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Cova da Moura: Indícios de Racismo na actuação da Polícia e dos Media em Portugal

Categorias: Portugal, Direitos Humanos, Etnia e Raça, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Protesto
Jovens mostram marcas de agressão. Foto:

Jovens mostram marcas de agressão. Foto: Observatório do Controlo e da Repressão [1], reprodução autorizada.

Uma carrinha da Polícia de Segurança Pública (PSP), em patrulha pelo bairro da Cova da Moura [2] – situado na Amadora, um subúrbio de Lisboa – foi apedrejada e consequentemente um agente foi atingido na face e transportado para o hospital. Em retaliação, a PSP encetou uma “caça ao homem” tendo detido um jovem de 24 anos – supostamente o autor do arremesso das pedras. Os habitantes do bairro, ao assistirem à violência desmesurada utilizada pela polícia quando prendiam o rapaz, começaram a protestar. A aglomeração de pessoas naquele local levou a que os agentes da autoridade efectuassem disparos, com balas de borracha, para o ar como manobra de dispersão. Os tiros acabariam por atingir uma mulher que se encontrava à janela da sua casa. A mesma foi posteriormente encaminhada para o hospital:

Mulher ferida em detenção na Cova da Moura http://t.co/SPmtGLH0ml [3]

— Rede Angola (@RedeAngola_INFO) February 6, 2015 [4]

Algumas horas mais tarde, um grupo de jovens pertencente à “Moinho da Juventude” [5], uma instituição sem fins lucrativos com sede naquele bairro e que se dedica a promover a não violência e a tolerância na comunidade, deslocou-se à esquadra para “apresentar queixa contra a forma violenta utilizada pela polícia na detenção do jovem”. A esquadra mais próxima da Cova da Moura é o posto de Alfragide, onde se encontrava detido o rapaz suspeito do apedrejamento que atingiu a viatura da polícia naquela tarde. Os voluntários da Moinho da Juventude acabaram detidos e supostamente espancados [6] na esquadra. Segundo o blogue Observatório do Controlo e Repressão [7]:

É habitual os funcionários da instituição Moinho da Juventude efectuarem este tipo de diligências de forma a conceder  apoio aos detidos, informar os familiares e prestar apoio logístico (alimentação, agasalho).

O que não é habitual é alguém deslocar-se a uma esquadra da polícia para apresentar uma queixa e acabar detido, como descreve Mamadou Ba [8], dirigente do movimento SOS Racismo [9]:

A PSP prendeu e agrediu selvaticamente jovens activistas sociais e militantes negros que tiveram de receber assistência médica em consequência das feridas e mazelas sofridas.

O dirigente acrescenta que “a PSP usou e abusou da violência”.

A suposta “Invasão à esquadra” e a distorção dos acontecimentos pelos Órgãos de Comunicação Social (OCS):

A imprensa portuguesa efectuou cobertura quase imediata ao episódio mas tardou a revelar os factos dos acontecimentos tal como aconteceram. Exemplo disso está a reportagem do canal de televisão do jornal Correio da Manhã – CMTV [10] – assinalada pelo blogue ku-frontalidadi [11].

De acordo com o Correio da Manhã [10]:

Uma dezena de jovens tentou invadir pelas 14h00 desta quinta-feira a esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Alfragide, na Amadora, depois de um amigo ter sido detido na Cova da Moura.

A TVI atribui a acusação de “invasão” [12] à polícia:

Na sequência da detenção, os restantes jovens, com idades entre os 23 e 25 anos, «tentaram invadir» a esquadra, tendo sido disparado um novo tiro para o ar, segundo a PSP. Foram detidos cinco elementos do grupo e os restantes fugiram.

O video com a reportagem [13] da CMTV, efectuada no terreno, mostra imagens da esquadra da PSP e um jornalista que, em directo, se limita a contar apenas um lado da história. Promovendo assim a deturpação dos acontecimentos. Esta reportagem foi alvo de criticas nas redes sociais, que acusam os media de inventarem a tese de “invasão a esquadra” [actualizado 09/02/15 12:41 PM AEST]

Uma “invasão a esquadra” inventada – Relatos da Cova da Moura e de Alfragide http://t.co/3sZ20yMREp [14] via @wordpressdotcom [15]

— Natem Andel (@AndelNatem) February 8, 2015 [16]

No Twitter surgem reacções em relação à cobertura deste caso pelos jornalistas:

Outros OCS também se precipitaram com as declarações das forças de segurança: Jovens tentam invadir esquadra de Alfragide [12] e Grupo tenta invadir esquadra após detenção de jovem [20] – Neste último, o jornal Sol reconheceu que errou no titulo original ao chamar aos jovens da associação Moinho da Juventude de “Gangue” e corrigiu para “Grupo”. Contudo os mesmos permanecem, para aquele semanário, como “invasores de esquadras”. 

Mamadou Ba, do movimento SOS Racismo, denuncia na sua página do facebook [8] que o jovem agredido pela polícia é portador de deficiência. O activista acrescenta que:

A PSP tem de forma impune, sistemática e reiteradamente aterrorizado e violentado os jovens nos bairros, contando quase sempre com o silêncio quase total da sociedade ou com reacções de condenação muito tímidas.

Este “silêncio” da sociedade poderá também se dever à actuação dos media sobretudo pela sua falta de rigor jornalístico ao não revelar de forma isenta os acontecimentos. Mamadou Ba publica o seguinte comentário no seu Facebook [21] juntamente com fotos de um dos jovens agredidos:

O jornalismo de sarjeta que vai vomitando a falaciosa narrativa da bófia não resiste à brutalidade que as imagens das agressões retratam!

Ainda no twitter, surgem denúncias de “racismo” por parte dos media que efectuaram a cobertura do sucedido:

ALERTA: Começa o racismo mediático para encobrir as acções brutais da PSP na Cova da Moura e Alfragide Aqui está… http://t.co/shjm1NQDSS [22]

— Anonymous Legion PT (@AnonLegionPt) February 6, 2015 [23]

 A “Plataforma Gueto” [24] publicou mais imagens dos jovens [25] também no Facebook. Uma seguidora desta plataforma, Paula Nogueira, reconhece a forma [26] como os media tardaram a mostrar a veracidade dos factos:

Que vergonha! Finalmente as tv começaram a dar a versão dos jovens. Espero que processem estes bárbaros!

A Televisão acabou por mostrar os jovens agredidos [27] e a veracidade dos factos torna-se inevitável dada a força das imagens publicadas nas redes sociais e dos relatos das vítimas:

A forma como os media relatam os acontecimentos muda opiniões e contribui para uma sociedade civil mais equilibrada, justa e sobretudo tolerante.

Os moradores do bairro da Cova da Moura pedem para que haja menos violência por parte da polícia, pedem igualdade no tratamento. Mamadou Ba conclui o seu repúdio a estes e outros casos de violência “silenciada” na sua página do facebook [8] da seguinte forma:

É tempo de acabar com a impunidade dos abusos e da violência policiais bem como, com os silêncios cúmplices em torno da violência racista do estado(…) Na verdade, a brutalidade policial espelha o apartheid que se vive nos bairros. Não podemos permitir que isto continue! Urge a mobilização de todos e todas contra esta barbárie.

[actualização 09/02/2015 12:41 PM AEST]: Acrescentado no paragrafo assinalado: Esta reportagem foi alvo de criticas nas redes sociais, que acusam os media de inventarem a tese de “invasão a esquadra”