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Brasil: Cinco projetos de lei que ameaçam a Amazônia podem voltar à pauta no legislativo em 2015

Categorias: Brasil, Indígenas, Lei, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política
Indigenous peoples protest in the National Congress in Brasília to prevent the voting of PEC215 bill. Photo by: Mídia Ninja, CC BY-NC-SA 2.0) [1]

Indígenas protestam em Brasília contra a aprovação da PEC 215 em Dezembro de 2014. Pressão fez votação ser cancelada. Photo by: Mídia Ninja, CC BY-NC-SA)

Este texto foi escrito por Stefano Wrobleski e publicado originalmente no blog do Infoamazonia [2]. É republicado pelo Global Voices via parceria de conteúdo.

 

Os projetos abaixo foram destacados por especialistas de diferentes ONGs de defesa do meio ambiente ouvidos pelo Infoamazonia. São cinco matérias que podem voltar a tramitar neste ano na Câmara dos Deputados ou no Senado. Se aprovadas, devem trazer impactos negativos para a Amazônia.

Demarcação de terras indígenas

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 215, apresentada em 2000 pelo então deputado federal Almir Sá (PPB-RR), pretende alterar a Constituição Federal [3], deixando ao Congresso Nacional a competência pela aprovação da demarcação de terras indígenas. Hoje, a palavra final é do Ministro da Justiça, depois de um longo processo que envolve estudos antropológicos de identificação liderados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e prazo para contestações por qualquer parte interessada no reconhecimento da área.

Se aprovada, a proposta ainda exigiria a tramitação de um projeto de lei delimitando os critérios e procedimentos de demarcação das terras indígenas. Além das terras indígenas, emendas à PEC 215 procuram transferir também ao Congresso o reconhecimento de áreas remanescentes de quilombos e a criação de unidades de conservação.

Veja abaixo as terras indígenas e áreas protegidas da Amazônia e confira o desmatamento da floresta nas últimas décadas

Em 2014, protestos de movimentos sociais, como a invasão do Congresso por lideranças indígenas [4], fizeram com que as discussões parlamentares em torno da PEC 215/2000 fossem sucessivamente canceladas.

“É um projeto extremamente preocupante”, afirma Aldem Bourscheit, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. “Os argumentos [em favor da PEC 215] são esdrúxulos, na linha de que o país já teria muitas terras indígenas”. Ele considera que, na prática, a aprovação da PEC “acabaria engessando a demarcação de terras indígenas”.

Já para Márcio Astrini, coordenador de campanha do Greenpeace Brasil, as terras indígenas “são a forma mais eficiente de combater o desmatamento”.

Arquivada em 2014, a PEC 215 pode voltar a ser discutida por uma comissão especial em 2015. Para isso, a matéria precisa ser desarquivada por um dos 26 deputados que, em 2000, assinaram pela apresentação da proposta e voltaram à Câmara dos Deputados em 2015. Eles têm até 31 de julho para pedir pelo desarquivamento. Quando foi elaborada por Almir Sá, a PEC 215 contou com o apoio de 232 parlamentares (confira a lista aqui) [5]. Por ser uma proposta que pretende alterar a Constituição, são necessárias ao menos 171 assinaturas (ou um terço da Casa).

Mineração em áreas protegidas

Aldem Bourscheit, do WWF, aponta o PL 3.682, de 2012 [6] como uma das propostas preocupantes que podem voltar à pauta em 2015. Seu autor, o deputado Vinícius Gurgel (PR-AP), foi reeleito e quer que seja autorizada a mineração em até 10% das áreas de proteção integral no Brasil.

A atividade de mineração hoje é proibida nas unidades de conservação (UCs) de proteção integral, mas pode ser liberada em UCs de uso sustentável. Em defesa da proposta, Gurgel argumenta que um grande número de UCs de proteção integral, especialmente na Amazônia, foram criadas sobre terras com grande potencial mineral, e explorar essas reservas seria necessário para o crescimento econômico.

O PL propõe, como contrapartida, que a mineradora que explorar essas áreas doe “ao órgão ambiental competente” uma terra com “o dobro da dimensão da área cedida e as mesmas características”.

 “Os impactos nunca vão se limitar a estes 10%. A atividade da mineração sempre tem grande impacto”, afirma Bourscheit. “Existem outras áreas de conservação que poderiam atender a atividade de mineração. O Brasil não precisa degradar suas áreas protegidas para abrigar essas atividades”.

Veja onde há mineração na Amazônia e combine os dados com as áreas protegidas e terras indígenas

Tramitando em caráter conclusivo (quando pode ser aprovado somente com o aval das comissões responsáveis e não vai para votação do plenário da Câmara dos Deputados), o projeto está na Comissão de Minas e Energia, onde ainda não foi votado, mas já tem um parecer favorável do relator, o deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG). O deputado propôs um substitutivo [7] ao projeto de Vinícius Gurgel que submete a delimitação das unidades de conservação de proteção integral ao Congresso Nacional e não cria limites ou contrapartidas à mineração nestas áreas. O PL 3682/2012 ainda deve passar por outras duas comissões antes de ser aprovado.

