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Brasil: Travestis vêem a Copa como oportunidade para o comércio sexual

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Esportes, Mídia Cidadã

Este post escrito por Andrea Dipp, da Agência Pública, foi originalmente publicado como reportagem de título “VOU BOMBAR PARA COBRAR MAIS NA COPA” [1] e faz parte da cobertura especial #CopaPública [2] sobre a Copa do Mundo 2014. O material será publicado numa série de três artigos no Global Voices Online. Esta é a última parte da série.

Confira o segundo post: “Brasil: Sem perspectivas travestis viram vítimas do tráfico de pessoas” [3]

Marcela conta que descobriu sua homossexualidade aos 13 anos e que por algum tempo escondeu a opção da mãe e das quatro irmãs:

Eu sentia muito medo de como elas e a sociedade iriam reagir. Mas não tinha outro jeito, era quem eu era. Então contei e elas até que aceitaram bem.

Já o processo de travestilidade foi mais difícil:

Minha mãe ameaçou me botar para fora de casa, dizia que eu nunca iria arrumar emprego, não aceitou.

Ela conta que chegou a se prostituir aos 17 anos mas que preferia trabalhar. Conseguiu uma bolsa de estudos através do programa Vira Vida e passou um ano e meio estudando de manhã e fazendo o curso a tarde. Ela lembra:

Eu sempre gostei de fazer cursos, estudar, queria trabalhar com carteira assinada, nunca quis fazer programa.

Marcela diz que chegou a arrumar um emprego em uma firma de lingerie, mas que foi mandada embora quatro meses depois porque adoeceu:

“…e o patrão não aceitou os atestados médicos”.

 

Daí em diante, aceitou trabalhar recebendo metade do salário de outros funcionarios de uma empresa mas em determinado momento não pôde mais se sustentar com o pouco que ganhava e não achou mais trabalho:

Todas as portas se fecharam para mim. Não tive outra opção a não ser ir para a rua. Se eu pudesse, escolheria outra vida. Como não posso, me concentro e trabalho muito para poder juntar algum dinheiro para um dia abrir um negócio. Vou ficar velha e ninguém mais vai me querer.

Vaidosa, maquiada e bem vestida, Marcela conta que hoje paga 30 reais a diária para a cafetina dona da casa onde mora e mais 30 reais a diária do cinema, de onde a cafetina é sócia, mas que pretende sair da casa da aliciadora e alugar um quarto com mais três colegas de Fortaleza para poder atender aos clientes durante a Copa.

Eu tenho anúncios em sites e também quero ir para a rua na época da Copa. São Paulo estará cheia de gringos e mesmo brasileiros de outros estados, quero aproveitar.

Para ter lucros mais altos, Marcela assume que já fez sexo sem preservativo e se contradiz:

Tem gente que paga o dobro e até o triplo do valor para transar sem camisinha, aí eu acabo fazendo. Estou com medo de fazer o exame [de HIV], mas sei que a saúde vem em primeiro lugar.

Após a Copa, Marcela pretende ir para a Europa, ganhar em euro.

Arena Castelão em Fortaleza/ Imagem:Castelao Stadium/Wikimedia Foundation/Uso livre

Arena Castelão em Fortaleza será um dos palcos da Copa 2014/ Imagem:Castelao Stadium/Wikimedia Foundation/Uso livre

Já falei com uma pessoa que leva travestis para lá. Ela cobra 10 mil reais para passar a gente.

Pergunto se ela não tem medo.

Que nada, é a mesma coisa daqui, só que ganhando em euro.

Voltar para Fortaleza, só mesmo de férias, como foi há poucos meses:

Nossa, me senti uma celebridade lá, me senti como a presidente Dilma! Todo mundo vinha falar comigo, ver como eu mudei, até as pessoas que falavam mal de mim viram que eu conquistei.

Com o dinheiro arrecadado na Copa mais o que pretende conseguir na Europa, Marcela pretende aproveitar o sucesso para aí sim voltar para o Ceará e abrir seu negócio. Um salão de beleza ou uma loja de roupas, porque adora moda. Olhando para o relógio, ela se despede. É hora de voltar para o cinema.