A onda de protestos que inunda o Brasil desde junho vem expondo casos onde manifestantes e jornalistas em posturas pacíficas acabam sendo alvo de ações policiais desproporcionais.
Nos protestos ocorridos no Dia da Independência, 7 de setembro, 18 casos de agressão [2] por agentes de segurança a profissionais da mídia foram registrados, como informa o blog Jornalismo nas Américas, do Centro Knight da Universidade do Texas – 85% de um total de 21 ataques a estes profissionais registrados no dia.
Brasília, Capital Federal, foi a cidade com mais intervenções contra os profissionais da imprensa, 12 no total, incluindo repórteres do Correio Braziliense que fotografaram e foram fotografados [3] sendo alvo de ações policiais desproporcionais.
O caso mais midiático tratando de ataques à imprensa terá sido a denúncia de um repórter da Reuters, Ueslei Marcelino, ferido durante a cobertura da ação policial nas proximidades do Estádio Nacional de Brasília. O perfil @roteirodecinema [4] publicou no Twitter:
Fotógrafo da Reuters confirma no Instagram que PM do DF usou cães pra atacar a imprensa no protesto ontem pic.twitter.com/wyEMiGdmb2 [5] via @KetyDC [6]
— Roteiro de Cinema (@roteirodecinema) September 8, 2013 [7]
Estas ações agressivas configuram-se ou como restrição à livre manifestação ou como atentado à liberdade de imprensa, ambos conceitos valorizadíssimos em toda democracia.
Segundo levantamento [8] da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), no mês de junho, quando eclodiram os maiores protestos, pelo menos 52 jornalistas foram vítimas de agressão no país durante a cobertura de manifestações. Uma planilha completa [9] (.xlsx) da Abraji informa sobre todos os profissionais da imprensa agredidos por agentes de segurança e manifestantes desde junho de 2013.
O primeiro e célebre caso de jornalista vítima da ação policial desproporcional foi o da repórter da Folha de São Paulo, Giuliana Vellone, atingida num olho com um tiro de bala de borracha [10], no protesto paulista de 13 de junho (reportado pelo Global Voices [11]). O post [12] no Facebook em que ela explica o que aconteceu já teve quase 12 mil partilhas. Relatos de casos onde profissionais da imprensa – atuantes ou não em veículos tradicionais – foram vítimas de agressões de policiais chegam de São Paulo [13], Rio [14], Brasília e de outras cidades, mostrando, como diz o blog [2] Jornalismo nas Américas, “a recorrência das forças de segurança como autoras de violência contra jornalistas”.
Repressão na e pela polícia
Este cenário tem sua complexidade acentuada quando observa-se o contexto profissional a que são submetidos os policiais brasileiros. Se, por um lado, a atuação da polícia e sua relação com o cidadão e a própria imprensa permite identificar ares não democráticos, por outro, não é possível afirmar que há um ambiente de segurança democrática para os homens e mulheres que atuam nas ruas se relacionando com aqueles que levantam faixas reivindicando o aperfeiçoamento da própria democracia.
Como o Global Voices reportou [16] em julho, os protestos recentes, para além de revelarem práticas excessivas praticadas pelas polícias, também mostraram que dentro da corporação há policiais questionando a atual formatação das suas instituições [17].
Em agosto passado, um tenente da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN), ao defender a desmilitarização das polícias brasileiras no Facebook, acabou sofrendo uma representação administrativa [18] por parte de um Coronel, que solicitou que o Comandante da corporação tomasse as medidas cabíveis contra o tenente que, para ele,
não conseguiu assimilar e aprender a real e verdadeira razão de ser policial militar e da importância transcendental e imensurável da Polícia Militar do Rio Grande do Norte.
Atitudes deste tipo [19] são legalmente justificadas por normas como o Código Penal Militar brasileiro [20], lei de 1969 que estabelece, por exemplo:
Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar públicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Govêrno:
Pena – detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Em 2008, uma pesquisa da Unesco coordenada por Silvia Ramos e Anabela Paiva, Do Tiro ao Twitter [21] (.pdf), apontou que policiais utilizavam-se das mídias sociais para “burlar” o paredão de cerceamento, e então amplificar “a voz dos que não podem falar” – “uma forma de expor a realidade da caserna”.
Por expressar opiniões na internet, até mesmo oficiais de alta patente sofrem retaliações [22], vide desabafo do major Alexandre, da PM do Rio de Janeiro [23], no Twitter:
Sofri diversas punições por expressar minha liberdade de expressão – que deveria ser um direito constitucional – por aqui.
O Ten Cel @Wanderby, ícone de honestidade da PMERJ, ficou meses alocado em lugares de 3º ou 4º nível. Eu fui movimentado 10 vezes em 1 ano.
Não faltam críticas ao contexto organizacional das polícias entre os próprios policiais nas mídias sociais.
Para alguns, estas características estão diretamente ligadas à natureza militar da corporação, como comenta [24] o policial militar Ronaldo Vasconcelos Monteiro no Facebook:
A militarização só interessa aos oficias e aos governantes pois só assim conseguem se perpetuar no poder como Deuses praticamente tendo os praças amordaçados de mãos atadas o tempo todo. Resquício de ditadura militar mesmo. Não passa de uma instituição arcaica e sucateada que já deveria ter sido extinta a muito tempo. Prova disso é a PF e PRF que não são militarizada e funcionam tão bem quanto, senão melhor do que essa corporação militar da idade do bronze.
Uma investigação relevante poderia relacionar estes dois contextos: um em que policiais flagrantemente cometem autoritarismo e impedem a livre manifestação das pessoas nas ruas e outro quando os próprios policiais são vítimas de cerceamento por parte de sua instituição legalmente estabelecida.