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Brasil: Justiça censura voz contrária a empreendimento imobiliário

Categorias: Brasil, Ativismo Digital, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Protesto
O Outro lado do muro - Intervenção coletiva/Foto: Artigo 19 [1]

O Outro lado do muro – Intervenção coletiva/Foto: Artigo 19/Usada com permissão

Ricardo Fraga de Oliveira, engenheiro agrônomo, advogado e mestre em Saúde Pública na área de Planejamento Ambiental, foi proibido [2] judicialmente de se manifestar, tanto na internet quanto presencialmente, contra a obra da empresa Mofarrej Vila Mariana SPE Empreendimentos Imobiliários S/A, no bairro Vila Mariana,  na cidade de São Paulo, Brasil.

O parecer foi dado em 15 de maio de 2013 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, como resposta ao recurso [3] apresentado pelos advogados de Ricardo em face do cerceamento à liberdade de expressão imposta a ele, em caráter liminar, em 6 de março. A decisão reitera o teor da ação  anterior, com pequena modificação: obriga Ricardo a retirar da página do Facebook o conteúdo que faz menção ao empreendimento (no lugar da página inteira); e o Ricardo de fazer manifestações a menos de uma quadra de distância do local da obra (antes, 1 km).

A ONG Artigo 19 [4], especializada em direito à liberdade de expressão, vem acompanhando o caso e oferece, em sua página na Internet [2], acesso aos documentos elaborados na tramitação da ação. A organização explica [2] que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo não foi baseada no artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o qual define apenas três situações passíveis de restrição à liberdade de expressão de alguém: (i) previstas em lei, (ii) para resguardar direitos ou a reputação de outros e (iii) para preservar a segurança nacional, a ordem pública e a moral pública e conclui:

Caso o teste das três partes tivesse sido observado, a restrição contra a liberdade de Ricardo não teria sido concedida visto que tal restrição não se encontra prevista em lei e o interesse econômico de comercialização dos lotes pela empresa não está acima do interesse público concretizado na garantia da liberdade coletiva de manifestação.

No recurso (ou “agravo de instrumento [2]“) apresentado pelos advogados ao Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo reflete sobre o que está em jogo:

Em um país com histórico ditatorial, deve-se analisar com extraordinária cautela um caso que, se não for compreendido com a devida sensibilidade jurídico-social, poderá formar um precedente jurisprudencial gravemente periclitante ao exercício de uma Democracia conquistada após anos de censura e opressão.

O canal TVassim Vila Mariana [5] do Youtube filmou o momento do julgamento do recurso quando, ao ouvir a decisão final, Ricardo se emociona. Em seguida, ele se levanta e se posiciona de frente para o juiz relator, ao lado de outras pessoas que se amordaçam como forma de protesto. Ricardo logo em seguida comenta a decisão da Justiça:

Após a retirada, por ordem judicial, da página do O Outro Lado do Muro do Facebook, outro movimento chamado Meu Nome Não é Fraga [6] foi criado na rede social para postar conteúdo sobre o caso. Outra iniciativa criada com o intuito de canalizar as manifestações de oposição ao empreendimento é a página no Facebook O lado de cá do muro: o do cidadão da Vila Mariana [7]. Bruno Costa, administrador do grupo faz a seguinte reflexão [8]:

Quando digo que os empreiteiros são espertos digo porque quando fizeram esta ação sabiam que tal censura nos deixariam revoltados e que protestaríamos. Com toda razão. A censura realmente é ABOMINÁVEL. Ok. Mas sabiam também que o foco central se perderia e que aumentaríamos nossos esforços contra a censura. O fato é que se não fizermos algo muito rapidamente não haverá mais como interromper aquela insanidade que é o Boulevard Ibirapuera

Pessoas e organizações têm se solidarizado com a causa do movimento O Outro Lado do Muro desde o início, inclusive na forma de um abaixo-assinado [9]com 5.000 assinaturas que pede a reanálise do projeto da Mofarrej e de um manifesto de apoio [10]à liberdade de expressão do grupo.

No Facebook, também houve mobilização social para pressionar decisão da Justiça com a criação do evento Julgamento – O Outro Lado do Muro. [11]Na imprensa, o caso tem sido reportado e a postagem da notícia feita pelo jornal Estadão [12] no Facebook foi compartilhada 5.500 vezes, onde o leitor Davi Oliveira [13] comentou [14]:

A ditadura nunca foi embora, antes era a militar.. hoje é a de quem tem dinheiro..
Nunca seremos livres, eterna colonia.

A cidade que queremos

Ricardo criou o movimento O Outro Lado do Muro – Intervenção Coletiva que incentiva os moradores da Vila Mariana a expressar seus sentimentos e fazer projeções para a ocupação do solo urbano por meio da arte. O “muro” a que se refere o movimento é o que circunda o terreno de 9.356 m², onde o prédio desativado da fábrica [15]de cera de nome Record foi demolido em 2004. Em entrevista por e-mail ao Global Voices, Ricardo explica que a “demolição [deste prédio] se deu da noite para o dia, sem qualquer alerta à comunidade.” O terreno vazio passou a ser concebido no imaginário da vizinhança como um espaço para uso coletivo. Nas mãos da Mofarrej, entretanto, o local foi destinado à construção de três torres residenciais [16] de 27 andares e 654 vagas de garagem.

O movimento liderado por Ricardo teve início em junho de 2011 e se consolidou ao longo de repetidos sábados de atividade, como atesta o artigo escrito por Denise Delfim do jornal local “Pedaço da Vila”. [15] O formato desta atividade pode ser observado no vídeo abaixo:

Para além do caso específico do empreendimento na Vila Mariana, a razão de ser do movimento é propor aos habitantes de São Paulo uma reflexão [15] “sobre a forma como a cidade é apropriada, o modelo de verticalização que vem se impondo nela […].” Como diz Ricardo em depoimento ao site de notícias G1 [17]:

 O nome é Outro Lado do Muro porque este outro lado é a rua. E estamos na rua mostrando esta questão. Estamos brigando por projetos urbanísticos com características mais adequadas a cada região da cidade

Quanto à possibilidade de paralisação das obras e restauração do terreno na Vila Mariana, Ricardo afirmou ao Global Voices:

a única chance é o Ministério Público propor uma Ação Civil Pública em face das irregularidades ocorridas nos processo de licenciamento. Existe um Inquérito Civil instaurado no MP e em mãos do Promotor Vicente Malaquias da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Enquanto isto, o avanço do movimento pode ser sentido em outros bairros da cidade de São Paulo, como é o caso de Pinheiros, onde no domingo, 26 de maio de 2013, residentes se reuniram na Praça Benedito Calixto para, de forma criativa, discutir [18] as transformações urbanísticas e o futuro do bairro.