Esta reportagem é parte da nossa série sobre as Jornadas dos Migrantes na América Latina [en] em colaboração [en] com o Congresso Norte Americano na América Latina (NACLA). Fiquem atentos para mais artigos e vídeos a respeito. Este artigo foi escrito por Levi Bridges.*
A maior parte dos migrantes de Tochan já sonharam alguma vez em chegar aos Estados Unidos, mas com a violência dos cartéis presentes ao longo das linhas de trem bem como o aumento da segurança na fronteira dos EUA, o México acabou se tornando um novo país de destino para migrantes.
Rudi Solaris deixou o seu país natal, Honduras, porque os seus companheiros de trabalho, policiais, tentaram matá-lo. O ex-policial de 27 anos de idade entrou para a força de polícia em busca de uma renda estável e para dar uma vida melhor para sua família. Ao invés disto, seu lugar de trabalho transformou-se em um pesadelo com duração de uma década que não lhe ofereceu nenhuma saída.
A história de Solaris começa na pequena cidade de Choluteca, que fica a uma pequena distância da costa do Pacífico, no sul de Honduras, e termina na cidade industrial de Monterrey, no México, mais de 2400 km ao norte. O caçula de sete filhos, sua mãe morreu jovem, e aos quatorze anos, como a maioria da juventude hondurenha do interior, ele se foi para a capital, Tegucigalpa, em busca de trabalho para ajudar o sustento da família.
Jovem adolescente vivendo sozinho em Tegucigalpa, Solaris encontrou trabalho em construções. Ele entrou para a polícia com 17 anos e rapidamente descobriu como o crime organizado havia se infiltrado no cumprimento das leis em Honduras.
“No mínimo metade da polícia de Tegucigalpa trabalhava com as gangues”, disse Solaris.
Atualmente, Honduras tem o maior índice de assassinatos do mundo, fenômeno originado pela violência das drogas e pela corrupção da polícia. A situação da segurança começou a se deteriorar em 2009, quando a polícia militar expulsou o ex-presidente Manuel Zelaya do seu posto. Os cartéis de drogas mexicanos se aproveitaram da instabilidade da região trabalhando com as gangues hondurenhas, como a Mara Salvatrucha, para enviar drogas chegadas no país escassamente povoado da costa do Caribe para os EUA.
Durante os seus 10 anos trabalhando para a polícia hondurenha, Solaris aprendeu logo no princípio sobre esta realidade. Em determinado momento ele foi designado para trabalhar como guarda de prisão, posto que ele ocupou por muitos anos. Um dia, um oficial informou a Solaris que ele seria mandado trabalhar fora por alguns dias, escoltando um prisioneiro. Solaris diz que os prisioneiros hondurenhos que possuem dinheiro para subornar os oficiais podem fazer tudo, até mesmo deixar o cárcere por curtos períodos de tempo.
Quando Solaris acompanhou o prisioneiro para fora da prisão, um carro os esperava. Os dois homens que estavam dentro do carro fizeram com que ele entregasse as armas. Solaris logo percebeu que o prisioneiro fazia parte de uma gangue poderosa, e que o seu papel não era de um guarda-costas e sim o de uma moeda de troca em uma negociação para libertar o prisioneiro para uma breve visita à sua casa, com a condição de que ambos voltariam para a prisão prontamente. Os homens levaram Solaris para as montanhas, fora de Tegucigalpa, onde ele passou três dias em uma casa grande cheia de guardas armados.
“Eles me haviam dito que se eu não tentasse escapar, tudo terminaria bem”, disse Solaris. “Eu passei três dias lá, e eu tive tanto medo que eu não consegui dormir em nenhum momento”.
Com o passar dos anos, e Honduras seguindo a desestabilização iniciada em 2009, o emprego de Solaris se tornou ainda mais perigoso. Em uma ocasião, muitos oficiais recebiam bilhetes dizendo que eles seriam mortos, se não começassem a trabalhar para as gangues. Solaris assistia ao desaparecimento de colegas de trabalho um a um. Finalmente, ele disse que os policiais não corruptos se juntaram buscando proteção e se mudaram para um quarto localizado dentro da sede da polícia de Tegucigalpa.
“Eu só saía do prédio para trabalhar”, Solaris explicou. “Não era seguro permanecer fora sem a presença de outros policiais. Eu não conseguia levar uma vida normal”, lamentou. “Eu nunca tinha tido uma namorada”.
Solaris vivia com medo. Uma dia, durante o trabalho, ele testemunhou uma negociação de armas entre diversos membros da polícia e uma gangue mexicana envolvida no tráfico de drogas. No dia seguinte, ele recebeu uma ameaça de morte pelo que tinha visto. Ele permaneceu trancado no seu quarto por dois dias com várias armas automáticas, à espera dos agressores para começar a disparar através da porta. Para se salvar, Solaris fugiu de Tegucigalpa, esperando chegar até os EUA e lá pedir asilo.
