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Com a Copa, Brasil vira mercado prioritário da vigilância

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Economia e Negócios, Governança, Liberdade de Expressão, Relações Internacionais, Tecnologia
"Gigantes do setor de vigilância obtêm contratos em diversas cidades para monitorar brasileiros durante os jogos de 2014 - desde  escanners de segurança até softwares de rastreamento remoto." Foto: Agência Pública [1]

“Gigantes do setor de vigilância obtêm contratos em diversas cidades para monitorar brasileiros durante os jogos de 2014 – desde escanners de segurança até softwares de rastreamento remoto.” Foto: Agência Pública

Este artigo, escrito por Bruno Fonseca, Jessica Mota, Luiza Bodenmüller e Natalia Viana, foi publicado originalmente [1] a 6 de setembro de 2013 pela Agência Pública, na cobertura especial #SpyFiles3 [2]

Pouco depois de ser informada sobre a espionagem que sofrera da Agência de Segurança Americana (NSA), a presidenta Dilma Rousseff pediu aos ministros Paulo Bernardo (Comunicações) e José Eduardo Cardozo (Justiça) para incluir no Marco Civil da Internet [3] [uma carta dos direitos dos internautas brasileiros] um dispositivo que permita suspender a operação de empresas que cooperarem com esquemas de espionagem internacionais. “Pode ser banco, empresa de telefonia”, disse o ministro das Comunicações.

Mas garantir a segurança de dados sensíveis pode passar também pelas empresas multinacionais de vigilância, já que boa parte da crescente demanda por vigilância na Copa do Mundo será suprida por gigantes do setor – as mesmas empresas que provêm equipamentos e softwares para polícias de todo o mundo, incluindo o governo americano e a NSA.

Grande parte delas é mencionada na recente publicação, pelo WikiLeaks, do projeto Spy Files 3, um compilado de 249 documentos de 92 empresas, entre brochuras, contratos e metadados referentes a alguns dos principais empresários do setor. Eles mostram que, com a perspectiva dos megaeventos, o Brasil se tornou prioritário para a indústria de vigilância global.

A Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE) vem adquirindo várias tecnologias para segurança pública. Já foram R$ 200 milhões de reais [cerca de 87 milhões de dólares americanos] executados em contratos de âmbito nacional. E a indústria de equipamentos de vigilância tem apostado pesado em aproveitar essa oportunidade. Nos últimos anos, diversas feiras empresariais têm acontecido no país.

Quando especialistas de vigilância se juntam

Em julho, em Brasília, foi a vez da ISS World, que reúne policiais, agentes de segurança e analistas de inteligência para treinamento em interceptação legal, investigações eletrônicas de alta tecnologia e recolhimento de inteligência de redes. Financiada pelas maiores do ramo, como Gamma Group, Hackingteam, Cobhan Surveillance, Hidden Technology, GlimmerGlass e a brasileira Suntech, são os seus diretores que dão os workshops.

Alguns cursos ensinavam, por exemplo, a usar as redes sociais para inteligência de fontes abertas em investigações criminais, ou como melhor usar o Facebook: desde segurança no Facebook até retenção de dados e a interação com forças de segurança. Outro treinamento, dado pela empresa Group 2000 Netherlands, abordava o funcionamento da interceptação de dados em nível nacional, combinada com LBS (Location-based service) – um serviço de programação de computador que permite incluir localização e horário no sistema usado. A empresa IPS teve como tema Mídia Social e webmails: arquitetura de Big Data para interceptação massiva, além de um curso sobre “intrusão esperta” de redes sociais e webmails. A empresa brasileira Suntech, que hoje faz parte do grupo americano Verint, financiou um dia todo de treinamento, com foco especial em interceptação de telecomunicações.

Além da ISS, a LAAD, Latin American Aerospace & Defence, a principal feira de empresas de segurança e defesa da América Latina é realizada no Brasil desde 1995, com apoio dos Ministérios da Defesa e da Justiça. Nos últimos anos, os megaeventos têm sido o principal foco dessa feira, base para grandes negócios na área.

Em 2011, por exemplo, o Ministério de Defesa anunciou o projeto para o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), baseado em uma rede de sensores interligada a sistemas de comando e controle. Os militares queriam acelerar a construção do sistema por conta da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O custo estimado, de R$ 6 a 7 bilhões [entre 2.7 e 3.1 bilhões de dólares americanos], animou o mercado internacional. E com razão: apesar da construção do sistema ter sido entregue a uma subsidiária da Embraer, o Grupo Saab, da Suécia, divulgou que sua subsidiária alemã MEDAV vai fornecer, como subcontratada, estações de sensores estacionárias e móveis para o programa, com capacidade de monitorar e identificar a direção nas frequências HF, VHF e UHF.

Este ano mais de 30 mil visitantes compareceram à LAAD, que abrigou 720 expositores de 65 países, entre eles os representantes dos ministérios de defesa da Ucrânia, Reino Unido, Argentina e África do Sul. Em 2014, ano da Copa do Mundo, uma versão menor, apenas sobre segurança, está marcada para os dias 8 e 10 de abril de 2014 no Riocentro.

[Leia a segunda parte da reportagem: IBM no Brasil, vigilância nas ruas: comando e controle [4]]