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Menos de 10% dos habitantes da África subsahariana tem eletricidade. O que está sendo feito para mudar isso?

Categorias: África Subsaariana, Botsuana, Moçambique, Boas Notícias, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Governança, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Tecnologia

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Recentemente, o Banco Mundial anunciou que iria conceder 5 bilhões de dólares em ajuda à África [1] para que o continente possa otimizar seu potencial elétrico, privilegiando, entre outras, a hidroeletricidade. Território em pleno desenvolvimento, a África ainda sofre de grandes lacunas em eletrificação, o que freia o seu crescimento. 15% da população mundial vive em solo africano, mas essa população consome apenas 3% da eletricidade no mundo. A falta de recursos e infraestrutura fez com que organismos públicos e empresas estrangeiras se unissem para dar condições à África de desenvolver-se. Por exemplo, a companhia Électricité de France (EDF) dirige múltiplos projetos de eletrificação no continente atualmente.

Menos de 10 % dos habitantes da África subsahariana dispõem de eletricidade

Hoje, a África é um continente cheio de promessas e rico em recursos naturais. É um continente jovem em pleno desenvolvimento. Mas também é um território que recebe o poético apelido de “sociedade da noite eterna” por causa da falta de eletricidade dominante no continente no qual cerca de 600 milhões de pessoas não tem acesso à eletricidade [2] atualmente.

Em todo o continente, a taxa de eletrificação chega a 42%. Se esta é uma das taxas mais baixas verificadas entre os países emergentes, senão a mais baixa, verifica-se igualmente disparidades regionais muito acentuadas. Enquanto 99% do Magreb dispõe de eletricidade, somente 31% da África subsahariana se encontra na mesma situação. A desigualdade também está presente quando olhamos o abismo que separa as zonas urbanas das zonas rurais: 69% das cidades possuem eletricidade, enquanto a África rural arrasta ainda uma taxa próxima de 25%. É assim que menos de 10% das populações que vivem na zona rural subsahariana gozam das vantagens que a eletricidade oferece.

Esses números traduzem a falta de recursos de um continente que tem dificuldades em atrair investimentos e em manter suas concessionárias de energia elétrica. Em busca de rentabilidade, os investidores se encontram diante de uma população em que 70% vive com menos de dois dólares por dia, rendimentos que não são suficiente para cobrir os gastos gerados pelo consumo de eletricidade, mesmo que ele seja mínimo. Além disso, as concessionárias de energia elétrica tem que utilizar instalações pesadas e envelhecidas com as quais eles não podem esperar ganhar dinheiro se concentrando unicamente no segmento doméstico.

Diante dessa escassez de capitais, as ONGs e também os grupos públicos e privados oriundos da comunidade internacional lançam projetos de eletrificação que, ainda hoje, têm a aparência de ajuda ao desenvolvimento.

Grandes avanços com energia solar

A falta de eletricidade na África é um problema no qual intervêm atores de todo o mundo, que, por sua vez, privilegiam a energia solar devido a taxa de radiação solar excepcional no continente. Por conta disso, Moçambique recebeu 35 bilhões de dólares de empréstimo da Coreia do Sul [3] há quatro anos. Esses recursos foram destinados à construção de três centrais solares e para dar ao país um meio de consolidar suas capacidades elétricas. A operadora Orange também se lançou nessa aventura com a distribuição de 1.300 antenas de telefonia celular nas zonas rurais com o objetivo principal de permitir que os habitantes recarreguem seus telefones.

Quando se fala em ampliar a oferta de eletricidade na África, ainda mais na zona subsahariana, enfatiza-se muitas vezes as energias renováveis, por serem mais aptas a responder às necessidades do solo africano e, ao mesmo tempo, por otimizarem os recursos naturais. É assim que cerca de trinta investidores americanos [4] anunciaram, no começo de junho, a intenção de financiar com um bilhão de dólares a instalação de centrais solares e de centrais hidroelétricas nessa região do continente. Esses recursos, distribuídos em cinco anos, vão servir também para formar especialistas africanos na área energética e a coletar dinheiro para apoiar os fornecedores locais de eletricidade. Ernest Moniz, secretário da Energia dos Estados Unidos declarou [4]:

L'accès à des réseaux centralisés d'électricité n'est pas une solution exhaustive pour ces pays situés sur l'un des continents les moins urbanisés. (…) Mais avec des solutions comprenant des projets hors réseaux et de petites tailles, nous pouvons apporter l'électricité à ces zones rurales.

