Moçambique: Presumível luta pelo poder no partido Frelimo levanta polémica

Cartaz com Filipe Nyusi vencedor das últimas eleições em Moçambique. Foto: Dércio Tsandzana

Cartaz com Filipe Nyusi, em Maputo, vencedor das últimas eleições em Moçambique. Foto: Dércio Tsandzana

A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), poderá estar a passar por momentos de “crispação interna”. Nota-se que o alegado “mau-estar” começou com a eleição do novo Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi. A opinião pública pensava que Nyusi iria ser o novo “delfim” do actual líder do partido, Armando Guebuza (ex-presidente da República). Tal não se sucedeu e a primeira contradição dá-se em relação a quem deve liderar o partido. De acordo com a história da Frelimo, se um militante é eleito Presidente da República deve também ser o presidente do partido. A razão serve para que não se crie perturbações de ordem interna. Armando Guebuza perdeu, recentemente, a presidência da República de Moçambique mas não resignou do cargo de presidente do partido.

Filipe Nyusi não tinha um grande “capital político” quando se tornou Presidente da República. As suas últimas decisões de abrir o diálogo para todos os escalões políticos têm encontrado mais contradições dentro da Frelimo. Nyusi anunciou que pretende também dialogar com o líder da Renamo – principal partido de oposição. Por outro lado, as recentes declarações de Guebuza, em relação ao líder da oposição – Afonso Dhlakama – acabou por criar duas posições contrárias dentro da Frelimo. Colocando-se em causa a liderança dentro daquela organização política.

O assunto tem marcado a actualidade noticiosa moçambicana fazendo chegar às redes sociais e blogues várias reacções. No blogue, Moçambique para todos, tem-se discutido este assunto desde o início de Fevereiro:

Guebuza nega falar da sucessão na presidência da Frelimo : “Não discuto, na imprensa, questões ligadas ao meu partido”, Armando Guebuza, presidente da Frelimo

Está em curso um debate sobre a sucessão na presidência do partido Frelimo, para acabar com dois centros de poder: um nesse partido, e outro na Presidência da República. Existe nesse partido o consenso de que a Armando Guebuza deve abandonar a presidência do mesmo e entregar a chefia a Filipe Nyusi, tal como aconteceu com Joaquim Chissano que, depois de abandonar a Presidência da República, deixou também de ser presidente da Frelimo. Falando à imprensa durante as celebrações do Dia dos Heróis, Guebuza recusou-se a falar sobre a sucessão.
“Não discuto, na imprensa, questões ligadas ao meu partido”, disse Armando Guebuza, quando questionado pela imprensa. (André Mulungo) – CANALMOZ – 04.02.2015

Dércio Mandjula apelidou a polêmica de “assunto do dia”:

Como não quero passar ao lado do “assunto do dia”, vou apresentar aqui os meus dois e apenas dois pontos de reflexão:

1. Pela constituição da República, o Presidente de Moçambique é soberano (não deve [prestar] contas [a] ninguém).

2. Durante a campanha eleitoral, o Presidente NYUSSI repetidamente dizia “O meu patrão é um e único, O Povo”.

Logo, pelo bem ou pelo mal a FRELIMO vai entregar o poder [a] quem é de direito. Enquanto isso estou aqui na bancada a assistir o show do Guebuzismo… Mais pipocas se faz favor…

Um antigo Ministro dos Transportes e Comunicação do Governo anterior, Gabriel Muthisse, comentou no Facebook que “Nyusi fora da Frelimo se equiparava a Raúl Domingos”. Este comentário deu origem a mais polémica, uma vez que Raúl Domingos foi membro sénior da Renamo e número 2 de Afonso Dhlakama, quando decidiu abandonar o cargo para formar seu próprio partido. Nunca chegou, no entanto, a obter êxito, e viveu sempre na sombra da Renamo.

comentário de Muthisse surgiu nos seguintes moldes:

Parece-me que as mesmíssimas pessoas que estavam contra Filipe Nyusi na Campanha o querem isolar da FRELIMO. Apresentando-o como melhor do que a FRELIMO. O pior erro que um militante da FRELIMO pode cometer, é acreditar nessa peregrina ideia de que é muito melhor e superior do que a Organização que o projectou. Filipe Nyusi fora da FRELIMO fica igual a Raul Domingos. 
As brigadas centrais da FRELIMO, dirigidas pelos seus Chefes, que são esses membros da comissão política dirigem-se com muita regularidade às províncias. Não é verdadeira a sugestão de Marcelo Mosse de que esta é a primeira vez fora de campanhas eleitorais. 
Insisto numa coisa, isolar Nyusi de Conceita, de Verónica, de Vaquina, de Comiche, de Chipande, de Pachinuapa, de Talapa, de Pacheco, de Mulembwe, de Alcinda, de Paunde, de Muthemba, de Pantie e de outros é isola-lo e neutraliza-lo a prazo. Nyusi só é forte dentro da FRELIMO.
É estranho que até a Renamo, através dos seus mais destacados líderes defende a ideia de que o PR é muito melhor do que o seu Partido. Ele deve acreditar nisso?

