“Rolezinhos” questionam o ingresso das periferias na cultura de consumo no Brasil

O ano começou e a polêmica sobre os “rolezinhos” veio deixar evidente que uma parcela da população brasileira acredita que o direito de usufruto de ambientes de consumo não pode ser para todos. “Rolezinhos” são encontros que jovens da periferia marcam, através das redes sociais, para um passeio nos shoppings da região metropolitana de São Paulo. 

Rolezinho (1)

A foto mostra jovens da periferia se preparando para o rolezinho. Foto do Blog do Rovai com direito Creative Commons.

A definição de rolezinho é pegar geral, se divertir, causar certo tumulto, mas sem roubos. Os encontros questionam a cultura do consumo, a percepção das desigualdades e a reivindicação de ingressar no espaço público freqüentado pela classe média paulistana.

A novidade deste fenômeno social mostra as diferenças culturais com o aumento da renda da classe baixa, cujo vocabulário, roupa e comportamento celebram a luta pelo reconhecimento. Emicida, o músico rapper que começou sua carreira na periferia de São Paulo, tuitou:

Num vídeo postado no site do Estadão,  o organizador do rolezinho no Shopping Internacional de Guarulhos, Jefferson Luís, de 20 anos, defende que o objetivo é atrair os jovens segregados para uma opção de lazer. 

“Problema de ordem pública”?

Os encontros que ocorrem desde o dia 7 de dezembro quando 6 mil jovens se reuniram no Shopping Internacional de Guarulhos tem sido tratado como problema de ordem pública. Com forte esquema policial, e mesmo sem ocorrência de furtos, no dia 14 de dezembro, 23 pessoas foram detidas num dos primeiros “rolezinhos”. O Comando SP, Canal de informações sobre trânsito em São Paulo, tuitou:

Em nota veiculada pelo Estadão, no dia 14 de dezembro, a Polícia Militar avisou

Como tratam-se de ambientes cuja competência pela segurança é privada, a atuação ocorrerá mediante eventual quebra da ordem e acionamento. É importante esclarecer que a PM não pauta sua conduta na repressão pura e simples, mas procura agir de maneira preventiva, atuando para restabelecer a ordem pública quando esta é quebrada, diz a nota.

No sábado, dia 4 de janeiro de 2014, as portas do Shopping Metrô Tucuruvi, na zona norte da capital paulista, fechou três horas mais cedo depois que cerca de 400 jovens se reuniram no local. A ação dividiu opiniões nas redes sociais. Enquanto que alguns tuiteiros, como Radical Livre (@RLivre), deram os parabéns aos organizadores do rolezinho, considerando-o “Um ato político, de grande repercussão [que] obrigou todo mundo a se repensar”, outros, como o usuário Ribocom VS (@advemconstrucao), criticaram a ação por parte de “uma juventude que vê no terror uma forma de diversão”, proferindo frequentemente comentários que revelam um profundo racismo de parcela da população brasileira. 

A jornalista e escritora Eliane Brum (@brumelianebrum) escreveu um artigo no jornal El Pais sobre o tema. Ela descreve a situação como criminalização da juventude pobre e negra por parte da classe média e da mídia, e escreveu:

A resposta violenta da administração dos shoppings, das autoridades públicas, da clientela e de parte da mídia demonstra que esses atores decodificaram a entrada da juventude das periferias nos shoppings como uma violência.

O Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Alexandre Barbosa Pereira, que pesquisa as manifestações culturais das periferias paulistas, descreve o “Rolezinho” apenas como um termo ligado à ideia de lazer, uma reivindicação pelo direito de se divertir na cidade. Em entrevista a Eliane Brum, o pesquisador afirmou que:

Os rolezinhos não são protestos contra o shopping ou o consumo, mas afirmações de: Queremos estar no mundo do consumo, nos templos do consumo. Entretanto, por serem jovens pobres de bairros periféricos, negros e pardos em sua maioria, e que ouvem um gênero musical considerado marginal, eles passam a ser vistos e classificados pela maioria dos segmentos da sociedade como bandidos ou marginais.  

Ostentação é funk

O movimento também foi associado ao “funk da ostentação”, já que os seguidores dos rolezinhos entram nos shoppings cantando as letras desses cantores da periferia do litoral e da região metropolitana paulista, cujas frases tornam o consumo algo viável ao público da periferia evocando o luxo, o dinheiro e o prazer.

Um dos ídolos é o Mc Daleste, funkeiro assassinado durante show em Campinas em julho de 2013. A tendência é explicada no documentário Funk Ostentação. O filme foi finalizado em 2012 por Konrad Dantas, morador da baixada santista, que aos 23 anos largou o emprego em agência de publicidade para abrir sua produtora, a Kondzilla, responsável por cerca de 50 clipes de funk com 50 milhões de visualizações.

Enquanto isso, muitos jovens seguem usando a hashtag #rolezinho no Twitter, Facebook e Instagram para partilhar fotos dos seus “rolezinhos”.

Renato Rovai, editor da Revista Fórum, escreveu no seu blog um texto intitulado “O rolezinho e um Natal na periferia” onde faz uma chamada de atenção e lança um apelo à compreensão do que significam os rolezinhos:

Os rolezinhos que assustam os frequentadores de shopping centers são café pequeno. Sobremesas do que essa garotada passa diariamente. E são apenas um alerta. Um grito de existência. Por enquanto eles só estão pedindo para que se respeite o direito deles à diversão.

E finaliza:

É bizarro que a gente considere esse apartheid social algo normal.

1 comentário

  • Miguel Sanches de Oliveira

    por quê não procuram ir aos shoppings de forma normal e tranquila como qualquer ser humano civilizado faz?? isso aí não passa de uma baderna organizada que não traz nenhum beneficio ao resto das pessoas que frequentam estes lugares.

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