A visita de Julien Blanc ao Brasil para a realização de palestras sobre como “pegar mulheres” seguiu o exemplo do que aconteceu em outros países [1] e causou grande comoção nas redes sociais. Um abaixo-assinado [2] contra a sua visita reúne até o momento mais de 350 mil assinaturas. A resposta do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores no Brasil) foi rápida: o órgão já anunciou o veto [3] ao visto do norte-americano apenas dois dias após o lançamento da petição.
Julien Blanc [4] daria duas palestras no Brasil em janeiro, no Rio de Janeiro e Florianópolis, cobrando US$ 800 por ingresso. Ele é coach da Real Social Dynamics [5], empresa que se autointitula “líder internacional em dicas de conquista”, e defende abordagens violentas para a “sedução” de mulheres. O perfil Ozomexplicanista [6] divulgou alguns dos tuítes da conta do norte-americano, que a tornou privada depois que suas “táticas” se tornaram mundialmente conhecidas:
O discurso de violência e a defesa aberta do estupro foram o mote para pedir o veto a entrada de Blanc, que foi deportado da Austrália [9] após pressão da sociedade civil deste país. Movimentos parecidos também estão sendo realizados no Reino Unido [10], no Canadá [11] e no Japão [12] para o cancelamento de suas palestras e impedimento da sua entrada.
A professora Lola Aronovich, do blog feminista Escreva Lola Escreva, reproduziu um comentário [13] de um de seus leitores que tem acesso à comunidade de “pick-up artists” no Brasil relatando o perfil do público frequentador do tipo de palestra dada por Julien Blanc.
“O grupo PUA Brasil é antigo, forte, bem organizado. Eles realizaram eventos cobrando R$ 500 o ingresso.Eu passei horas lendo o que essa turma do PUA Brasil escreve. Grande parte é isso ai mesmo: estupro de vulnerável. Técnicas de conquista, sedução, sedação e como não deixar indícios de violência sexual e não criar imagem de malvado transferindo para a mulher por meio de técnicas subliminares elaboradas a responsabilidade pela relação. […]
A principal vítima desses PUAs são pré-adolescentes que atingiram a idade de consentimento, 14 anos. Elas são mais fáceis de ser conquistadas e têm vergonha de expor a violência.”
No site da Avaaz, as organizadoras da petição [2] falaram sobre o significado dessa campanha:
Essa petição não é uma causa só pra que Julien Blanc não entre no Brasil, gira em torno de uma causa maior: O Combate a violencia contra a mulher, pois não podemos suportar mais e é uma prova de que estamos juntos para combater isso!
Para a blogueira feminista Nádia Lapa [14], do Cem Homens em Um Ano, o boicote deve ser estendido àqueles que patrocinam a turnê de Blanc:
Ainda precisamos descobrir quem está patrocinando os eventos no Brasil e manifestar nosso repúdio e boicote. O que não precisamos é de uma convenção de homens que odeiam as mulheres.
Violência e cultura do estupro
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 10 minutos [3]. O Mapa da Violência de 2012, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, mostrou que 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil em 10 anos [15], número alarmante, apesar dos avanços [16] na legislação e políticas públicas para a violência de gênero.
A psicóloga e blogueira Luciana Nepomuceno ressalta a importância [17] de se analisar a situação para além do “choque” com a explícita defesa do estupro e de táticas agressivas para a “conquista de mulheres” realizada pelo norte-americano:
A existência dele e de um curso assim é possível apenas porque a nossa sociedade trata a mulher como um ser “menos que” o homem. Menos humano. Menos sujeito de direitos. Ele tá na paleta entre o estuprador em série e o cara que faz piada com os amigos dizendo que “mulher quando diz não, é talvez, e quando diz talvez, é sim”.
Alguns debates [18] também giraram em torno do comportamento feminino, que às vezes “aceita” abordagens violentas e opressoras. Numa das postagens do perfil Ozomexplica, Thatiana Oliveira [19] comenta:
Pois é, o que existem são mulheres reproduzindo o machismo, pois foram (des)educadas a pensar que só serão alguma coisa com um omi do lado (e todos seus privilégio$ de omi)… Essa.merda toda é um círculo vicioso e não sei o que é mais difícil desconstruir :(
A mobilização em vários países contra tais “palestras” demonstram o crescente repúdio à cultura do estupro, num cenário onde a violência contra a mulher segue em níveis alarmantes [20], inclusive em países desenvolvidos, como mostrou uma pesquisa [21] recente realizada pela União Europeia. Como apontou Luciana Napomuceno:
Eu acho que as estruturas mudam na dinâmica dialética entre matéria e simbólico e um país dizer NÃO, não aceito esse discurso aqui, ainda mais um país jovem e que está se construindo – como o nosso, implica em um ganho não imediato com implicações que nem se pode dimensionar. É o sentido implicado nessa negativa que importa. O não, não pode entrar vai na contramão de toda uma cultura de apaziguamento e consentimento em relação à violência contra as mulheres. Seria um não muito bem vindo.Acho que a gente pode e deve fazer escolhas políticas. Acho que negar entrada a um discurso de violência é, sim, uma atitude política necessária. É hora de parar de minimizar [22] as questões relativas à violência contra a mulher. É hora de tirar a luta contra o machismo das notas de rodapé.
O palestrante e a empresa até agora não se manifestaram oficialmente; eles não responderam aos pedidos de entrevista [23] feitos pela Vice.
ATUALIZAÇÃO (17 de novembro de 2014):
Julien Blanc concedeu hoje uma entrevista à CNN [24] se desculpando pelas suas atitudes e afirmando não ser sua intenção ofender ou causar danos. A entrevista foi realizada pelo jornalista Chris Cuomo [25], que questionou Blanc quanto à sinceridade de suas desculpas, apontando para as evidências de que ele abertamente incentiva abordagens violentas. Blanc se defendeu afirmando que tudo não passava de “humor de mau gosto”.