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1 milhão de refugiados podem marchar até à capital do Paquistão para conseguir atenção do governo

Categorias: Sul da Ásia, Paquistão, Desastre, Direitos Humanos, Esforços Humanitários, Governança, Mídia Cidadã, Política, Protesto, Refugiados
Internally displaced people from North Waziristan are at registration camp in Peshawar. [1]

IDP's (pessoas deslocadas internamente) de Waziristão do Norte em um campo de registro em Peshawar. Imagem de ppiimages. Copyright Demotix (8/7/2014)

Dezenas de milhares de manifestantes anti-governo estão organizando manifestações na capital Islamabad. A crise política [2]resultante tem cativado e monopolizado a atenção da mídia paquistanesa desde meados de agosto.

Ao mesmo tempo, a imprensa paquistanesa mal tem dado cobertura a uma operação militar em curso que forçou um milhão de pessoas a deixarem seus lares [3] no Waziristão do Norte, perto da fronteira com o Afeganistão.

Zainab Abdullah, paquistanesa residente nos Estados Unidos, escreveu em seu perfil no twitter:

O Paquistão está em guerra, com mais de milhão de deslocados internos, desabrigados, famintos e abandonados. Ainda assim, todos os olhos e corações estão voltados para a capital – triste

O exército paquistanês lançou em junho a Operação Zarb-e-Azb [5], atacando diversos campos, inclusive alguns pertencentes ao TTP (Movimento Talibã do Paquistão) [6] e ao IMU (Movimento Islâmico do Usbequistão) [7], que reivindicaram a responsabilidade por um ataque a um aeroporto internacional em Carachi. [8]

A primeira fase da operação incluiu intensos ataques aéreos no Waziristão do Norte, cujos alvos eram áreas de treinamento, esconderijos e outras infra-estruturas de grupos militantes. Os primeiros ataques aéreos fizeram com que pelo menos 457.000 pessoas [9] deixassem seus lares. Os ataques continuaram, e de acordo com as últimas informações [3] publicadas pelo OCHA (Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários) a quantidade de deslocados internos nessa região já ultrapassa um milhão.

Screenshot from Ocha's North Waziristan Displacements snapshot as on 15 August, 2014. [3]

Imagem publicada no relatório do OCHA sobre os refugiados do Waziristão do Norte; atualizado pela última vez em 15 de agosto de 2014.

Essa onda de refugiados foi somada a outras 690.000 pessoas [10] que já vivam no país na condição de deslocados internos, alguns desde 2004, outros devido a operações militares anteriores contra os talibãs e ainda outros na decorrência de inundações desastrosas [11].

O governo paquistanês estava despreparado [12] para esta crise humanitária. Há relatos de que alguns campos de refugiados dirigidos pelo governo estão vazios [13]. Enquanto isso, os deslocados espalhados por todo o país enfrentam condições miseráveis e sobrevivem graças à ajuda de alguns bons samaritanos locais. Os grupos minoritários são, por vezes, totalmente ignorados [14]. Funcionários da província de Sindh alegam que, devido a restrições orçamentais, não podem acomodar os deslocados da província de Khyber Pakhtunkhwa. Muitos deslocados enfrentam ainda [15] um processo de registro exaustivamente lento, além de uma ineficaz distribuição de suprimentos. Com efeito, a lista de irregularidades [16] e riscos à saúde dos deslocados [17] longa.

Diversos grupos, incluindo partidos da oposição [18], têm trabalhado para comunicar as queixas dos deslocados ao governo nacional. De Islamabad, porém, o governo tem subestimado a gravidade do desastre. No dia 10 de julho, o Ministério das Relações Exteriores se recusou a solicitar ajuda internacional, alegando ser a reabilitação dos deslocados uma questão interna [19]. No entanto, o governo está permitindo que a ONU e parceiros humanitários ligados à Associação Humanitária Nacional [20] levantem fundos e ofereçam assistência humanitária essencial para manter 500.000 deslocados por seis meses. Até o momento, o dinheiro já doado ou prometido não passa de 25% dos US$ 99 milhões necessários, e nesse meio tempo, o número de refugiados passou de um milhão.

Algumas autoridades das comunidades deslocadas estão cada vez mais impacientes com as medidas ineficientes do governo. A líder tribal do Waziristão do Norte, por exemplo, ameaçou [21] marchar com sua tribo até Islamabad, se for isso o necessário para atrair a atenção nacional.

