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Lei Sharia e a Liberdade de Expressão em Brunei

Categorias: Leste da Ásia, Brunei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo
Brunei is ruled by a powerful Sultan who is also one of the richest men in the world. Flickr photo by watchsmart (CC License) [1]

Brunei é governado por um poderoso sultão que é um dos homens mais ricos do mundo. Foto do Flickr por watchsmart (CC License)

[Todos os links conduzem a páginas em inglês, exceto quando outro idioma estiver indicado]

Brunei recentemente atraiu a atenção geral por causa de sua decisão de implementar [2] a Lei Sharia em nível nacional. A lei dispõe de penas severas, como morte por apedrejamento como punição ao adultério, o corte de membros nos casos de roubo, e chibatadas nos casos de infrações como  aborto, consumo de álcool e homossexualidade.

Brunei é um país de maioria muçulmana. É uma monarquia, onde o sultão é o primeiro-ministro e também exerce o poder absoluto no governo e na sociedade. O sultão é também uma das pessoas mais ricas do mundo.

Inicialmente, os internautas de Brunei reagiram fortemente contra a Lei Sharia. No entanto, as opiniões contra foram silenciadas após o sultão avisar [3] aos internautas insatisfeitos que eles podem ser processados ​​por argumentarem contra a lei.

Tal controvérsia tornou-se uma oportunidade para rever a situação de liberdade de imprensa e liberdade de expressão no país. Alguns blogueiros de Brunei fizeram isso e clamaram por uma maior crítica às políticas sociais que promovem a prestação de contas e boa governança.

Devemos começar pela questão básica: Existe liberdade de imprensa em Brunei? Quratul-Ain Bandial escreveu [4] um artigo para o The Brunei Times destacando os muitos problemas enfrentados pela grande mídia de Brunei. Segundo o autor, não há nenhum conselho de censura no país, mas a auto-censura está sendo praticada:

There is no censorship board in Brunei that systematically vets what we publish, yet we live in constant fear. Fear of overstepping the invisible line in the sand that defines what we can or cannot say.

Não há um conselho de censura que sistematicamente veta o que publicamos, mas ainda assim vivemos em constante medo. O medo de ultrapassar a linha invisível que define o que se pode ou não dizer. 

Editores da grande mídia têm medo de antagonizar as autoridades:

Officials chastise us for portraying the country in a negative light, or reporting on things deemed “sensitive”.

And more often than not, editors would rather not take the risk of publishing something that might anger or offend the authorities. Under Brunei law, the government has the power to arbitrarily shut down media outlets and journalists can be jailed for up to three years for reporting “false and malicious” news.

Oficiais nos castigam por retratar o país de forma negativa, ou informar sobre as coisas consideradas “sensíveis”.

E na maioria das vezes, os editores preferem não correr o risco de publicar algo que possa ofender ou irritar as autoridades. Sob a lei de Brunei, o governo tem o poder de fechar arbitrariamente meios de comunicação e jornalistas podem ser presos por até três anos por relatar notícias “falsas e mal-intencionadas”.

Jornalistas são “reduzidos a meros estenógrafos dos oficiais do governo”:

Most news in Brunei is confined to event-based reporting, produced by covering the opening ceremony of this government programme or that ministry's housing scheme, without deeper investigation into underlying issues.

And that is all we are doing — merely reporting and not journalism. We are reduced to becoming merely stenographers for government officials, without getting the other side of the story.

A maioria das notícias em Brunei se limita a comunicar a realização de eventos, produzidas para cobrir a cerimônia de abertura de um programa do Governo ou um conjunto de habitação de algum ministério do governo, sem nenhuma investigação aprofundada sobre questões subjacentes.

E isso é tudo que estamos fazendo – simplesmente reportando e não exercendo o jornalismo. Somos reduzidos a meros estenógrafos dos oficiais do governo, sem obter o outro lado da história.

O autor lembra outros jornalistas que esta prática é um desserviço ao público:

At this point, I would have to say we are failing the public in this respect. In the absence of free discussions and alternative viewpoints, there are no checks and balances on power, which is dangerous for anyone's future.