Na fronteira da Guatemala, Solaris embarcou em um ônibus seguindo para o norte do México mas foi preso no posto de imigração e deportado novamente a Honduras. Solaris deu meia volta e seguiu para o norte novamente. Muitos centro-americanos que se aventuram para os EUA utilizam os trens de carga mexicanos para evitar os oficiais de imigração. Na sua segunda tentativa, Solaris resolveu ir em um destes trens.
Somente uma pequena parcela de migrantes que enfrentam os trens conseguem chegar até os EUA. Gangues móveis e até policiais corruptos são conhecidos por extorquir, espancar, roubar e estuprar os migrantes a bordo dos trens. Outros são sequestrados e detidos em cativeiro em troca de resgate ou recrutados para trabalhar para os cartéis de narcotráfico.
“Nada disto me preocupou, entretanto”, disse Solaris. “Levando-se em conta de onde eu vim, o trem parecia um paraíso”.
Solaris chegou a Tochan, um pequeno abrigo para migrantes em um bairro de trabalhadores, próximo à Cidade do México. Tochan significa “Nosso Lar” na linguagem mexicana indígena Nahuati. Hoje, centro-americanos lotam este abrigo. A maioria diz que não queria deixar os seus países mas, após sofrerem extorsões pelas gangues e serem ameaçados de morte quando não conseguiam lhes fazer os pagamentos, eles acabaram não tendo outra escolha.
Embora muitos dos recém-chegados a Tochan tenham intenções de seguir para os EUA, muitos deles acabam pedindo asilo no México. Os que têm sorte conseguem a documentação de residentes temporários que lhes permite conseguir trabalho. Todavia, mesmo aqueles que possuem casos sérios, têm os processos negados e precisam se sustentar na economia informal como trabalhadores indocumentados no México.
Solaris e um outro hondurenho encontraram trabalho em uma fábrica fora da Cidade do México que produz biscoitos da sorte chineses. Quase cinco meses se passaram até que Solaris recebesse a sua residência temporária. Quando ele conseguiu estes papéis, Solaris tomou um ônibus para Monterrey, no norte do México. Finalmente ele pôde embarcar em um ônibus mexicano sem medo de ser deportado.
Monterrey tem uma concentração de fábricas que produz mercadorias para corporações multinacionais que exportam para os EUA. Com estradas de quatro pistas e centros comerciais que ostentam a rede Pollo Loco além outras redes de comida rápida, Monterrey está localizada a apenas 160 km ao sul do Texas. Aqui você quase sente a influência americana vindo da fronteira mais próxima.
Hoje, Solaris divide um modesto apartamento em Monterrey com um migrante salvadorenho. Todos os dias eles se levantam às 4 horas da manhã e saem para trabalhar em uma fábrica próxima, fazendo triagem de batatas. Algumas vezes os seus turnos se estendem por até 18 horas seguidas.
O companheiro de quarto de Solaris, Douglas, deixou El Salvador para ir aos EUA há cinco anos. Ele cruzou a fronteira mas foi preso pela imigração, ficou detido por dois meses e depois foi deportado. Sentindo-se frustrado pela falta de oportunidades econômicas em El Salvador, ele foi para o norte novamente.
“Eu estava indo para o Arizona na minha segunda tentativa”, Douglas disse, “mas eu entrei no trem errado e terminei em Monterrey. Encontrei um trabalho e desde então continuo aqui. Eu consigo mandar um dinheirinho para casa para minha mulher e filhos. Não é tanto como se eu estivesse nos EUA, mas qualquer coisa já ajuda.”
As propostas atuais de reforma na política migratória [en] incluem vastas provisões para fechar a fronteira com o México. Mas, até que a violência associada com tráfico de drogas diminua, os centro-americanos continuarão indo para o norte. Se eles não conseguirem entrar nos EUA, eles ficarão no México, criando uma nova geração de migrantes indocumentados.
Na atual lei de reforma total migratória que recentemente foi aprovada, o Senado alocou cerca de 40 bilhões de dólares para aumentar a segurança nas fronteiras, o que inclui a duplicação da Patrulha de Fronteira para 40.000, bem como a adição de 1120 km de cercas e vigilância aérea. A lei fará com que seja mais difícil para os migrantes cruzarem os EUA, mas não fará com que a violência de Honduras seja alterada e, assim, os imigrantes continuarão sendo empurrados de uma zona de perigo para outra até que eles tentem cruzar a perigosa fronteira mexicana numa jornada que tem sido cada vez mais arriscada.
Solaris tem um primo que passou três anos trabalhando na mesma fábrica de batatas em Monterrey. Ele economizou dinheiro para investir em um coiote, ou seja, um contrabandista de pessoas, que o levou até Nova York.
Em uma recente viagem a Monterrey, eu perguntei a Solaris se ele planejava fazer o mesmo.
“Não mais”, disse Solaris. “Tudo o que eu quero é um emprego. Eu só quero estar seguro. Aqui no México eu tenho isto”.
*Levi Bridges é escritor e jornalista freelancer baseado na América Latina. Ele está passando um ano na Cidade do México como bolsista no Programa Fulbright em escrita criativa, para começar a trabalhar em um livro sobre as experiências de vida dos trabalhadores migrantes latino-americanos. Ele escreve para bridgesandborders.com [en].