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Pornografia no Whatsapp Brasil: Liberdade sexual feminina em debate

Categorias: América Latina, Brasil, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Tecnologia

Fran, uma estudante universitária de 19 anos, faz sexo oral com o parceiro de 22 anos na cidade de Goiânia. [1] Ela se deixa filmar pela câmera do celular dele, perguntando, no ato, “quer meu cuzinho? Aquele bem apertadinho”, fazendo o sinal de OK em alusão a sexo anal. Dias depois, ele compartilha o vídeo através do aplicativo WhatsApp, “um armazem de pornografia involuntária” [2], onde cenas íntimas entre casais têm se espalhado indiscriminadamente por celulares no Brasil.

O fato despertou um debate em torno do julgamento moralista, machista e hipócrita que bateu em cheio na internet nos últimos dias. Através do Twitter e Instagram, centenas de pessoas postaram fotos com pose de OK e a hashtag #ForçaFran, [3] que virou meme. [4]Algumas delas o fazem em sinal de solidariedade, enquanto outras em uma clara tiração de sarro, como explica Manu Barem (@manubarem [5]), editora do site Youpix [6]:

Imagem retirada da página do Facebook “Força Fran” [7]

Imagem retirada da página do Facebook “Força Fran”

Basta uma vasculhada nas postagens da tag #forcafran para você perceber que a maioria delas, principalmente as publicadas por mulheres, revelam um quê de “como ela foi burra e eu não sou”. (Até o dia em que você confiar num babaca ou ter suas imagens roubadas, né amiga?).

Assim, registramos um estágio novo e triste dos desdobramentos de um crime online – o machismo dominando até as iniciativas solidárias.

Até os jogadores brasileiros de futebol Neymar e Daniel Alves, que atuam no clube espanhol Barcelona, além do cantor Leonardo [8], postaram fotos na internet com o sinal de OK, como atesta noticiário [9] local de Goiânia. No último sábado, dia 12, durante o jogo amistoso entre as seleções do Brasil e Coréia do Sul, na cidade de Seul, torcedores levaram cartazes com a frase “força fran”. A imagem também circulou online, demonstrando a repercussão do caso.

Além das fotos e mensagens escritas com risadas usando a sigla “KKKK” [10], tão comum no Brasil, os internautas também usaram da rede para opinar sobre o assunto. No Twitter, houve comentários como os seguintes:

Em apoio à Fran, a jornalista Nathalia Ziemkiewicz do site Na Pimentaria [16] escreveu:

Lamento muito por todos os comentários grotescos e ofensivos que têm circulado na internet. Eles foram feitos pelas mesmas pessoas que acreditam que, se estava de saia curta na rua, pediu para ser estuprada. Tipo: não queria ser exposta, então não deveria ter se deixado filmar. É uma lógica machista que inverte os valores. Você é puta – e não o cara, um mau-caráter. Querida, nossa sociedade está mergulhada nos próprios pudores. Não há nada de errado no que você fez. A cretinice da história toda pertence somente àquele(a) que primeiro repassou o vídeo de um celular privado para uma rede infinitamente invisível.

Apoio à Fran Forçafran [17]

Imagem da página Apoio Fran do Facebook

A página Apoio Fran [18] foi criada no Facebook e já conta com mais de 30 mil curtidas. No Youtube, Andrea Benetti, uma das fundadoras de outra página do Facebook, Moça, você é machista [19], falou sobre o caso. Para ela, o episódio retrata como a sociedade ainda julga a mulher pela forma que ela faz sexo:

(tem o) caráter definido a partir do que ela faz na cama, como se ela perdesse o valor…ou não valesse nada, (porque) alguém viu e tem certeza do que ela faz na cama

A blogueira e escritora Nádia Lapa também refletiu sobre o assunto em seu blog Feminismo pra quê [20] hospedado no site da revista Carta Capital:

Fran fez sexo. Coisa que a maioria de nós já fez, já quis fazer, ou continua querendo e fazendo. Qual o grande pecado dela? Sim, fazer sexo, ter desejo e expressá-lo. Simone de Beauvoir fala sobre como a sociedade encara a sexualidade feminina: “a civilização patriarcal condena a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos abertamente ao homem o direito a satisfazer seus desejos sexuais, ao passo que a mulher é confinada ao casamento: para ela, o ato carnal, em não sendo santificado pelo código, pelo sacramento, é falta, queda, derrota, fraqueza. Ela tem o dever de defender sua virtude, sua honra; se “cede”, se “cai”, suscita o desprezo; ao passo que até na censura que se inflige ao seu vencedor há admiração”.

Depois de tanta exposição, Fran se afastou da loja onde trabalhava e prestou queixa contra o rapaz na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Goiânia. O rapaz pode pegar de 3 meses à 1 ano de prisão [21] por difamação se enquadrado na Lei Maria da Penha. No entanto, ele se negou a entregar o celular [22] à polícia e permaneceu em silêncio durante o interrogatório. Ele ainda negou que tenha sido o autor dos vídeos.