Em 2013, manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público em diversas capitais e cidades do Brasil acabaram levando o país a uma onda de protestos sem precedentes. Milhões de pessoas tomaram as ruas em junho daquele ano, em números que cresciam à medida que aumentava a violência policial contra o direito constitucional à livre manifestação.
A repressão da polícia, em vez de arrefecer os ânimos dos manifestantes, fez surgir uma oposição ainda mais radical. Apareceram os primeiros Black Blocs e os protestos prosseguiram até pelo menos o período da Copa do Mundo, no ano seguinte. Manifestações pacíficas eram brutalmente e gratuitamente reprimidas, em geral apenas como forma de demonstração de força por parte da polícia, o que acabava incitando uma resposta igualmente violenta por parte de setores que ocupavam as ruas.
As manifestações, pese seu tamanho, conquistaram pouco mais que promessas vazias por parte do governo federal e um congelamento do aumento das passagens de ônibus — que, agora, parece ter chegado ao fim. Após uma trégua e diminuição das manifestações durante as eleições, que terminaram com a vitória por pequena margem de Dilma Rousseff, os protestos retornaram com força após novos anúncios de aumento das passagens de ônibus, trens e metrô.
O preço das passagens já havia aumentado em Belo Horizonte ainda em dezembro, no dia 29, assim como em Fortaleza e Florianópolis. No Rio de Janeiro,, São Paulo e Salvador, aumentaram no início de 2015.
Em São Paulo e no Rio as passagens tiveram um aumento de 50 e 40 centavos respectivamente. Já em Belo Horizonte a alta foi de 25 centavos, mas foi suspensa pela justiça. Como forma de acalmar os protestos, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou o Passe Livre para estudantes pobres e de escolas públicas, decisão criticada pelo MPL, que considerou a medida insuficiente, pois a gratuidade valeria apenas para o deslocamento do estudante da casa à escola e não mudaria o quadro de exclusão de outros grupos sociais.
Manifestações foram convocadas para o dia 7 de janeiro em várias de cidades, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, chegando a reunir quase 5 mil pessoas na primeira. No Rio de Janeiro, uma agressão foi relatada pelo Coletivo Olhar Independente:
Thamires Fortunato, estudante de filosofia da UFF é arrastada pelos cabelos e detida no QG da PM na Rua Evaristo da Veiga e não é permitido o acesso da advogada ativista Cristiano Oliveira do DDH. PM diz que ela será conduzida para a 17° DP em São Cristóvão.
Como em 2013, o protesto em São Paulo foi convocado pelo MPL (Movimento Passe Livre). O objetivo era protestar contra o aumento das passagens de ônibus (sob responsabilidade do prefeito Fernando Haddad) e de trem e metrô (sob responsabilidade do governador do estado Geraldo Alckmin), além de exigir sua tradicional bandeira: tarifa zero para todo o transporte público.
De acordo com o MPL, estiveram presentes no protesto em São Paulo 30 mil pessoas, enquanto a estimativa da Polícia Militar foi de 5 mil. Manifestantes relatam terem sido agredidos pela Polícia Militar enquanto caminhavam.
Vídeo gravado pelo usuário do Youtube Karashh mostra o momento em que a polícia começou a atacar os manifestantes:
Segundo uma testemunha, um pequeno grupo de Black Blocs quebrou algumas lixeiras e caminharam batendo em portas de ferro de lojas fechadas. De acordo com a jornalista Eliane Brum, uma agência bancária da região também foi depredada por esse pequeno grupo. Foi o suficiente para que a PM começasse a jogar bombas de gás e a atirar balas de borracha — que em 2013 cegaram um fotógrafo e feriram uma jornalista também no olho — para dispersar uma manifestação que desde o começo estava cercada de tensão, com declarações oficiais por parte do Comando da PM de que não permitiriam sequer a marcha dos manifestantes.
O professor Pablo Ortellado, presente na manifestação, criticou a cobertura midiática do ato e acusou a PM de iniciar a violência:
Sou testemunha ocular de que a PM, depois de um incidente isolado na Paulista, atacou gratuitamente uma gigantesca manifestação que transcorria pacifica na Consolação. O MPL foi informado de que haviam acontecido prisões na Paulista, segurou a manifestação na Consolação até a situação se acalmar e a enorme passeata, de dezenas de milhares de pessoas, que estava noutra rua e a cem metros do incidente foi gratuita e covardemente atacada pela polícia. Não obstante, a imprensa, de maneira unânime, relatou o episódio como uma reação da polícia a vandalismo dos manifestantes. Uma narrativa que simplesmente mistura espaços geográficos e inverte a ordem dos fatos.
