Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o mês de outubro começou obedecendo mandados de busca e apreensão de livros e computadores a ativistas. A ação, considerada “dentro do Estado de direito” pelo atual governador do estado, Tarso Genro, provocou reações de apoio na rede. Com a hashtag #RéuConfesso, usuários das redes sociais passaram a postar fotos, em solidariedade, segurando livros “perigosos”.
Logo na manhã do dia 1º de outubro, um mês já tradicional no calendário de movimentos sociais nacionais, duas residências particulares, um centro cultural e um assentamento urbano foram revistados pela Polícia Civil. Segundo os policiais, a ação é resultado de uma investigação colocada em curso em junho, com objetivo de identificar “os responsáveis pelas ações violentas que têm ocorrido nos protestos”.
No entanto, aqueles que se encontram sob investigação alegam que existe algo mais na operação, como revelado no perfil do centro cultural Moinho Negro, também revistado pelos policiais:
O mandado policial deixa explícito que estão investigando as organizações políticas que de alguma forma estão inseridas nos protestos deste ano, tentando identificar (leia-se: forjar) uma formação de quadrilha para provocar supostos atos de violência nos protestos.
Lucas Maróstica, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Coletivo Juntos!, também relatou na rede social a passagem da polícia em sua casa:
Acabo de chegar de viagem, no aeroporto de Confins/MG recebi uma ligação desesperada da diarista do meu prédio avisando que a Policia Civil iria invadir meu apartamento e aprender meu computador.
Ainda não entrei em minha casa, mas pelos informes panfletos e adesivos também foram levados. Uma clara perseguição política ideológica por parte de um governo que se propunha ser diferente dos anteriores. (…)
Os policiais levaram, entre outras coisas, o computador pessoal e livros de filosofia política do estudante. No dia 04, Lucas, que tem como advogada a ex-deputada federal e filha do governador, Luciana Genro, foi levado para prestar depoimento. Depois de duas horas de interrogatório, onde teve acesso ao inquérito que o acusa por “formação de quadrilha, depredação de patrimônio público, atos violentos, ‘agitação de massas’“. Segundo Lucas, o processo não apresenta nenhuma prova concreta contra ele, além do testemunho de um policial que o teria identificado.
Matheus Gomes, outro militante, que também teve buscas realizadas em sua casa, prestou depoimento no dia 09 de outubro. Matheus desabafou em seu perfil, colocando a situação dos movimentos sociais de Porto Alegre no contexto nacional:
Estamos diante da tentativa de transformar uma parcela importante dos sujeitos políticos que organizaram o Bloco de Lutas em criminosos. Eles querem dizer que somos parte de uma quadrilha, falaram que eu sou líder de uma facção criminosa. É isso que os governos e a polícia fazem com quem reivindica direitos sociais básicos como transporte, saúde e educação! Devemos nos atentar a escalada repressiva em curso no Brasil inteiro. O enquadramento de dois ativistas de São Paulo na Lei de Segurança Nacional é mais um fato que lembra os piores momentos da ditadura militar.
Esta não foi a primeira vez este ano que a Polícia Civil levou obras literárias sob custódia em uma de suas operações. No final de junho, a Federação Anarquista Gaúcha teve uma experiência semelhante.
Intervenção urbana pela memória
Em tempos difíceis para quem carrega cartazes nas ruas, o coletivo Defesa Pública da Alegria, encontrou uma forma pacífica e criativa de protestar pela desmilitarização. O grupo surgiu há exatamente um ano, numa manifestação contra a privatização de espaços públicos em nome da Copa, na qual manifestantes derrubaram um boneco inflável de um Tatu-Bola, simbolo da Copa do Mundo de 2014 patrocinado pela Coca-Cola. O protesto terminou com várias pessoas presas de forma arbitrária, conforme reportado pelo Global Voices.
No dia seguinte as buscas da Brigada, 02 de outubro, alguns dos principais logradouros de Porto Alegre, batizados com nomes de militares, amanheceram reinventados em memória de “militantes políticos e outras vítimas da repressão de Estado na América Latina”. Entre os nomes que surgiram nas ruas, estavam o jornalista Vladimir Herzog, vítima da ditadura militar, que teve seu assassinato reconhecido recentemente pelo Estado, o integrante do Movimento dos Sem Terra (MST), Elton Brum, assassinado em 2009, e o pedreiro Amarildo, assassinado dentro de uma Unidade de Polícia Pacificadora, na favela carioca da Rocinha, este ano.
Em tempos estranhos para a democracia, não deixar morrer a memória, pode mudar a História.