Relief Goods consignment from Pakistan Army being dispatched for IDPs of North Waziristan. Image by ppiimages. Copyright Demotix (3/7/2014) [22]

Suprimentos dos Exército Paquistanês sendo despachados aos deslocados do Waziristão do Norte. Imagem de ppiimages. Copyright Demotix (3/7/2014)

No dia 14 de agosto, os partidos PTI [23] (Movimento Paquistanês pela Justiça) do ex-jogador de críquete Imran Khan [24] e PAT [25] (Movimento do Povo Paquistanês) do político e professor sufista Tahir-ul-Qadri [26], respectivamente, organizaram marchas anti-governamentais em Islamabad. Suas acusações contra o governo são diversas: manipulação das eleições gerais de 2013 [27], corrupção, nepotismo e a morte de pessoas inocentes, só para citar algumas. Suas exigências incluem, entre outras coisas, as resignações do primeiro ministro Nawaz Sharif [28] e do ministro chefe do Punjabe, Shehbaz Sharif [29].

As manifestações começaram como passeatas pacíficas em frente ao edifício do Parlamento. Porém a 30 de agosto, houve choques violentos [2] entre a polícia e os manifestantes. Até à data, três pessoas foram mortas e muitas outras feridas.
Desde o começo das passeatas, os canais de notícias paquistaneses têm feito maratonas de transmissões [30] dedicadas estritamente à crise política do lado de fora do Parlamento em Islamabad. A mídia tem ignorado quase por completo a situação da população paquistanesa deslocada.

Sherry Rehman [31], ex-ministro da informação e embaixador nos EUA, encorajou a mídia paquistanesa a “crescer” e se voltar mais à crise dos deslocados no país.

Se a mídia paquistanesa quiser começar a crescer, deveria fazer melhores escolhas editoriais. Procurem dar um pouco mais de atenção aos deslocados nas suas maratonas de transmissão.

A televisão paquistanesa ignorou também outros importantes acontecimentos recentes, como a morte de mais 15 pessoas [33] causada pelas intensas chuvas do mês passado e um ataque talibã [34] a uma base aérea em Quetta, no oeste do Paquistão.

Como muitos paquistaneses, Hafsa Khawaja, estudante em Lahore e preocupada com a atual situação do país, tuitou aos principais meios de comunicação, pedindo aos jornalistas que repensem suas prioridades editoriais e dediquem mais atenção às tragédias ignoradas no país.

Seria bom se a mídia desse ao menos metade da atenção que está dando a este caos, aos paquistaneses sofredores e ignorados

Vários jornalistas também reclamaram sobre a aparente apatia da mídia em relação aos deslocados paquistaneses. Mesmo antes das manifestações, Nasim Zehra [37], uma proeminente âncora e colunista, já se perguntava se a política da capital estava promovendo a indiferença em relação à crise humanitária no Paquistão. Zehra se dirigiu não só ao governo, mas à “realeza” que existe dentro da mídia.

Enquanto damos tanta atenção ao drama político no Paquistão, que atenção temos dado aos deslocados? Perguntemos isso a nós mesmos, aos nossos governantes e aos nossos partidos políticos. 

Segundo Faizan Lakhani, alguns pais até começaram a colocar em suas crianças o nome dos campos de refugiados.

O campo de refugiados onde na semana passada nasceu “Azb Khan” se chama “Azb Khan Enclosure”

Memeabad [43], uma página de humor satírico do Facebook, com mais de 64.000 seguidores, anunciou em uma postagem:

JUST IN: Boy born in the IDP camps of Bannu. Parents named him Azb ‘Stop fucking ignoring us we're suffering for you people’ Khan.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS: Nasceu um menino nos campos de refugiados de Bannu. Seus pais o chamaram de Azb ‘Pare de nos ignorar, porque estamos sofrendo’ Khan.

Na página Memebad, e por toda a Internet, a mensagem que se tenta passar com tanta raiva e frustração é que os paquistaneses tratam com uma terrível indiferença o sofrimento de seus compatriotas.

Fakhr-e-Alam [44], uma importante figura na indústria de entretenimento do Paquistão, expressou seu desapontamento com a maneira como o país lida com seus refugiados.

Nas últimas 2 semanas não ouvi nada sobre refugiados, Zarb-e-Azb, agressões da Índia, assassinato de minorias, lei e ordem, etc de nenhum líder.

Compreensivelmente, as comunidades deslocadas estão desapontadas com as medidas do governo. Apesar dos inerentes perigos à vida no Waziristão do Norte, muitos deslocados pedem ao governo que apresente uma data oficial para o fim da operação Zarb-e-Azb [46], para que eles possam finalmente retornar aos seus lares e encontrar um pouco de alívio.

Tradução editada por Lú Sampaio [47] como parte do projecto Global Voices Lingua [48]