Conheça Davi Bonela, coeditor do Língua em português

Davi Bonela acompanha o site do GV desde 2011 e entrou para a editoria do Língua em português em 2012. Conectado com as questões sociais, online ou offline, ele também organiza a distribuição da revista da Organização Civil de Ação Social (OCAS), no Rio de Janeiro. Além disso, adotou a marcenaria como hobby. Para ele, os trabalhos manuais são uma forma prazerosa de “desanuviar” os pensamentos, e não deixa de ser também uma maneira de passar o tempo enquanto a sua companheira viaja pelo mundo. Para mim, Davi é um cara coerente com o que sente e pensa, agindo de acordo com o seu coração. Conheça mais sobre ele nessa entrevista.

Global Voices (GV): Como é seu trabalho com os vendedores da revista OCAS?

Davi Bonela: A revista é o principal projeto da OCAS. Ela é produzida para ser comercializada por pessoas em situação de vulnerabilidade social. Inspirada na The Big Issue e em outras publicações associadas à International Network of Street Papers (INSP), a revista circula em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os vendedores são adultos desempregados, em situação de rua, com a saúde física ou mental fragilizada, egressos do sistema penitenciário… enfim, pessoas que não estão partilhando dos bens e recursos disponíveis na sociedade.

GV: Como você começou seu trabalho na revista?

DB: Eu era leitor da OCAS e, certa vez, um vendedor disse que a revista passava por dificuldades. Faltava uma sede no Rio de Janeiro e ele achava que o trabalho seria interrompido na cidade. Pedi para ele me apresentar aos outros vendedores. Eles contaram sobre os benefícios que a revista proporcionava a eles. Como eu poderia esquecer uma vendedora dizendo que a OCAS fazia com que ela não fosse invisível? O outro contando como conciliava o trabalho e um curso profissionalizante? Ou de um jovem casal cujo filho nasceu dentro de uma casa alugada e não na rua por causa do trabalho com a revista? Desde então, comecei a fazer o atendimento aos vendedores no Rio. Na prática, eu recebo as revistas em casa, faço a entrega aos vendedores, leio e debato o conteúdo com eles e os auxilio com assistência social.

Davi

GV: Coloquei seu nome no Google e li que você fez parte de um grupo de estudo sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985). O que você aprendeu?

DB: Pesquisei sobre a ditadura quando participei do grupo de estudos e durante a pré-produção do documentário “Retratos de Identificação”, realizado a partir dos arquivos dos órgãos de repressão oficiais. Não foi fácil, porque os documentos descreviam prisões, inquéritos, julgamentos e perseguições, enquanto relatos falavam de tortura, violência e assassinato. Ou seja, trabalhava com a pior face da política e pude entender um pouco melhor as marcas que ela pode deixar na vida de pessoas, grupos e famílias inteiras.

Trecho do filme Retratos de Identificação, do qual Davi colaborou com pesquisa:

GV: Conte-me sobre sua trajetória no GV. Quando você ouviu falar no projeto e o que te encantou e atraiu nele?

DB: Eu conheci o Global Voices procurando portais de notícias que não fossem da grande imprensa, no Google. Daí conheci o conceito de mídia cidadã, depois o Global Voices. Lembro que a primeira matéria que li foi sobre a troca de cisternas de cimento por cisternas plásticas no sertão. O Sertão aparecia como matéria de interesse para o mundo todo. O texto inclusive foi traduzido para outros idiomas. Essa matéria, junto com outras sobre a violação de direitos humanos e a liberdade de expressão fora do Brasil, me deixou fascinado. Essa perspectiva do GV que nenhum local nem pessoa são periféricos, de que o mundo, na sua diversidade e na sua complexidade, é um enorme centro, me entusiasma até hoje.

GV: O que você mais gosta e menos gosta no GV?

DB: Para mim, o Global Voices é a timeline do mundo. É através dela que eu conheço a repercussão dos acontecimentos na vida das pessoas e que descubro os outros lados das histórias. Através dele, também sei o que se passa em lugares e com pessoas que nunca teria acesso por meio da imprensa tradicional. É muito enriquecedor estar em contato com os sotaques e os pontos de vista de pessoas de diferentes países. Amplia os horizontes. Por exemplo, eu moro no Rio, estou editando uma matéria sobre a Índia, que foi traduzida por um moçambicano, e para isso conto com a ajuda de uma angolana e uma brasileira que moram na Alemanha e outra brasileira que mora na Inglaterra. Tudo para um leitor que pode estar passando na minha rua ou em qualquer lugar do mundo. Não é fantástico?

GV: Você é um menino do Rio? Nascido e criado na capital carioca ou nasceu e caminhou por outros lugares?

DB: Infelizmente, eu ainda não fiz as viagens que mais gostaria de fazer; e o Global Voices me dá vontade de conhecer tantos lugares… Mas, olhando bem, o Rio tem uma convergência de tempos históricos e culturas diferentes, o que de alguma forma continua trazendo novas descobertas. Para minha sorte ou azar – por causa da saudade – há quatro anos divido a vida com uma mulher que viaja bastante pelo mundo. Ela volta para casa cheia de livros, objetos, chás, temperos, tecidos que não raro nos colocam na mesma situação dos personagens de As cidades invisíveis, e o que não posso ver, eu vou imaginando a partir do que ela me mostra e me conta.

GV: Você demonstra ter muito interesse pela questão da pobreza. Você acha que há muita conversa fiada nesses encontros internacionais como Cúpula do Povos (RIO+20) e pouca ação ou é algo muito mais complexo?

DB: Cúpula dos Povos foi um evento paralelo à Rio+20, organizado por entidades da sociedade civil e movimentos sociais de vários países em prol da luta contra a mercantilização da vida. A Cúpula era uma alternativa popular aos debates promovidos pelos grandes políticos na Rio+20, que já se sabia que seriam muito protocolares e pouco assertivos. E não tem conversa fiada quando estão reunidos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Via Campesina, Marcha Mundial das Mulheres, indígenas, quilombolas, sem-teto, sindicatos e um mundo de pessoas interessadas na mudança social. A pobreza é sim um problema complexo e a comunicação é parte desse problema. Mas a comunicação também pode ser parte da solução.

GV: Quando você não está lendo, escrevendo ou editando, o que você faz? Curte praia?

DB: Gosto de praia, sim, e como cresci numa ilha mais ou menos integrada à dinâmica da cidade, conheço um pouco as marés e os barcos. Também tenho ferramentas de marcenaria que me enchem de calos e poupam o dinheiro do terapeuta.

2 comentários

Junte-se à conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.