blogue [6] a explicar o caso e uma petição online [17].

“Algo tem que mudar.” Diz a irmã de Tiago ao GV e conclui:

Este homem tem que aguardar o decurso das investigações FORA da prisão. Já o disse inúmeras vezes e repito: Não se prende ninguém para se investigar! Investiga-se para prender!

Tiago Guerra queixa-se da falta de apoio diplomático por parte de Portugal. Entretanto, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário garantiu, à agência Lusa, “estar a acompanhar a situação” [18].

A norte-americana Stacey Addison [19], que recentemente também se viu “apanhada pelas falhas do sistema legal em Timor”, foi detida, na mesma altura que o Tiago, na fronteira entre a Indonésia e Timor-Leste. A médica veterinária, entretanto libertada e de regresso a casa nos EUA, escreveu uma carta de apoio [20] a Tiago onde diz “acreditar que a pressão internacional teve um papel vital na sua libertação” e pede que as pessoas “assinem a petição” [21].

Actualizado em 22/03/2015: As últimas informações, [22] divulgadas na imprensa em Portugal, dão conta que Tiago Guerra foi levado para o hospital com urgência, na sexta-feira (20 de Março), por motivos de doença grave. Pensa-se que o Português tenha contraído dengue [23] na cadeia.