 

O debate começou após a publicação de um conceituado jornalista moçambicano, Marcelo Mosse, que diz:

O Governo de Nyusi e a deselegante oposição da Frelimo

Armando Guebuza despachou os membros da Comissão Politica da Frelimo para as províncias para passarem a sua mensagem: nada de regiões autónomas, como propõe a Renamo. Mesmo aquela ideia constitucionalmente prevista de “autarquias de [carácter] superior” [é] chumbada liminarmente. Mulembwe, Vaquina, Comiche, Paunde, Sortane ([até] Eneas Comiche), [estão] em peso nas províncias para passarem a ideia de que ninguém quer a “divisão” dos pais, manipulando aquilo que [é] a nova formulação da Renamo (províncias autónomas; o que não [é] necessariamente contra a Unidade Nacional; e [é] marcadamente diferente do anterior discurso de DHL sobre Moçambique do Centro e do Norte)…(…)

Esse debate emergiu depois para a televisão e passou num dos canais mais vistos em Moçambique, a STV num programa transmitido aos domingos, chamado “Pontos Vistas”.

Elidio Cuco equiparou essa situação ao que sucedeu a Carlos Nuno Castel-Branco:

Carlos Nuno Castel-branco foi parar na PGR por causa de um texto publicado no Facebook, hoje dizem que não [é] ético a STV fazer uma citação de um texto publicado nas redes sociais, que por sinal [é] assinado por Gabriel Muthisse. Mas os nossos debates phaaaaa,algo igual só com sapo mesmo.

Amosse Macamo, destacado membro do partido Frelimo, criticou a posição assumida dos media:

Aos amigos que dirigem órgãos de comunicação [social] sabem que sempre lhes interpelei no sentido de citarem o que as pessoas discutem nas redes sociais. E a citação pode sim fazer referência ao post mas também aos comentários subsequentes. Ao post não haveria problemas porque revela o pensamento “pensado” de quem escreve. Explico-me: o post nasce de um pensamento reflectido, um pensamento já testado porque até nascer foi discutido e rebatido nas ideias logo: ao citar-se o post temos a certeza de que quem escreveu passou por todas as etapas que a exteriorização do pensamento requer.

Mas quanto aos comentários defendia que a citação deveria ser contextualizada para que quem lê sem ter visto a discussão toda não se perca e/ou seja induzido ao erro. Os comentários são fruto de muita pressão e às vezes nascem da dinâmica do debate e só assim se justificam.

 Manuel J. P. Sumbana disse:

A STV parece assumir que o Gabriel Muthisse meteu àgua no Facebook. Bem, quando foi sugerido à Luisa Diogo que concorresse a PR como independente ela descartou a hipótese alegando que fora da Frelimo sentia-se como peixe fora da àgua. O Nhusi nâo terá o mesmo sentimento.

Após o programa, Gabriel Muthisse criticou a postura do jornalista e moderador do programa da STV, Jeremias Langa:

Como se Debate em Moçambique!!

O meu amigo Marcelo Mosse publicou um texto na sua página de facebook em que basicamente defendia que Armando Guebuza despachou os membros da Comissão Política do seu Partido para manipularem aquela que é a mais recente posição da Renamo em relação às regiões ou províncias autónomas. Dizia ainda o Mosse que, tanto quanto ele se lembrava, esta era a primeira vez que, fora de campanha eleitoral, toda a Comissão Politica sai para as províncias para se barricar contra qualquer coisa.