Como foi reeleito, Vinícius Gurgel precisa pedir que o projeto seja desarquivado até 31 de julho. 

Recursos genéticos

Outra medida que pode voltar à pauta em 2015 é o PL 7.735 de 2014 [8], de acordo com Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do Instituto Socioambiental (ISA). A proposta pretende substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001 [9], que regula atualmente o uso comercial do patrimônio genético.

Comunidades tradicionais – como indígenas e quilombolas – têm informações e práticas sobre os usos destes recursos genéticos, que interessam às indústrias farmacêutica, alimentícia, de higiene, entre outros. Abrigando cerca de uma em cada cinco espécies do planeta, o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, enquanto possui milhares de comunidades tradicionais que fazem uso desta diversidade biológica.

O projeto, se aprovado, deve estabelecer que microempresas não precisam mais repartir ganhos financeiros com as comunidades locais. “Mas muitas grandes empresas usam essas empresas menores para fazer uso dos recursos genéticos obtidos”, pontua Adriana. A ONG também reclama [10] que as populações afetadas não foram consultadas na elaboração do projeto, o que contraria a Convenção 169 [11] da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 2002 pelo Brasil. “O PL simplifica a legislação sobre o uso da biodiversidade. A partir de uma dificuldade que o governo tem de fiscalizar, o Executivo fez uma lei que simplifica o que deve ser fiscalizado”.

A matéria é de autoria do Poder Executivo. Por isso, não foi arquivada no fim de 2014 e continua com sua tramitação regular. A proposta tramita em regime de urgência – quando a Casa tem até 45 dias para votar – e chegou a ser colocada em votação no plenário em dezembro de 2014, mas a discussão foi adiada por obstrução da pauta. Na ocasião, parlamentares contrários ao projeto deixaram o plenário para evitar a formação do quórum necessário à votação. Uma comissão especial para analisar o tema chegou a ser criada em julho de 2014, mas nunca saiu do papel.

Cana na Amazônia

De autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 626 de 2011 [12] quer legalizar o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da Amazônia.

Atualmente o plantio de cana é desestimulado na Amazônia por conta do decreto nº 6.961 [13], publicado pelo presidente Lula em 2009, que impede a concessão do crédito rural para esse tipo de plantação dentro do bioma.

Veja o avanço do desmatamento na Amazônia

O problema, segundo Márcio Astrini, é que o cultivo pode aumentar a “pressão pelo desmatamento”. “A cana vai ocupar grandes áreas, que hoje são da pecuária, arroz, algodão e soja, e empurrar essas outras culturas para dentro da floresta”. O ambientalista do Greenpeace ainda avalia que existe uma “falta de governança” no zoneamento da região, o que fragilizaria ainda mais a situação e aumentaria a destruição da floresta. 

O projeto havia sido aprovado em maio de 2013 em caráter terminativo (quando só precisa do aval das comissões responsáveis para ser aprovado e não vai para votação do plenário da Câmara dos Deputados) pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. No entanto, o PLS voltou a tramitar depois que o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) incluiu uma emenda [14] à votação e pediu a inclusão de duas comissões na discussão para ser aprovado. A votação está parada na Comissão de Assuntos Econômicos, onde recebeu parecer contrário do relator Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Outras três comissões ainda precisam analisar a emenda antes que o projeto possa ser aprovado e encaminhado à Câmara dos Deputados.

Como o mandato de oito anos de Flexa Ribeiro termina só em 2019, o PLS 626/2011 não foi arquivado e continua com sua tramitação regular.

Código da Mineração

O novo Código da Mineração, em discussão na Câmara dos Deputados, pretende substituir o decreto-lei 227, de 1967 [15], que atualmente regula a atividade. O Projeto de Lei (PL) 37/2011 [16] determina que o governo licite áreas de mineração, o que deve aumentar a arrecadação estatal.

A proposição enfrenta grande pressão de empresas que atuam no meio, pois, como demonstrado em matéria da Agência Pública de Dezembro de 2013 [17], ela influencia o financiamento de campanha dos políticos envolvidos com a comissão especial que analisa o PL.

O projeto não avança na regulamentação da atividade em termos ambientais, mas a discussão preocupa Adriana Ramos, do ISA. “Me parece que propostas de mineração de terra indígena vão tentar ser aprovadas separadamente”, afirma. Já Aldem Bourscheit, do WWF Brasil, acredita que o Brasil precisa, sim, de uma nova legislação de mineração. “Mas, infelizmente, até o momento, os projetos em curso não assumiram a proteção que a gente espera”, afirma.

O PL 37/2011 tem regime de prioridade – quando deve entrar na pauta de votação imediatamente depois de todas as proposições em regime de urgência. A matéria foi produzida pelo deputado Weliton Prado (PT-MG), reeleito em 2014. Ele tem até o dia 31 de julho para pedir o desarquivamento do projeto.