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Um tribunal de Estado anulou a decisão de um juiz municipal que pedia a suspensão do Whatsapp no Brasil. O juiz Raimundo Nonato da Costa Alencar, do tribunal de justiça do Estado do Piauí, alegou que a suspensão do aplicativo em território nacional não é “sensata”. A sentença, publicada no dia 26 de fevereiro, diz:
A suspensão de serviços afeta milhões de pessoas em prol de investigação local. A princípio, independentemente do teor da ordem descumprida, em hipótese alguma se justifica a interrupção de acesso a todo o serviço.
No dia 11 de fevereiro, o juiz municipal Luiz de Moura Correia, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina, Piauí, expediu uma ordem judicial exigindo que os provedores de internet e operadoras de telefonia móvel, de todo o país, suspendessem temporariamente o aplicativo de mensagens Whatsapp.
A ordem dava as companhias 24 horas para suspendê-lo, afirmando que o Whatsapp se recusou a colaborar com investigações policiais relacionadas a crimes envolvendo crianças e adolescentes.
Duas companhias, Claro e Embratel, apelaram da decisão para o tribunal estadual.
A conexão com o Marco Civil
O WhatsApp não foi suspenso e funcionou normalmente em todo o Brasil, mas o mandado judicial da suspensão rapidamente se tornou um viral. A hashtag #SemWhatsAppEu figurou entre os assuntos mais comentados no Twitter mundial, no dia 26 de fevereiro. De acordo com o serviço de análises Topsy, a hashtag foi twittada aproximadamente 25 mil vezes em quatro dias.
A zueira não tem limites #SemWhatsAppEu pic.twitter.com/w0ZcQB7Bkx
— Diego Azevedo (@Diiguinhoh) February 26, 2015
#SemWhatsAppEu kkk brinks. pic.twitter.com/qfv5cgCoBt
— HTM ✉ (@hernandistm) February 26, 2015
A chefe da sucursal da polícia para a proteção de crianças e adolescentes em Teresina, Kátia Esteves, disse que a decisão judicial foi baseada no projeto de lei do Marco Civil, que na opinião de especialista é considerado o melhor projeto de leis para internet do mundo. Esteves disse aos repórteres na última semana:
Com o Marco Civil da Internet, basta que o serviço esteja sendo oferecido no Brasil – e ele está sendo oferecido – e ter representante no país para que possa ser suspenso. No caso, o representante no Brasil do Whatsapp, apesar de ser uma empresa americana, é o Facebook.
O Marco Civil da Internet é lei que regula seu uso no Brasil, estabelecendo regras de neutralidade, privacidade, retenção de dados, responsabilidade dos usuários e provedores, entre outros. Ela foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, em abril de 2014.
Especialistas em Direito da Internet, Dennis Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente, publicaram um artigo no blog deles, “Deu nos Autos”, hospedado no site do jornal O Estado de S. Paulo, onde eles explicam a conexão com o Marco Civil:
O Marco Civil da Internet, lei aplicável neste caso, possibilita sanções a empresas estrangeiras de Internet que se recusem a cumprir a legislação brasileira em seu artigo 12. Dentre as sanções possíveis, está a suspensão temporária das atividades – e até mesmo a sua proibição. Mas essa é a penalidade mais drástica que pode ser adotada. Outras alternativas seriam advertência e multa (que pode chegar até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil).
Fica a discussão se a medida adotada pelo juiz foi proporcional. Apesar do descumprimento de uma ordem judicial configurar um fato grave e que deve ser reprimido, deve-se levar em conta o prejuízo que uma ordem deste tipo pode causar a milhões de brasileiros.
No entanto, Paulo Rená, diretor do Instituto Beta para Internet e Democracia e gerente de um dos projetos do Marco Civil tem uma opinião diferente sobre o assunto. Ele contou ao Global Voices, por e-mail:
Na minha leitura, o Art. 12, mesmo quando prevê suspensão e proibição, não chega ao ponto de autorizar que a ordem judicial seja direcionada aos provedores de conexão. Em uma analogia grotesca, seria como uma ordem judicial ordenando às empresas de perdágio que impedissem os ônibus urbano de circular por um bairro xis no qual houve uma série de crimes dentro de alguns veículos coletivos. A empresa de pedágio não se submetem, ao meu ver, às sanções aplicáveis às empresas de ônibus. Já seria bizarro o suficiente determinar a proibição da circulação de ônibus, mas envolver uma terceira categoria de empresas ultrapassa a questão.
O Facebook, que detém o WhatsApp e possui escritório no Brasil, disse que não comentaria, porque pelos termos do contrato, a rede social não é legalmente responsável pelo aplicativo de mensagens.
Casos Similares
Em 2007, um tribunal do Estado de São Paulo determinou que o YouTube tirasse do ar um vídeo íntimo da atriz Daniela Cicarelli e seu namorado. Como o YouTube afirmou ser impossível impedir a republicação do vídeo, o tribunal decidiu bloquear o site no país, afetando milhões de pessoas. O YouTube ficou fora do ar por aproximadamente 24 horas. A estratégia legal foi a mesma: o juiz determinou que os provedores de internet bloqueassem o YouTube em seus servidores.
Uma estratégia diferente foi usada para bloquear o Secret, ano passado. O aplicativo, que se destina a compartilhar segredos pessoais anonimamente, estava sendo utilizado para bullying, com usuários compartilhando nomes e informações íntimas de outras pessoas. Neste caso, o bloqueio foi direcionado às lojas de aplicativos (Apple Store e Google Play) e não as operadoras de telefonia móvel. Para o caso do Secret, a legalidade da medida foi questionada, considerando que o anonimato é proibido pela Constituição Brasileira. O aplicativo também não tinha termos e condições disponíveis em Português, o que contraria o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Na época, o juiz responsável pela decisão escreveu na sentença:
“A liberdade de expressão não constitui um direito absoluto, sendo inúmeras as hipóteses em que o seu exercício entra em conflito com outros direitos fundamentais ou bens jurídicos coletivos constitucionalmente tutelados, que serão equacionados mediante uma ponderação de interesses, de modo a garantir o direito à honra, privacidade, igualdade e dignidade humana e, até mesmo, proteção da infância e adolescência.