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Falta água em São Paulo, mas autoridades negam necessidade de racionamento

Categorias: América Latina, Brasil, Governança, Meio Ambiente, Mídia Cidadã
The Cantareira System, which supplies 7 million people with water, has reached record lows yesterday with 4,1% of its total capacity. Image by Flickr user Fernando Stankuns. [1]

Sistema Cantareira, que abastece água para 7 milhões de pessoas, alcançou ontem recorde de queda, com 4,1% de sua capacidade total. Imagem do usuário do Flickr Fernando Stankuns. CC BY-NC-SA 2.0

São Paulo, o mais populoso estado Brasileiro, enfrenta a pior crise hídrica em décadas. O último verão foi o mais seco em 84 anos, desencadeando uma seca que já atinge 70 cidades, afetando a vida de 13,8 milhões de pessoas [2].

Dentre elas, 38 já adotaram um plano de racionamento de água, onde o abastecimento é alternado entre bairros a cada semana. Uma das situações mais preocupantes, no entanto, é na própria cidade de São Paulo, a capital do estado e maior metrópole da América Latina. O Sistema Cantareira, um complexo de quatro lagos reservatórios responsáveis ​​pelo fornecimento de água a 45% da região metropolitana da cidade (cerca de 6,5 milhões de pessoas) e outras cidades vizinhas, está funcionando com o recorde mais baixo da história – 4,1 por cento de sua capacidade total [3].

Apesar disso, há meses o governo do Estado e a Sabesp, estatal que gerencia o Sistema da Cantareira, têm negado o risco de falta de água na capital [4] e a necessidade de colocar em prática um plano de racionamento, como outras cidades do interior já fizeram. Mas desde o início do ano moradores de vários bairros de São Paulo reclamam de interrupções semanais e até diárias. Só nesta semana, 34 escolas públicas da cidade passaram por problemas no fornecimento de água [5] – e pelo menos uma precisou cancelar as aulas por conta disso.

Algumas pessoas acreditam que estão passando por um racionamento não oficial. No site Faltou Água [6], um mapa colaborativo mostra locais onde usuários relatam interrupções no abastecimento de água. Veja abaixo uma seleção de mensagens postadas no site entre agosto e setembro:

Corte de agua das 00:00 as 6:30 no jardim sao paulo zn de sp. Acontece a pelo menos 1 semana”
 
Aqui na Vl Monumento falta água toda noite, começou faltando à partir das 0h depois foi aumentando o período, hoje dá 21h e já não tem mais água.
 

Na v Madalena cortam todas as noites. Isso faz quase 2 meses

Ainda assim, muitos moradores de São Paulo não enfrentaram nenhum problema com o abastecimento. Para explicar isso, Vinícius Duarte tem uma teoria interessante, que ele compartilhou em seu Facebook [7]:

Boa parte da população paulistana AINDA não sente a falta d'água (e acredita no governo, e continua gastando a rodo, e fazem piadinha com o tema) por uma razão simples: mora em prédio de apartamentos. Quando a Sabesp desliga o fornecimento (todo dia), o morador não vê a torneira seca e fica tranquilão. Afinal, ela continua a ser abastecida pela caixa d'água do edifício, que é coletiva. (…) Como algumas unidades consomem menos que outras, a coisa vai meio que se compensando. Mas isso só enquanto TEM água na caixa.

Sistema Cantareira à beira do colapso

Nesta semana, o Ministério Público Estadual revelou que a Sabesp sabia que os reservatórios corriam em risco de escassez de água desde 2012 [8]. Na época, a empresa enviou um relatório aos seus investidores em Nova York – 25,4% de suas ações são cotadas na Bolsa de Valores de New York – advertindo que a seca prevista para abril de 2014 poderia afetar suas finanças. A Sabesp, no entanto, só decidiu tomar medidas há cerca de oito meses [9]: um desconto para usuários que economizavam água foi a sua principal estratégia para combater o colapso iminente do seu principal reservatório.

Desde maio, a empresa tem utilizado a primeira cota de “volume morto” (reservatório de água situado abaixo das comportas das represas). A Justiça Federal havia proibido a Sabesp de captar água da segunda cota desse volume mediante preocupações de má gestão de suprimentos, mas a decisão foi revogada ontem devido à urgência da situação [10], uma vez que a primeira quota só vai durar até o início de novembro.

A segunda quota compreende 106 bilhões de litros e deve durar até março de 2015, sem racionamento de água. Depois disso, acabou: não há “terceiro” volume morto na Cantareira. Resta apenas a esperança de que a chuva durante a estação chuvosa, que vai de dezembro a fevereiro, seja o suficiente para fornecer mais água para o resto de 2015.

Como disse a blogueira Camilla Pavanelli para seus mais de 1.600 seguidores no Facebook [11]:

O plano do governo do estado é um só: captar até a última gota de volume morto e torcer para que chova. Não há plano B. Sendo assim, eu diria que já passou a hora de reconhecermos o seguinte: O tempo de pensar no uso racional e consciente de água já passou. O assunto, agora, é outro. O assunto não é “usar com parcimônia para que não acabe”. O assunto é que está acabando – ou, se considerarmos que a água do Sistema Cantareira que estamos consumindo é volume morto, já acabou.

Segundo especialistas, deve levar pelo menos quatro anos para que o sistema volte ao normal [12], mas tal estimativa depende das chuvas permanecerem dentro das médias históricas. As principais obras de drenagem de outros rios e reservatórios devem ficar prontos apenas em 2016, de acordo com o próprio cronograma da Sabesp. 

Na zona rural

O racionamento oficial de água atinge 38 municípios na zona rural. Estas cidades, que não são abastecidas pela Sabesp, dependem de pequenas empresas locais para o suprimento de água.

A vantagem de passar por um racionamento oficial é que as pessoas conseguem saber que dia e hora terão o abastecimento de água interrompido – de forma a tomar precauções em vez de ser pego de surpresa.

Isso, no entanto, não significa necessariamente que não haja manifestações e revoltas entre a população. A cidade de Itu, com 163 mil habitantes, sofre racionamento desde fevereiro, com o distrito tendo que comprar 3 milhões de litros de água por dia de cidades próximas. No domingo, moradores que participaram do quarto protesto contra a falta de água [13] bloquearam uma estrada e atearam fogo em um ônibus.