No seu texto, Marcelo Mosse sugeria que a Comissão Política da [FRELIMO] estava, naquele exercício, a se barricar contra o Presidente Nyusi, “que já nos havia brindado com o seu pragmatismo e disponibilidade para um diálogo frutuoso (pacificador) com o DHL”. E que o Presidente da República se estava a esbarrar com uma torrente oposicionista dentro da Frelimo. E, como solução, avançava a ideia de que a “transicao geracional devia ser a ferros…tipo um golpe de Estado geracional…” (…)

Vários amigos me telefonaram dizendo-me que Geremias Langa e os seus convidados tergiversaram grosseiramente o meu comentário (um dos quais Tomás Mario, que participou no debate à postagens de Marcelo Mosse). Tiraram as minhas palavras fora do contexto, projectaram a ideia de que elas encerravam falta de respeito ao Presidente Nyusi e que, até, teriam sido encomendadas por Armando Guebuza. Triste quando pessoas que eu respeito muito descem tão baixo. Repito, estou fora de Moçambique, não assisti ao tal “debate”, mas os amigos que me ligaram, mandaram mensagens inbox e sms's a se solidarizarem comigo merecem-me fé.

O jornalista, Jeremias Langa, retorquiu dizendo:

Ao Dr. Gabriel Muthisse,

O Dr. Gabriel Muthisse postou no seu mural que “…Jeremias Langa e Tomás tergiversaram grosseiramente o seu comentário…tiraram as minhas palavras fora do contexto… Triste quando as pessoas que eu respeito muito descem tão baixo”.

Decidi escrever este post para colocar alguns pontos nos “ii”, pois sinto que de repente, o assunto desviou-se daquilo que verdadeiramente interessa (o teor do post do Dr. Gabriel Muthisse) para os analistas do post.

Tenho enorme admiração e respeito pelo Dr. Gabriel Muthisse. Em minha opinião, foi dos mais abertos, inteligentes e coerentes ministros do último Governo do Presidente Guebuza. Representa a modernidade no estilo de governação, ao dispor-se para o debate, mesmo quando ocupava tão distintas pastas no Governo. Mas não o posso deixar sem resposta.

Ao ler o comentário do Dr. Gabriel Muthisse, como leitor, produzi o meu próprio sentido, o meu entendimento. Obviamente, que não se permite “qualquer leitura”. Há elementos condutores. Vamos a eles.

Comecemos pela comparação de Filipe Nyusi a Raúl Domingos.

Raúl domingos foi, durante muitos anos, o nr 2 da Renamo. Saiu deste partido, foi fundar o PDD. Nas eleições de 2004, Raúl Domingos concorreu às Presidenciais e recebeu 85.815 votos, correspondendo a 2,7% das escolhas populares.

Estes são nrs pouco expressivos para quem era nr 2 na Renamo. Em linguagem coloquial, diríamos que Raúl Domingos “não vale nada” no contexto político nacional, com estes resultados. Tal como dizemos que “não joga nada” um jogador que não corresponde às nossas expectativas. (…)

Em jeito de resposta, Raúl Domingos expressou, através de um jornal electrónico (MediaFax), o seu desagrado com a atitude do ex-ministro nessa comparação:

Agora, devo reiterar, com algum desagrado, o facto de ter feito menção à minha figura e compara-la até de forma pejorativa. Na verdade, eu continuo sendo a mesma pessoa fora da Renamo e continuo defendendo os ideais que eu os considero certos” – reiterou o Presidente do Partido para a Paz Democracia e Desenvolvimento. “Aliás, o presidente dele (Filipe Nyusi) disse, há pouco tempo, que eu tenho boas ideias no âmbito da convivência política e não foi necessário estar filiado a organização x ou y para ter boas ideias. Portanto, as boas ideias nós as temos independentemente da organização a que pertencemos. Ele foi infeliz e deve reconhecer que foi infeliz. Só assim será perdoado.

Luta pelo poder na Frelimo

Luta pelo poder na Frelimo (usada com permissão)

Sobre a polémica dos centros de poder, Teodato Hunguana, membro do Comité Central da Frelimo saiu em defesa do Presidente da República. O historiador e comentador político, Egídio Vaz, reagiu ao comentário de Teodato chamando-o de “equalizador”:

Teodato Hunguana, “THE EQUALIZER”.

O jurista Teodato Hunguana tem de tempos em tempos aparecido para “resolver alguns probleminhas de má interpretação ou de interpretação abusiva ou oportunistica” de alguns círculos intelectuais. Vale-se do seu capital político, do seu amor pela ciência juridica e acima de tudo da sua experiência como governante em vários sectores do Estado.

O que Hunguana diz, nem sempre tem sido novidade. Ou seja, para além deste jurista, muitos outros antes teriam dito a mesma coisa, porém, porque lhes falta alguma autoridade simbólica ou real, estas vozes assemelham-se às vozes de burros – voz do burro não chega ao céu, diz o ditado.

Assim, os pronunciamentos de Hunguana são por assim dizer, acalentadores, consolam aqueles que buscam na ciência jurídica e na política alguma ética.

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