Algumas fontes informam que manifestantes jogaram pedras na polícia. O jornalista Leonardo Sakamoto, que estava na manifestação, escreveu em seu facebook:
Um pequeno grupo provocou os policiais, espalhou lixo e bateu nas portas das lojas. Eles, que teoricamente deveriam ser treinados para reagir de forma controlada nessas situações, responderam com gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, atingindo e dispersando a manifestação – que seguia pacífica – e assustando pessoas que nem participavam da marcha. Não vou dizer que não mudou nada de 2013 para cá porque, pelo jeito, estão com estoque renovado desses armamentos.
A manifestação conseguiu caminhar pouco depois das 17h, saindo do centro da cidade em direção à Avenida Paulista, principal via da cidade. Antes de chegar à Paulista, porém, a PM atacou, dividindo a manifestação em duas e atacando pelas duas pontas.
O perfil no Facebook do Movimento Passe Livre resumiu:
Na tarde de hoje, cerca de 30 mil pessoas se reuniram no centro da cidade para protestar contra o aumento da tarifa para R$ 3,50. Os manifestantes, porém, foram violentamente reprimidos pela Polícia Militar, que lançou bombas de gás, bombas de estilhaço mutilante e atirou com balas de borracha para impedir que a marcha chegasse à Av. Paulista. Quando a marcha subia a rua da Consolação, a PM iniciou a repressão, prendendo um grupo de manifestantes. Fugindo das bombas e dos tiros, os milhares que participavam do ato correram para as ruas laterais.
E completou:
Com a brutal repressão policial, os governos deixam sua resposta à justa reivindicação da população que luta contra o aumento do preço da tarifa. Longe de discutir a revogação dos aumentos que decretaram, Alckmin e Haddad respondem só com violência: tiros, bombas e prisões contra quem se manifesta.
O jornalista espanhol Bernardo Gutierrez denunciou a provocação e posterior repressão da polícia, no Twitter:
Eu estava no protesto #contratarifa em Sao paulo. (I) a PM ficou provocando durante o protesto todo, com a técnica do envelope e agressivos — Bernardo Gutiérrez (@bernardosampa) 9 janeiro 2015
(II) como jornalista fui desrespeitado pela PM. PM lançou bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo sem motivo, contra os manifestantes — Bernardo Gutiérrez (@bernardosampa) 9 janeiro 2015
(III) A PM parecia ter ordens para impedir a chegada do protesto #contratarifa na Av Paulista. Tinha muita gente:entre 10 e 15.000 pessoas — Bernardo Gutiérrez (@bernardosampa) 9 janeiro 2015
Pequenos grupos de manifestantes dispersos circularam pelas imediações, sendo perseguidos por policias e ao menos 32 manifestantes acabaram presos. O professor Pablo Ortellado informou que foram 38 os detidos. No fim da noite a PM informou que estes passavam dos 50. Ao menos 5 pessoas foram feridas e levadas para hospitais. Alguns dos feridos atendidos na rua podem ser vistos nesse vídeo. O gás lacrimogênio das bombas jogadas pela polícia chegaram a invadir uma estação de metrô.
O ativista e jornalista Lucas Moraes escreveu em sua página do Facebook:
51 presos em São Paulo por protestarem contra os aumentos das tarifas de ônibus. Se você acha que já passamos de junho de 2013, feliz ano velho! Que os movimentos sociais se preparem para enfrentar o modus operandi que os governos buscam perpetuar por meio de suas polícias militares. E preparem igualmente os seus pulmões para respirar muito gás lacrimogêneo vencido.
O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), um dos mais poderosos movimentos sociais do país, deixou claro seu repúdio à violência da Polícia Militar, comandada pelo governador Alckmin e anunciou que participará de futuras manifestações:
ALCKMIN NÃO APRENDEU COM 2013! PM do Governo Alckmin reprime brutalmente Ato contra o aumento da tarifa em São Paulo. Em 2013 isso massificou as mobilizações. Alckmin quer repetir a dose? O MTST irá às ruas contra este ataque!
O professor Fabio Malini publicou no Facebook uma análise gráfica de quase 30 mil tuítes sobre os protestos. Tudo parece repetir 2013. Aliança entre Alckmin e Haddad para elevar conjuntamente os preços das passagens à revelia da vontade popular, repressão brutal da polícia, apoio de parte da mídia à repressão taxando os manifestantes de “vândalos” e reduzindo sua presença nas ruas. Uma nova manifestação foi convocada para a próxima sexta-feira, dia 16 de janeiro.