Pela primeira vez na história da televisão Angolana, foi protagonizado um beijo gay, entre os actores Pedro Hossi – que assume o papel de Carlos Nambe – e Lialzio Almedia – que interpreta Gerson Cange Gonçalves na telenovela ”Jikulumessu [1] – Abre o Olho” transmitida em horário nobre da Televisão Pública de Angola (TPA [2]). A cena desencadeou polémica dando origem à suspensão da telenovela.
O tema de homossexualidade já tinha passado pelos ecrãs angolanos, quando a telenovela Windeck [3], abordou sobre a história [4] de um casal de lésbicas, mas a questão não levantou tanta polémica como o beijo entre dois homens perpetrado na “Jikulumessu”:
A realidade de Angola não se distingue de outros países africanos [5]. A homossexualidade ainda é um tema tabu no país e em África. A discussão do assunto continua a suscitar opiniões divergentes e que muitas vezes não são pacíficas no seio da sociedade civil e entre os partidos políticos [6].
Em 2013, a Associação Internacional de Gays e Lésbicas (IGLA), apresentou um relatório [7] do qual consta [8] que Angola embora não tenha “uma legislação especifica que proíba o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, o Código Penal prevê punição para quem pratique actos contra a ordem da natureza” e afirma “que essas pessoas devem ser enviadas para campos de trabalho”.
No facebook foi criada uma carta aberta [9] presumivelmente da autoria de Walter Cristóvão, tendo como destinatário José Paulino dos Santos “Coréon Dú [10]“, responsável pela produtora Semba Comunicação [11]. A carta condena a exibição do referido “beijo gay”:
Ilustre Sr, quero nesta minha humilde carta dizer que foi com repugnância que vi a imagem de dois homem se beijarem, emitida pelo canal nacional de televisão. Assim, com o devido respeito,pergunto: Quer ensinar isso às nossas crianças? Quer solidarizar-se com as pessoas de sexualidade alternativa? O que é que o Sr pretende de concreto? O Sr. ouviu a sociedade angolana? Fez algum estudo sobre o impacto desta acção? Reuniu-se com especialistas do Ministério da Família; o Ministério da Cultura, da Educação ou mesmo da Comunicação Social? O Sr conversou com o seu pai? Que conselhos obteve dele? O Sr. ouviu o parecer do PCA da TPA 1? Houve concordância? As pessoas que lhe são próximas, enviaram mensagens de elevada emoção depois de terem visto ou beijo gay!?
Alguns reforçam a critica argumentando que a produtora está a transportar hábitos alheios à cultura angolana e africana, como é o caso de Francisco Matumona [12] num comentário à mesma carta:
De facto, o Coreon Du, como homem de cultura tem contribuído bastante para a nossa cultura e no emprego de muitos jovens talentoso, nisso, não há duvidas, alias, estas de Parabéns! Porem, é necessário muita cautela no memento de expor certas coisas! A nossa sociedade (a maioria de nós) e como africanos que somos, não nos sentimos confortável em ver dois homens ou mulheres a se beijarem ou se unirem, porque, isso não faz parte da nossa cultura!
Francisco Santos defende [13]que foi um passo importante para a televisão publica angolana:
É um pulo enorme que a TPA deu em termos de produção e realização estão todos de parabéns. E isto serve para abrir a mente das pessoas em relação ao preconceito .devemos aceitar as pessoas como elas são.
O anúncio de suspensão [14] imediata da telenovela surgiu 24 horas depois da transmissão do episódio que continha o beijo gay, alegadamente “por problemas técnicos”.
O responsável (@CoreonDu [10]) acusou [15] a Televisão Pública de Angola (TPA [16]) “de censurar a exibição da telenovela Jikulumessu”:
(…) evidentemente que fiquei entristecido pela forma como foi cometido o acto de censura que o projecto sofreu pelo órgão que emite a telenovela, independentemente da sua eventual motivação. (…)
No Twitter também surgiram reacções em relação à suspensão da telenovela:
N vejo Jikulumessu, mas achei uma estupidez pedirem desculpas, por terem posto uma cena de um beijo gay, sinceramente estamos no séc 21.