Neste ponto, eu teria que dizer que estamos falhando com o público, a este respeito. Na ausência de discussões livres e pontos de vista alternativos, não há freios e contrapesos ao poder, o que é perigoso para o futuro de todos.

Com a grande mídia não disposta a relatar visões alternativas, muitos moradores de Brunei têm usado a Internet para expressar seus pensamentos e ler opiniões divergentes:

The Internet has become the town hall of the Bruneian community, with unrestricted access to content allowing people to air their views freely through online news sites, blogs and forums.

A internet tornou-se a Câmara Municipal da comunidade de Brunei, com acesso irrestrito ao conteúdo, permitindo a seus moradores expressar suas opiniões livremente através de sites de notícias on-line, blogs e fóruns.

Enquanto isso, a escritora Hazirah também pontuou [5] que as críticas são expressadas através de sites não oficiais:

There is a culture in Brunei around criticism that has puzzled and frustrated me. The local media is not very critical – or not openly so. And because open criticism does not appear in the media, it is instead carried out in mostly “non-official” capacity.

Em Brunei há uma cultura em torno de críticas que tem me intrigado e frustrado. A mídia local não é muito crítica – ou não tão abertamente. E uma vez que críticas abertas não aparecem nos meios de comunicação, esta é feita por meios não oficiais.

Mas ela também observou que muitas pessoas, mesmo aquelas que têm uma vida virtual ativa, se recusam a ser críticos ao governo:

There is a notion that the government, a potential target of criticism, cannot be criticised…It seems flawed to suggest that we cannot criticise the government.

Existe uma ideia de que o governo, um alvo em potencial à crítica, não pode ser criticado…Parece algo falho sugerir que não possamos criticar o governo.

Ela argumenta que críticas são necessárias para ajudar oficiais do governo a desempenharem seu trabalho de uma maneira melhor:

People working in the government have made mistakes while designing systems or writing policies. They sometimes lacked insight, or asked too few people for feedback.

I’d like to see extended thought, explorations of ideas – critiques. If something has been done “wrong”, ask more probing questions: why isn’t it working, what are the consequences, how does this link to the bigger picture? If something is “good”, I’d like to see an exploration of that too.

As pessoas que trabalham no governo cometeram erros desenvolvendo sistemas ou enquanto escreviam diretrizes. Algumas vezes, faltou a eles diferentes percepções ou feedback de outras pessoas.

Eu gostaria de ver pensamentos mais longos, exploração de ideias – críticas. Se algo tem sido feito “errado”, faça mais perguntas de sondagem: por que isto não está funcionando, quais são as conseqüências, como isto se relaciona à ideia principal? Se algo é “bom”, eu gostaria de ver um aprofundamento disto também.

E ela lembrou àqueles no governo a aprenderem a partir de pontos de vista diferentes dos cidadãos:

I would argue that persisting in implementing controversial policies, without addressing concerns of the public, does not inspire trust. It is similarly difficult to maintain trust when you feel that you are not being given the whole picture.

I am asking if we can accept that criticism doesn’t mean attacking others, and that criticism shouldn’t be taken personally.

Eu diria que persistir na implementação de políticas controversas, sem abordar as preocupações do público, não inspira confiança. É igualmente difícil manter a confiança quando você sente que não está sendo apresentado ao contexto geral da coisa.

Pergunto se podemos aceitar que criticar não significa atacar os outros e que críticas não devem ser levadas para o lado pessoal.

Semelhante a outros países, o ato de blogar tem diminuído em Brunei  à medida que mais internautas migraram para sites populares de redes sociais como Twitter e Facebook. Faiq escreveu uma breve história [6] dos blogs em Brunei e do papel desempenhado pela Internet na expansão das oportunidades para o compartilhamento de informações no país. Mas seja através de blogs ou microblogs, o principal desafio ainda é como ampliar, fortalecer e proteger a liberdade de expressão no pequeno mas rico país do sudeste asiático. 

Diversas vozes dissidentes se tornaram menos fortes durante a primeira fase da implementação da Lei Sharia. Se a tendência continuar, isso significaria uma reversão das vitórias alcançadas pelos defensores da democracia e liberdade de expressão.

Tradução editada por Débora Medeiros [7] como parte do projeto Global Voices Lingua [8]