Bola na área: Jogadores brasileiros se manifestam por um “futebol melhor”

Desde o início de outubro, uma cena em comum tem marcado o início das partidas de futebol nos estádios de norte a sul do Brasil. Antes de o juiz apitar a saída de bola, jogadores dos dois times se abraçam em um círculo no meio de campo e empunham uma bandeira em comum: o Bom Senso Futebol Clube. A manifestação representa as reivindicações levantadas por um grupo de jogadores profissionais, que pela primeira vez debatem seus direitos com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) sem intermediários.

Foto: Bom Senso FC / Facebook

Foto: Bom Senso FC / Facebook

Com o slogan “por um futebol melhor para quem joga, para quem torce, para quem transmite e para quem patrocina”, a ideia nasceu de uma conversa informal entre os jogadores Alex, meio-campo do Coritiba, e Juan, zagueiro do Internacional de Porto Alegre. Depois de um empate em 0 a 0 entre as equipes, os dois atletas cansados desabafaram sobre a pressão do calendário e como isso estava afetando a qualidade do futebol levado a campo. Começava assim o Bom Senso FC. Motivados pelas mobilizações de junho no país, logo o grupo já reunia 300 assinaturas, e lançava seu primeiro manifesto defendendo cinco pontos prioritários: o calendário do futebol nacional, férias dos jogadores, pré-temporada, fair play financeiro e participação no conselho técnico das federações. 

Partindo para o ataque

O gatilho para a movimentação foi o anúncio do calendário especial que os clubes terão de cumprir no próximo ano, devido a Copa do Mundo de 2014. Por causa do evento, realizado no Brasil, a CBF “apertou as datas de jogos e reduziu o período de férias e de pré-temporada”. 

O pouco tempo de preparação já era um problema para os atletas. A Universidade do Futebol, instituição online que divulga conteúdos sobre o esporte, lançou uma websérie na internet, explicando como funciona o calendário do futebol brasileiro e porque ele prejudica tanto atletas, quanto equipes. No primeiro vídeo, especialistas explicam que com dois jogos por semana, e campeonatos acontecendo simultaneamente, o tempo disponível para treino e preparação física é cada vez mais raro, o que acaba por deixar os atletas mais suscetíveis a quedas consideráveis no rendimento e a lesões. A média de tempo de pré-temporada dos clubes brasileiros é de apenas 16 dias. Metade do que costumam ter os clubes europeus.

Até a criação do Bom Senso FC, os jogadores profissionais brasileiros eram representados pelo Sindicato dos Atletas, acusado de ter pouca ação perante as questões levantadas pelo grupo. Em uma entrevista no canal ESPN, o jogador Alex chegou a comparar a entidade ao imperador Pôncio Pilatos:

Eles nos procuraram apresentando a proposta da CBF, nós pedimos um tempo para responder. A CBF lançou o calendário e logo em seguida veio uma nota do sindicato meio Pôncio Pilatos. Lavou as mãos e entregou para depois. Foi a única relação que eu tive com eles e eu não gostei.

Agora, com mais de 800 atletas em sua bandeira, o grupo quer tratar também de melhorar as condições daqueles que jogam no interior, em times menores das séries B e C. Em sua página, o Bom Senso explica:

Sabendo que mais de 75% dos jogadores profissionais no país ganham menos de 3 salários mínimos e que grande parte desses atletas não tem calendário de jogos e emprego durante todo o ano, o Bom Senso F.C., que representa até o momento 807 atletas das series A e B do Campeonato Brasileiro, acredita que a questão central do atual calendário do futebol brasileiro é que as equipes que disputam as principais competições têm jogos em demasia para as datas disponíveis à sua realização enquanto os clubes de menor porte enfrentam grandes períodos de ociosidade.

Nas partidas da semana passada, a faixa do Bom Senso, pedindo “um futebol melhor para todos”, veio acompanhada de um novo gesto. Os jogadores seguiram a ação que já havia sido anunciada na página do grupo no Facebook, e permaneceram em silêncio, de braços cruzados, por 30 segundos. O objetivo era demonstrar preocupação, com o “desinteresse” da CBF na organização de “um calendário mais equilibrado e justo”.

Jogadores cruzam os braços em protesto contra CBF. Foto: Bom Senso FC / Facebook

Jogadores cruzam os braços em protesto contra CBF. Foto: Bom Senso FC / Facebook

Driblando a zaga

Na semana passada, durante a partida entre São Paulo e Flamengo, pela primeira vez o grupo enfrentou uma reação mais forte. Problemas com a arbitragem quase impediram os jogadores de se manifestar:

Lamentamos a tentativa de CENSURA ocorrida no confronto entre São Paulo e Flamengo. Demonstramos nossa preocupação com os jogos restantes desta rodada, esperando que nenhum profissional ou clube seja prejudicado ou punido. Que todos tenham BOM SENSO. Caso haja a tentativa de evitar que os jogadores se expressem de forma pacífica, providencias drásticas serão tomadas. Esperamos uma posição oficial, seguida de ATITUDES benéficas para o futebol brasileiro.

Os integrantes do grupo convocados para a Seleção Brasileira, também tiveram suas manifestações vetadas para o amistoso entre Brasil e Honduras, ocorrido no sábado, 16 de novembro.

Se por um lado há uma aparente indiferença, de outro, o movimento já começou a inspirar ações fora das quatro linhas. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, declarou apoio à mobilização ainda em outubro. Em uma partida de basquete entre Bauru e Franca, ocorrida na última sexta-feira, os atletas também fizeram uma paralisação inspirados nos colegas do futebol. 

Uma nova reunião com a CBF foi anunciada para a última segunda-feira, 18. Porém, até o momento nenhuma das partes se pronunciou sobre o encontro. O Bom Senso apenas reforçou seu objetivo de seguir em busca de um “calendário equilibrado”, com “menos jogos para as equipes da elite e mais jogos para as equipes das divisões inferiores ou estaduais”. Sem nada ter mudado, o time também anunciou que as manifestações devem seguir na próxima rodada do campeonato.

Thiana Biondo colaborou na edição deste post.

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