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Novelas para a preservação cultural: a primeira telenovela indígena do México

Categorias: México, Mídia Cidadã, Rising Voices

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Aqui no Rising Voices, concentramo-nos com frequência nas novas tecnologias nos meios digitais enquanto instrumentos para a mudança social. Mas e quanto ao poder que os meios mais tradicionais, como a televisão, podem ter na auto-capacitação das comunidades indígenas? Graças a uma nova produção, os indígenas maias de toda a América Central vão poder participar num dos mais importantes legados mediáticos da América Latina: a telenovela.

No México, uma equipa espera revitalizar a língua maia entre a juventude indígena – e cada vez mais urbana – com uma novela para televisão escrita em língua maia. “Baktún [1]“, a primeira telenovela produzida numa língua maia do Mundo, estreou [2] [es] no Museu de Antropologia da Cidade do México no dia 20 de Junho de 2013. Desde então tem atraído atenções internacionais, recebendo cobertura no New York Times [3], no AOL News [4], e na Fox News Latina [5]. A equipa espera promover e preservar a cultura maia com esta telenovela de 21 capítulos, produzida na língua maia e centrada nos assuntos modernos de adaptação e sobrevivência cultural.

Gravada nas aldeias rurais de Quintana Roo, em Cancún e ainda em Nova Iorque, a telenovela acompanha o percurso de Jacinto, um jovem maia que terá de enfrentar os problemas da imigração e da conservação das suas raízes culturais. Como é explicado no trailer oficial de “Baktún” (ver abaixo), Jacinto abandona a sua comunidade e viaja para Nova Iorque, onde modifica a sua forma de pensar e o seu modo de vida. Mais tarde regressa à sua pátria mexicana para revitalizar e reconciliar-se com a sua herança indígena. De acordo com a equipa de produção, este é o conflito central dos “maias do século XXI”.

A série estreia este mês na televisão em sinal aberto no estado mexicano de Quintana Roo. Fontes informam [6] [es] que a equipa de produção espera levar a novela às emissoras de outros países latino-americanos, incluindo a Bolívia e o Peru, que já manifestaram interesse em reproduzir o modelo com outros idiomas indígenas.

A série foi iniciada pelo documentarista mexicano Bruno Cárcamo e produzida por uma equipa local de actores e produtores maia. Foi criada com o apoio do Instituto Nacional de Antropologia e História do México. O realizador observou que nas comunidades maias do México, tipicamente,

…la lengua maya duerme de 6 a 8 de la noche, porque a esas horas toda la gente está viendo en televisión su telenovela favorita, donde todos hablan en castellano y nadie habla el maya.

…a língua maia adormece entre as 6 e as 8 horas da noite, porque a essa hora toda a gente está a ver na televisão a sua telenovela preferida, onde todos falam em castelhano e ninguém fala em maia.

“É um projecto que procura essencialmente dar força ao uso da língua maia, torná-la útil”, disse Cárcamo ao NowThisNews [7], “para que nem o idioma nem a cultura se percam. Uma vez perdida uma língua, logo a seguir irá a cultura.” Cárcamo reforçou esse sentimento numa entrevista à publicação digital mexicana SinEmbargo:

Si se pierde una lengua no sólo se pierden palabras, se pierde un pueblo entero y eso puede suceder con los pueblos mayas de Yucatán.

Se perdemos uma língua, não perdemos apenas palavras, perdemos um povo inteiro e isso pode acontecer aos povos maias do Iucatão.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Demografia do México (INEGI), o estado do Iucatão tem a segunda maior população indígena de todo o México, depois de Oaxaca. Mais de 500 mil pessoas falam maia [8][es] no  Iucatão. Embora “maia” seja um termo genérico para designar os povos indígenas da região, a realidade das suas línguas tem muitos mais matizes. Um linguista no blogue MetaFilter esclarece [9] que o idioma específico em “Baktún” é o iucateque, uma forma de maia [10] falada na península mexicana do Iucatão.

Representação do calendário maia Baktun (imagem de utilização livre via Wikimedia Commons) [11]

Representação do calendário maia Baktún (imagem de utilização livre via Wikimedia Commons)

O nome da novela deriva do ciclo Baktún do calendário tradicional Maia. A mudança de Baktún, como a que ocorreu a 21 de Dezembro de 2012 [12], significa o fim de uma era e uma importante mudança ou renascimento na tradição maia.

Usar telenovelas como agentes de mudança social não é um conceito novo. Estes programas, que atraem elevados índices de audiência em muitos países em desenvolvimento, têm sido aproveitados como forma de “entretenimento educativo”. Por exemplo, um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) confirmou [13] [pt] que as novelas no Brasil podiam ser usadas para alterar o comportamento e atitudes públicas dos espectadores sobre SIDA, fertilidade e relacionamentos – e são instrumentos de mudança social particularmente úteis em países com índices de iliteracia elevados ou limitado acesso à Internet. A influência da telenovela em muitos países já foi objecto de reportagens tanto na BBC [14] como no New York Times [15].

Para além dos canais de televisão, a equipa decidiu disponibilizar todos os episódios no YouTube, em parte porque o realizador e o produtor se aperceberam que as comunidades maia usam os telefones e as redes sociais mais do que a televisão.

O acesso à tecnologia móvel continua em crescimento por todo o mundo, com uma grande concentração de acesso telefónico nas regiões de baixos rendimentos. De acordo com o Banco Mundial [16], o número de assinaturas móveis cresceu de menos de um bilhão no ano 2000 para mais de seis bilhões actualmente, dos quais quase cinco bilhões nos países em desenvolvimento. Isto tem um potencial impacto nos povos indígenas; “Quisemos mostrar que podemos continuar a ser orgulhosamente maias mesmo neste mundo moderno com meios de comunicação em massa e comunicação digital”, disse ao New York Times [3] o realizador Bruno Cárcamo.

Com o realizador explica num comentário [17] no YouTube, o projecto consiste num filme de longa-metragem e numa mini-série com vinte episódios. A equipa de produção anunciou que os episódios estarão online em breve.

Para actualizações sobre o projecto, a conta Twitter oficial do projecto “Baktún” é @Baktun211212 [18]. uma brochura da equipa de produção sobre a série está disponível para download aqui [19] [es].

Tradução editada por Débora Medeiros [20] como parte do projeto Global Voices Lingua [21]