— Carmen Mesquita (@carmen_mesquita) 4 fevereiro 2015 [17]
Uma banda desenhada de Sérgio Piçarra [18] partilhada no twitter:
De Sérgio Piçarra – A proposito da polemica a volta do beijo gay da telenovela Angolana, Jikulumessu. pic.twitter.com/UWUfisxiNt [19]
— zenaida machado (@zenaidamz) 3 fevereiro 2015 [20]
A Direcção responsável pela novela apresentou publicamente um pedido de desculpas através de um comunicado [21]:
Reconhecemos, todavia, que algumas imagens emitidas possam ter ferido susceptibilidades e algumas pessoas as podem ter considerado impróprias. Desrespeitar e ofender nunca foi o nosso propósito. Por isso, pedimos sinceras desculpas a todos que se tenham sentido ofendidos.
No mesmo comunicado ficou patente a intenção de se proceder à alteração do guião:
Tomamos, assim, a decisão de fazer algumas correcções na representação de alguns conteúdos mais sensíveis para assegurar que a abordagem dos mesmos em Jikulumessu mantém o valor pedagógico inicialmente pretendido.
As reacções não tardaram:
Em Angola, a novela Jikulumessu, que significa abrir os olhos, foi suspensa devido a um beijo entre homens. Há piadas que se fazem sozinhas.
— Nuno Ferreira (@ONunoFerreira) 4 fevereiro 2015 [22]
Mariana Faria considera que a sociedade angolana não aceita a homossexualidade:
O problema não é da Jikulumessu, é da sociedade, especialmente da angolana, que ainda não está preparada para aceitar a homossexualidade…
— Mariana Faria (@nanasfaria) 4 fevereiro 2015 [23]
Circularam também mensagens de campanha incentivando o retorno da telenovela aos ecrãs de televisão:
infelizmente o povo angolano é muito influenciado pela religião,o resultado è o desrespeito da liberdade #Jikulumessu [24] pic.twitter.com/LfcF1FIx0G [25]
— Giorgio De Oliveira (@GiorgDeOliveira) [26]4 fevereiro 20 [26]15
Aline Frazão [27], cantora e cronista do Rede Angola [28] numa crónica intitulada “De Olhos Bem Fechado [29]” comenta:
(…) A homofobia é um preconceito injusto. Ninguém merece ser ofendido, discriminado ou prejudicado por causa da sua orientação sexual. Muita da rejeição social em relação à homossexualidade provém de uma crença cega e acrítica nas escrituras sagradas e de uma forma retrógrada de viver a religião. Independentemente das religiões que pratiquemos, o Estado é laico e deve proteger os direitos de todos os cidadãos. (…)
Paulo Pascoal, actor angolano radicado em Portugal, activista LGBT ou “gaynimista” como gosta de se designar, teceu considerações [30] sobre esta circunstância peculiar:
(…) Há que realçar o valor pedagógico da produção da Semba Comunicação sobre as diferentes vertentes da sociedade angolana e não esquecer que o que para uns foi um acto abominável para muitos outros é um reconhecimento de igualdade, de esperança, de não ter que viver com medo de ser o que é, sempre foi e sempre será. (…)
O Rede Angola [31] foi à rua saber o que os luandenses pensam a respeito do assunto referente ao beijo gay da novela “Jikulumessu”:
Aproximadamente 48 horas depois de cancelada, a televisão pública angolana anunciou [32] o retorno da transmissão da telenovela, alegadamente suprimida devido à cena do primeiro beijo gay na história da televisão estatal angolana.
Finalmente jikulumessu voltou depois de ser suspendida da tpa atravez do beijo gay povo a novela voltou #jikulumessu [33] abre o olho
— Josefina Ralph (@josefinasilvaj) 5 fevereiro 2015 [34]
Quiseram tirar a telenovela “Jikulumessu” do ar porque houve um beijo homossexual. A mentalidade Angola tem um longo caminho pela frente.
— Nádia (@blvckprinsus) 6 fevereiro 2015 [35]