Apesar de grande parte das notícias nacionais e internacionais terem dado destaque à derrota do partido no poder, Partido Social Democrata (PSD) nas eleições autárquicas, a verdade é que os grandes derrotados são os partidos políticos.
Se olharmos para os resultados gerais, podemos encontrar alguns resultados interessantes, como a abstenção que atingiu os 47,36%, o valor mais alto de sempre em eleições autárquicas. Para aqueles que foram votar, 3,86% dos votos foram deixados em branco, houve 2,95% nulos, e os votos em candidaturas independentes chegaram aos 6,66%.
Estranhamente, nenhum dos líderes partidários, nas declarações feitas após a divulgação dos resultados, fez referência ao facto de o sistema eleitoral-partidário apenas contar com o apoio de menos de metade da população.
O Ministro da Defesa Nacional, Aguiar Branco, foi o único a alertar que:
É muito perigoso pensar que a democracia pode viver sem partidos.
Os valores parecem não ser preocupantes para os responsáveis pelos partidos políticos, mas talvez seja a altura certa para se repensar o sistema eleitoral, já que a tendência tem vindo a agravar-se. Em 2011, o Presidente da República, Cavaco Silva, foi eleito numas eleições em que 53,37% dos votantes se abstiveram e nas legislativas do mesmo ano registou-se uma taxa de abstenção de 41,24%. O número de votos brancos e nulos dobrou desde as últimas autárquicas em 2009.
Eleitores e candidatos abstêm-se das redes sociais
Também nas redes sociais “o desinteresse pelas quase duas semanas de campanha foi evidente”, reportou o Público. O artigo de Hugo Torres destaca “o perigoso desinteresse pela actividade política” dos eleitores, o facto de que os “candidatos a autarcas não souberam aproveitar o Facebook para aumentar interesse de eleitores”, e acrescenta ainda que “a ausência de debates nas televisões pode ter sido preponderante para explicar o silêncio dos cibernautas”.
Os canais de televisão optaram por não fazer a cobertura da campanha eleitoral por causa da interpretação feita pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) à lei, exigindo que todas as candidaturas independentemente da sua dimensão ou influência tivessem igual tratamento por parte dos órgãos de comunicação social.
A CNE também impôs limitações ao uso das redes sociais por candidatos ou simples cidadãos, sob pena de multa ou até seis meses de prisão:
No dia e na véspera da eleição autárquica é proibido fazer propaganda, independentemente do meio utilizado, conforme prevê o artigo 177.º da Lei Eleitoral.
Isto poderá talvez explicar o facto de no dia das eleições, no Twitter, a hashtag #autárquicas2013 só ter chegado a trending topic quando se começaram a conhecer os resultados. Ainda assim, o uso da hashtag foi criticado por alguns utilizadores, pouco interessados nos resultados eleitorais.
Outros usaram o Facebook para discutir a validade do sistema político, como por exemplo, o economista Vitor Lima:
O problema aqui é o sistema e não o governo que dele emana. Alguma coisa estava em vias de mudar com estas autárquicas? Creio que não. E por isso não votar ou votar branco/nulo é uma das escassas possibilidades de nos manifestarmos contra o sistema e a classe política, TODA ela unidinha na manutenção do sistema.
Candidatos em balanço
É um facto que o PSD obteve os seus piores resultados nas eleições autárquicas dos últimos vinte anos, mas também é um facto que o Partido Socialista (PS), o maior partido da oposição, perdeu algumas das suas Câmaras mais importantes, tais como Braga, Matosinhos, Évora e Beja.
É relevante destacar que se verificou um número recorde de oitenta candidaturas independentes. Treze desses candidatos conseguiram ser eleitos, mas grande parte dos candidatos independentes são oriundos das estruturas partidárias ou já haviam sido presidentes de Câmara previamente. O caso mais destacado é o de Rui Moreira que venceu a Câmara do Porto, a segunda maior cidade do país, e que contou com o apoio do Partido Popular (CDS-PP), partido que faz parte da coligação do governo e que conseguiu eleger os seus candidatos em alguns municípios do norte do país, tradicionalmente mais conservador, uma no arquipélago da Madeira, onde o eleitorado vota tradicionalmente no PSD, e outra no arquipélago dos Açores.
Há que referir também, algumas vitórias importantes da coligação que inclui o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes” (CDU) – que é assumidamente contra as medidas de austeridade e que fez disso a sua principal bandeira de campanha – que conseguiu recuperar algumas cidades importantes no sul do país tais como Évora e Beja, que tinha perdido para o PS nas eleições de 2009.
Da abstenção ao eurocepticismo
Estas foram as primeiras eleições autárquicas realizadas após o resgate de 78 mil milhões de euros e da entrada em Portugal da chamada Troika, composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (UE). Os resultados destas eleições são uma clara demonstração do descontentamento da população portuguesa em relação ao comportamento dos partidos políticos, especialmente os que apoiam o resgate financeiro e as medidas de austeridade.
Os responsáveis da UE e do FMI estão a rever as condições necessárias para se cumprirem as metas, exigindo ainda mais cortes e paira no ar a necessidade de um segundo resgate que aumentaria a recessão que dura há já dois anos e meio e que provocou o aumento do desemprego que atingiu um valor oficial recorde acima dos 17%. Um valor superior a 27% se contarmos com as pessoas que não estão inscritas no centro de emprego, o chamado desemprego real. O desemprego jovem, de acordo com os últimos dados, está já acima dos 42%.
As eleições para o Parlamento Europeu, em Maio de 2014, serão muito provavelmente um dos mais importantes testes à participação eleitoral dos cidadãos. Estas são, tradicionalmente, as eleições menos participadas. Em 2009, verificou-se uma abstenção de 63,22% o que, para além do descontentamento com o sistema partidário poderá apontar para um eurocepticismo envergonhado.
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