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Autoridades abusam da lei de crimes virtuais de Hong Kong para silenciar protestos

Categorias: Mídia Cidadã, GV Advocacy
Demonstrators in Hong Kong, October 2014. Photo by  香港獨立媒體網, used with permission. [1]

Manifestantes em Hong Kong, outubro de 2014. Foto de 香港獨立媒體網, usada com autorização.

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Este artigo foi escrito em chinês pelo Keyboard Warrior, um grupo civil que advoga a liberdade na internet. Foi publicado [2] originalmente no inmediahk.net em 20 de outubro. Esta versão foi traduzida para o inglês por Andy Mok [3] do grupo do Facebook HKDemNow e editada para o contexto por Oiwan Lam [4].

Um internauta de 23 anos foi preso por organizar um protesto no Golden Forum de Hong Kong, uma das plataformas virtuais mais famosas da cidade. A polícia diz que ele será acusado de “acesso a computador com intenção criminosa ou desonesta”, um crime enumerado na seção 161 do regulamento de crimes de Hong Kong (semelhante ao código penal). 

No Golden Forum, o jovem incitou outras pessoas a participarem da série de protestos entre os dias 17 e 19 de outubro, que estão conectados com a Revolução dos Guarda-chuvas. Na madrugada de 18 de outubro, ocorreu um confronto violento entre os policiais e os manifestantes em Mongkok, resultando em dezenas de feridos. Nas primeiras horas da manhã seguinte, a polícia prendeu o internauta em seu apartamento. 

Uma cópia oficial da lei de crimes virtuais prevê que:

(1) Any person who obtains access to a computer-
(a) with intent to commit an offence;
(b) with a dishonest intent to deceive;
(c) with a view towards dishonest gain for himself or another; or
(d) with a dishonest intent to cause loss to another, whether on the same occasion as he obtains such access or on any future occasion, commits an offence and is liable on conviction upon indictment to imprisonment for 5 years.

1) Qualquer pessoa que obtenha acesso a um computador: 
(a) com intenção de cometer um delito; 
(b) com a intenção desonesta de enganar; 
(c) visando obter ganhos de forma desonesta para si mesmo ou terceiros; ou
(d) com a intenção desonesta de causar perdas a terceiros, na mesma ocasião em que o referido acesso foi conseguido ou em qualquer outra ocasião futura, comete um crime e é passível de condenação, após o devido processo, a pena de prisão de cinco anos.

Desde o início da Revolução dos Guarda-chuvas, [5] que mais de uma dezena de internautas em Hong Kong foram presos e acusados de “(acesso a um) computador com intenção criminosa ou desonesta”. Alguns deles alegadamente participaram no apelo lançado pelo Anonymous Asia [6], que visava um ataque com o objetivo de bloquear os serviços dos sites do governo de Hong Kong. 

A parte mais preocupante da lei de crimes virtuais é, sem dúvida, a Seção 1(a), que diz respeito a todas as infrações penais. Quando, em abril de 2013, o chefe do departamento de segurança de Hong Kong, Lai Tung-kwok, explicou a lei de crime virtuais aos membros do conselho legislativo, especificou que:   

The Section in question serves the purpose of stopping conduct involving “access to computer with criminal or dishonest intent,” such as internet fraud, hacking, or to commit other crimes via the use of a computer.

A seção em questão visa coibir condutas envolvendo “acesso a computador com intenção criminosa ou desonesta”, tais como, fraude na internet, hacking ou o cometimento de outros crimes através do uso do computador. 

Portanto, a lei é aplicável a qualquer crime envolvendo o uso de computador, impondo sanções pesadas àqueles que possam ter usado o computador para cometer um crime, ainda que o mesmo não seja de âmbito informático. Nos últimos anos, a aplicação desta lei parece ter sido abusiva uma vez que a acusação de “acesso a computador com intenção criminosa ou desonesta” foi utilizada para todos os crimes nos quais o uso do computador esteve envolvido de alguma forma.  

Um dos casos (KTCC 4509/2010) envolveu uma alegação falsa de um médico de que uma vacina seria subsidiada. Embora pareça que o médico deveria ter sido acusado de “falsas alegações”, em vez disso o arguido foi condenado nos termos da seção 161. Em outro caso (ESCC2491/12), o acusado fez fotos escondidas de uma colega enquanto esta utilizava o banheiro. Ele salvou as fotos em seu computador domiciliar. Muito embora ele nunca tenha tentado divulgar as fotos por meios eletrônicos, foi condenado por “acesso a computador com intenção criminosa ou desonesta”.

Se um ato tem natureza criminosa, este deveria ser julgado de acordo com o código penal, ao invés de se recorrer à seção 161.

Ao comentar a prisão recente do internauta acusado de acesso a um computador para convocar a “assembleia ilegal”, Charles Mok, legislador de Hong Kong, disse acreditar [7] que a aplicação da lei de crimes virtuais foi abusiva. “É como uma extensão universal que pode ser ligada a todos os tipos de crime, se o ato envolver o uso de computador, celulares ou até mesmo câmaras digitais”. Ele fez um apelo para que a lei seja alterada de modo a prevenir abusos”.  

Nos termos da lei de crimes virtuais, a polícia está legalmente obrigada a obter as informações de IP do provedor de internet ou de plataformas online, antes de agir e de prender os internautas. De acordo com o mais recente relatório de transparência [8] divulgado pelo Centro de Estudos de Jornalismo e Mídia da Universidade de Hong Kong, o governo de Hong Kong fez um total de 5,511 pedidos de informação sobre usuários (pedidos de informação de contatos de usuários, endereço de IP, etc), dos quais 3,846 (70%) foram concedidos em 2013. A maioria destas requisições foi feita sem ordem judicial. Os internautas, que são usuários destes serviços, não são informados sobre o protocolo das empresas quando seus dados são solicitados por imposição da lei.

Os dados acima descritos foram revelados durante uma sessão de perguntas e respostas no Conselho Legislativo de Hong Kong. Provedores locais de internet e plataformas de internet não divulgaram relatórios de transparência em relação ao período acima referido e não manifestaram intenção de fazê-lo.

Quando confrontados com o uso abusivo da lei de crimes virtuais, os internautas são aconselhados a exercer o seu “direito ao silêncio”. Muito embora leis como esta possam ter sido feitas para servir o interesse público, podem se tornar instrumentos de perseguição política se colocadas nas mãos de um regime repressivo.

Tradução editada por Lú Sampaio [9] como parte do projecto Gobal Voices Lingua [10]