O acesso a redes de eletricidade centralizadas não é uma solução exaustiva para esses países situados em um dos continentes menos urbanizados. (…) Mas com soluções que compreendam projetos de pequeno porte não conectados à rede elétrica, podemos levar eletricidade às zonas rurais.

EDF, Schneider Electric: Indústria francesa investe nas zonas rurais

A EDF se associou recentemente à Sociedade Financeira Internacional (SFI) [5] filial do Banco Mundial, para intervir nas regiões rurais da África subsahariana, com o objetivo de conectar 500 mil pessoas que vivem nessas zonas às redes elétricas. O grupo francês dirigido por Henri Proglio vai instalar sistemas de eletricidade isolados (off-grid), que são autossuficientes e menos dispendiosos. Atualmente, uma fase de testes foi lançada no Benim com a intenção de conectar 25 mil pessoas com a ajuda de um sistema de energia híbrido solar-diesel acompanhado de centrais de bioenergia. Para Édouard Dahomé, diretor de África e acesso à energia da EDF, a eletricidade é:

un produit vital sans lequel aucun vrai développement n’est possible. L’accès à l’énergie des populations rurales, souvent les plus défavorisées, permet de réduire la pauvreté en développant les activités génératrices de revenus, mais aussi l’éducation, la santé, l’accès à l’eau etc.

um produto vital sem o qual nenhum desenvolvimento verdadeiro é possível. O acesso à energia para as populações rurais, geralmente as mais desfavorecidas, permite reduzir a pobreza ao desenvolver atividades geradoras de renda e favorecer a educação, a saúde, o acesso à água, etc.

Essa companhia de energia elétrica tem inúmeros projetos e tenta dividir com vários países seu conhecimento na área. Em Botswana, EDF foi escolhida pela concessionária de energia elétrica Botswana Power Corporation (BPC) [6] para colocar em prática seu programa de eletrificação rural descentralizada. No Mali, acompanhada pela Ademe (agência francesa para o meio-ambiente e gerenciamento de energia), a gigante da energia criou uma Sociedade de Serviços Decentralizados(SSD), que visa propor serviços energéticos sob a responsabilidade de uma empresa de advocacia local. A SSD tem a missão de eletrificar cerca de vinte vilarejos da região utilizando micro-redes de baixa e média tensão alimentadas com diesel e energia solar. Mais do que uma simples ajuda ao desenvolvimento, a África é um terreno onde a EDF pode fazer valer sua experiência e mostrar suas capacidades, principalmente em termos de instalações ecologicamente responsáveis e duráveis.

A EDF não é a única empresa francesa a se interessar pelo continente africano, o grupo industrial Schneider Electric [7] também se lançou nessa aventura ao anunciar, no ano passado, o interesse em pôr em prática uma solução para “aumentar a quantidade de eletricidade disponível na África com investimentos limitados”. Esse projeto, chamado “Smart Cities”, se baseia na modernização da rede atual e na ampliação da oferta de energias renováveis e tende a efetuar até 30% de economia de energia nas cidades da África. Para Mohammed Saad, presidente da Schneider Electric na África,

Le défi consiste non seulement à produire plus d’électricité, mais aussi à générer une énergie intelligente afin de permettre une croissance intelligente en Afrique. 

O desafio consiste não somente em produzir mais eletricidade, mas também em gerar uma energia inteligente a fim de permitir um crescimento inteligente na África.

Mesmo se os investimentos na eletrificação da zona rural africana apresentam ainda pouco retorno, esse processo acompanha o desenvolvimento de vários países e participa da emergência de um mercado potencial de mais de 589 milhões de pessoas [8]. Para tanto, inúmeros investimentos ainda estão previstos. O Banco Mundial prevê que menos de 60% da população africana terá acesso a energia elétrica em seus lares até 2030 [9] e que serão necessários 40 bilhões de euros em investimentos anuais para atender as necessidades energéticas do continente.