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Guatemala: Autoridades confiscam 9,9 milhões de dólares em aeroporto

Categorias: Colômbia, Guatemala, Panamá, Mídia Cidadã, Relações Internacionais
Escondite

Traficantes escondem o dinheiro em malas, dentro de livros, ou ocultam nos seus corpos. Foto: cortesia dos arquivos da Prensa Livre.

A versão original desse artigo [1]foi escrita em espanhol por Luis Ángel Sas e publicada na plataforma jornalística CONNECTAS [2] em maio de 2014.

A locutora, psicóloga e modelo equatoriana María Magdalena Stahl Hurtado, que possui cidadania americana e ascendência alemã, caminhava pelo aeroporto La Aurora, na Guatemala, numa tarde do mês de maio de 2010. Com seus quase 1,73 m de altura, seu corpo elegante atraía olhares.

Carlos, um oficial encarregado de apreender drogas, foi atraído pela imagem de Stahl; ela quase havia representado o Equador no concurso de Miss Universo cinco anos antes. Carlos a abordou para uma triagem de rotina na qual os passageiros são selecionados aleatoriamente. Para falar a verdade, Stahl foi escolhida pelo oficial mais por seu  corpo atraente do que por qualquer fundamento de suspeita. Mas quando ele olhou nos olhos dela, notou  um medo característico daqueles que têm algo a temer. 

 Ele foi treinado para isso. Ele começou com muitas perguntas; Stahl não resistiu. Carlos pediu para examinar a bagagem; ela se opôs mas teve que deixar. Após muitas horas, o Ministério Público calculou que havia mais de 435.762 mil dólares escondidos na bagagem que Stahl levava para o Panamá. De acordo com a Subdivisão Geral de Informação e Análise de Antinarcóticos (SGDAIA), um total de 9,9 milhões de dólares foi confiscado de passageiros de várias nacionalidades e perfis tentando transportar dinheiro não declarado para fora do país pelo Aeroporto Internacional La Aurora entre 2010 3 2013. 

O último caso reportado é o do técnico de futebol do Coatepeque, Richard Alexis Preza Herrera, que foi preso por transportar 14,6 milhões de dólares. No seu julgamento, ele pagou uma multa de 600.000 quetzales (7.750 mil dólares) e foi proibido de deixar o país. Dos últimos quatro anos [3] [es], 2011 foi o ano em que houve mais confisco de dinheiro: um total de 5,7 milhões de dólares. O ano anterior, em 2010, 2,2 milhões de dólares foram confiscados. O total diminuiu para 859.000 em 2012 e alcançou 969.000 dólares em 2013. 

 Como o dinheiro circula

 Os 9,9 milhões de dólares foram confiscados de 67 pessoas, uma média de 147.000 dólares por pessoa. Entretanto, a quantia levada por cada pessoa variava de 12 mil até 1 milhão de dólares

Mapa

Crédito: Prensa Libre.

 As técnicas para transporte de dinheiro também variavam bastante: as cédulas eram grudadas nos livros e cadernos, escondidas nos saltos dos sapatos e nos cintos, ou disfarçadas junto ao corpos e presas nas meias ou com fita adesiva. 

 O dinheiro também era escondido em latas de feijão, em fundos falsos de malas, e envoltos com papel carbono, e até mesmo no estômago, depois de ser engolido em cápsulas de látex. “O limite era a imaginação”, diz Rolando Rodenas, chefe da promotoria de Antilavagem de Dinheiro

Rodena diz que existem outras  formas para levar o dinheiro para fora do país sem a necessidade de esconde-lo, embora esses outros métodos deixem suficiente evidências para que os criminosos sejam capturados. 

 “A lei diz que quantias até 10 mil dólares podem ser transportadas sem declaração. Portanto, há pessoas que viajam com 9.700 ou 9.800 dólares, quase que ultrapassando o limite legal”, diz Rodenas. No mínimo dois grandes grupos de traficantes, cada um deles carregando quantias legais de dinheiro, foram pegos transportando dinheiro para o Panamá, o principal destino para a lavagem de dinheiro.

 Segundo Rodenas, um outro meio de transporte dinheiro era alegando que os traficantes eram gerentes ou empregados de negócios que estavam viajando para fechar negócios ou fazer compras. Após meses de investigações, foi determinado que os negócios eram apenas um pretexto e que eles não tinham nenhuma atividade financeira real. Na verdade, as lavagens de dinheiro continuam usando esse método. 

 “É assim que eles levam o dinheiro para fora do país. Eles estão agindo dentro da lei”, diz Rodenas que não arrisca um palpite nas quantias de dinheiro que são levadas para fora do país ilegalmente. “É difícil fazer uma estimativa; teríamos que fazer um estudo”, ele diz.

 Élmer Sosa, chefe do SGDIA, recusou ser entrevistado para esse artigo. Contudo, a sua equipe no Aeroporto Internacional La Aurora estima que o dinheiro confiscado representa apenas 10 por cento do total que sai do país em malas: “escondido ou declarado, mas sem base legal”, alegou um agente que pediu ficar no anonimato.

Um repórter [4] [en] da organização Global Financial Integrity (GFI) declara que entre 2002 e 2011, a Guatemala movimentou 10 por cento do total de dinheiro sujo da América Central, que pode chegar até 14 bilhões de dólares. O fluxo de financiamento ilícito de 1,3 bilhões de dólares na coloca o país em quarto lugar [3][es] após a Costa Rica (4,3 bilhões), Panamá (3,9 bilhões) e Honduras (2,8 bilhões). O fluxo financeiro ilícito em El Salvador foi de 1 bilhão e na Nicarágua foi de 700 milhões.

