[Todos os links levam a páginas em inglês excepto quando indicado de outra forma.]
Em Timor-Leste a onda de contestação contra a interferência do governo Australiano no acesso aos recursos e soberania do país continua a marcar a ordem do dia nas ruas de Díli e nas redes sociais timorenses.
Em causa está a forma como os australianos têm reagido às acusações de acesso ilícito a informação confidencial sobre petróleo e o gás no Mar de Timor, que terá prejudicado os timorenses durante as negociações do Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS) em 2004.
No passado dia 17 de Dezembro Timor-Leste interpôs um processo internacional contra a Austrália no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia, a mais alta instância jurídica da ONU. Timor-Leste requereu a restituição de documentos apreendidos durante as rusgas ao escritório do advogado que representa Timor-Leste no caso de arbitragem internacional, no início do mês, e acusou a Austrália de ‘violação da soberania’ do país. A primeira audiência do caso, que irá avaliar as medidas provisórias requeridas por Timor-Leste, está marcada para os dias 20 a 22 de Janeiro de 2014.
‘A luta kontinua’
O ‘Movimentu Kontra Okupasaun Tasi Timor’ (Movimento contra a ocupação do mar de Timor) e a ONG nacional La’o Hamutuk, conhecida defensora dos direitos de Timor-Leste, têm mobilizado dezenas de Timorenses, na sua maioria jovens, para se manifestarem pelo direito à soberania de Timor-Leste.
O mote ‘a luta kontinua’, com o qual o Movimento assinou a nota de imprensa [pdf] lançada no início de Dezembro, mantém a sua actualidade e inspira o apelo à justiça na definição das fronteiras marítimas entre os dois países que seja conforme à Lei Internacional, ou seja, que adopte a linha mediana.
No dia 20 de Dezembro realizou-se mais uma manifestação em frente à embaixada australiana em Díli, na qual marcaram presença [pt] vários deputados do parlamento nacional em solidariedade com o povo timorense.
As primeiras manifestações, realizadas no início de Dezembro, seguiram-se às notícias nos media Australianos de que a ASIO (Agência Australiana de Segurança e Inteligência) teria efectuado rusgas no escritório do advogado que defende o governo timorense no processo de arbitragem internacional em Haia.
Durante as rusgas, terão sido levadas provas (electrónicas e documentais) que o advogado iria apresentar na primeira audiência do processo de arbitragem. No mesmo dia, a ASIO terá apreendido também o passaporte do alegado delator australiano, antigo colaborador da ASIS (Serviços Secretos Australianos) envolvido nas actividades de inteligência em Timor-Leste, que estaria disposto a testemunhar no tribunal sobre a colocação de escutas nos escritórios do primeiro-ministro timorense durante as negociações. Este antigo espião ao serviço do governo australiano, cuja identidade não foi revelada, seria testemunha-chave de Timor-Leste no Tribunal. No entanto, a acção australiana terá assim impedido a sua deslocação à Holanda para estar presente no tribunal.
Determinados Ajustes Marítimos
Em Abril de 2013, o governo timorense notificou a Austrália de que iria iniciar um processo de arbitragem internacional, argumentando que o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS), assinado em 2006, seria inválido por não ter sido negociado de boa-fé.
Segundo o governo timorense o que está em causa é a espionagem efectuada pelo governo australiano com objectivos de interesse comercial, que põe em causa a prerrogativa de boa-fé de ambas as partes na negociação, tornando o tratado CMATS inválido ao abrigo de uma das cláusulas do próprio tratado bem como da legislação internacional vigente, nomeadamente a Convenção de Viena. O CMATS, ratificado em 2007, regula a partilha da exploração de recursos naturais no mar de Timor, nomeadamente o campo do ‘Greater Sunrise’, cujas receitas se estimam rondar os 40 biliões de dólares. Uma das questões que deixa em aberto é a negociação das fronteiras marítimas, que ficou adiada por 50 anos, devido à intransigência do governo australiano em aplicar a Lei internacional vigente.
Essas questões são ilustradas num documentário produzido pela ABC Austrália, Taxing times in Timor, que investiga a disputa que opõe o governo timorense às gigantes da indústria do petróleo e gás.
As últimas notícias levaram Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro de Timor-Leste, a reagir com indignação e declarações especialmente contundentes contra a conduta da Austrália nos media locais. De acordo com um artigo [tet, en] publicado no jornal Tempo Semanal a 11 de Dezembro, Xanana acusa o governo australiano de interferência na justiça e falta de ética nas relações entre dois países vizinhos e refuta a ideia de que a Austrália terá espiado Timor por questões de segurança nacional.
Do lado australiano, o procurador-geral da república George Brandis, que autorizou as operações da ASIO, defendeu a legalidade da sua actuação invocando razões de interesse nacional. Isto porque, segundo Brandis, a revelação da identidade de antigos espiões ao serviço da secreta australiana poderá por em causa a segurança nacional.
Já o antigo ministro dos negócios estrangeiros Alexander Downer, que negociou o CMATS com o governo de Timor-Leste em 2004, acusou o actual executivo timorense de oportunismo por estar a por em causa o tratado firmado em 2006. Alexander Downer tornou-se consultor da empresa Woodside Petroleum, a empresa pertencente ao consórcio que explora os campo do ‘Greater Sunrise’ no mar de Timor, logo após ter terminado o seu mandato no parlamento. Esta é a razão que terá levado o antigo colaborador da secreta australiana e alegado delator a querer testemunhar a favor de Timor-Leste.
Do lado timorense o incidente diplomático tem sido interpretado como uma injustiça comparável a outros momentos na história do país. Por exemplo, quando a Austrália optou pela exploração ilegal dos recursos minerais de Timor-Leste em 1989, reconhecendo a integração ‘de facto’ do território na Indonésia e fechando os olhos às atrocidades e crimes cometidos contra os direitos humanos.
Manifestantes e políticos têm sublinhado a desigualdade de direitos entre países ricos e pobres ilustrada por este caso, argumentando que o poder económico e político da Austrália está a ser usado para perpetuar este tipo de relação assimétrica. Para além de declarações públicas, os manifestantes têm usado cartazes com palavras de ordem e cartoons, bem como graffiti, que são divulgados através do Facebook e do Twitter.
2 comentários