“Cerca de dois anos atrás, os funcionários identificaram 45 pessoas viajando no mesmo voo, levando quantias entre 9.800 e 9.700 dólares para o Panamá”, declara o agente.

Esse número parece ser plausível após a captura de membros de um grupo que foi batizado pelo promotor público de Pitufos (os Smurfs), e liderado por David Cervantes Urízar. De acordo com o Ministério Público, esse grupo coordenou 20 viagens ao Panamá, lavando aproximadamente 3 milhões de dólares por mês. 

Outro grupo de traficantes pego pelo Ministério Público era chamado de Véliz-Palomomo (os sobrenomes dos dois membros). O Ministério Público determinou que no curso de um ano, entre 2010 e 2011, o grupo organizou 20 viagens por semana para levar dinheiro para o Panamá. Em 2012, um tribunal sentenciou 48 membros do grupo com penas de 3 a 56 anos de prisão.

O tribunal mandou María Magdalena Stahl Hurtado para a prisão, iniciando um processo penal por lavagem de dinheiro.

Dias depois, o juiz  Adrián Rolando Rodríguez Arana, do Sétimo Tribunal de Justiça de Primeira Instância, deixou Stahl em liberdade durante as investigações. No dia 29 de março de 2011, Rodríguez Arana decidiu arquivar o caso por tempo indeterminado e devolver o dinheiro para Stahl. A Comissão Internacional Contra a Impunidade requereu uma investigação com respeito a essa ação. 

A rota da lavagem de dinheiro

De acordo com os itinerários dos traficantes detidos, existem duas rotas claras usadas para o transporte de dinheiro via aeroportos. A primeira é a rota Guatemala-Panamá. Conforme as informações policiais, 37 pessoas transportaram 7,5 milhões de dólares nessa rota. Alguns foram obrigados a retornar para a Guatemala, onde foram presos na chegada. “Nós cooperamos com as autoridades naquele país porque as pessoas tentam repetidamente levar o dinheiro para lá”, disse Rodenas.

A segunda, é a rota Guatemala-Colômbia. Onze pessoas, levando 1,2 milhões de dólares, tentaram utilizar essa rota.

A terceira, é a rota Guatemala-Costa Rica, onde 8 viajantes foram pegos transportando 224 mil dólares. Houve também uma tentativa de transporte de dinheiro para a Venezuela, mas esse foi um único caso.

As autoridades em El Salvador fizeram advertências após a captura de vários guatemaltecos que conseguiram escapar da segurança do aeroporto La Aurora mas que foram capturados em El Salvador quando tentavam ir para o Panamá. Dos 67 detidos, 37 por cento eram guatemaltecos, 20 por cento colombianos e 10 por cento mexicanos.

El Salvador: outro ponto de parada chave para a lavagem de dinheiro

Mais de 3 milhões de dólares foram confiscados no aeroporto internacional de El Salvador nos últimos cinco anos. Sessenta e nove pessoas foram presas.

De acordo com a polícia de El Salvador, 48 dos detentos são estrangeiros, vindos principalmente da Guatemala e do México.

Conforme os itinerários de voos dos detentos, existem duas rotas claras usadas por aqueles que tentam levar o dinheiro para fora de El Salvador. Mais frequentemente, os viajantes saem da Guatemala, param em El Salvador e aí seguem para o Panamá. Um total de 38 por cento dos viajantes detidos disseram que o Panamá era o seu destino final. A segunda rota frequente começa no México, para em El Salvador e termina na Colômbia; 11 por cento dos viajantes detidos pretendiam ir para a Colômbia. 

 Se o dinheiro se desloca em direção ao sul, significa que ele é destinado para pagar por drogas que já foram enviadas ou que irão ser compradas. O destino final é o Panamá porque lá é o centro financeiro do mundo; existem muitos bancos. “Pensamos que esse seja o motivo pelo qual o Panamá seja a localização mais conveniente para os traficantes de drogas estabelecidos tanto no Panamá quanto na Colômbia para receberem o dinheiro e fazerem o depósito em bancos”, diz Marco Tulio Lima, chefe da Divisão Antinarcóticos da Polícia Nacional Civil de El Salvador. 

 O especialista em lavagem de dinheiro, Daniel Rico, da organização sediada em Washington, The Wilson Center, explica que grupos criminosos que movimentam dinheiro ilegalmente atravessando as fronteiras, como no caso dos aeroportos, são “organizações pequenas que precisam circular o dinheiro urgentemente para poderem fazer pagamentos”.

Rico diz que o transporte de dinheiro por meio dos aeroportos é “o método mais primitivo e vulnerável de lavagem de dinheiro”, apenas utilizado por organizações que não têm os meios financeiros e logísticos para serem usados em sistemas mais sofisticados como a criação de companhias falsas ou a lavagem de dinheiro feita por intermédio de instituições financeiras. 

 Os confiscos no aeroporto de El Salvador são feitos com base na intuição. “Nós analisamos a origem e a nacionalidade das pessoas, o método de pagamento, a duração da estadia e o destino pretendido. Nossas unidades estudam os perfis individuais; não há buscas completas nos aviões”, explica o chefe da unidade antinarcótica em El Salvador. Ele complementa que nenhuma estrutura de lavagem de dinheiro foi encontrada em El Salvador, e que os grupos existentes são de outros países. 

Veja essa publicação em espanhol na publicação da Prensa Libre [5]
Baixe o diagrama em PDF [6]

Essa reportagem é de autoria deLuis Ángel Sas, do Prensa Libre, com informações de Jessica Ávalos e Nelson Rauda(La Prensa Gráfica, El Salvador), como parte da Iniciativa de Reportagem Investigativa nas Américas, um programa do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) em colaboração com o CONNECTAS.