Brasil: Explosão demográfica no Rio Madeira sem resposta à demanda

A reportagem Vidas em Trânsito, de Ana Aranha, sobre o impacto das grandes obras na região amazônica do Rio Madeira, Rondônia, faz parte da cobertura especial #AmazôniaPública da Agência Pública, e será publicada numa série de cinco artigos no Global Voices Online.

Na primeira parte desta série vimos como a vila de pescadores de Jaci Paraná tem sido afetada pelas obras da usina hidrelétrica de Jirau no Rio Madeira, Rondônia. O caos social que tomou conta do vilarejo está diretamente ligado à explosão demográfica ocorrida na região.

Para realizar uma obra da magnitude da usina de Jirau (de valor estimado em R$ 15 bilhões), o empreendimento é obrigado a fazer investimentos para equipar a estrutura pública local. A ideia é que se construam equipamentos de serviço público para absorver o crescimento da demanda, como escolas, unidades de saúde, postos policiais. São as chamadas “ações de compensação social”.

Como Jirau, a usina hidrelétrica de Santo Antônio, em construção no mesmo rio Madeira, tem obrigações semelhantes. A diferença é que Santo Antônio atraiu mais gente para a capital Porto Velho e região. Em Jaci, o impacto de Santo Antônio foi na remoção dos ribeirinhos que moravam em bairros alagados. Neste caso, a usina construiu casas em outro bairro ou deu indenização.

Para absorver o aumento populacional gerado pela proximidade com Jirau, Jaci Paraná deveria ter recebido ao menos R$ 20 milhões em repasses da Energia Sustentável do Brasil – empresa responsável por Jirau que tem a multinacional de origem francesa GDF Suez como maior acionista. Com esse dinheiro, a promessa era construir escolas, uma unidade de saúde, um batalhão de polícia ambiental, um sistema de captação, tratamento e abastecimento de água e o asfaltamento das ruas.

Famílias de pescadores de Jaci vivem sem infraestrutura entre os trilhos da antiga estrada de ferro Madeira-Mamoré Foto: Marcelo Min

Famílias de pescadores de Jaci vivem sem infraestrutura entre os trilhos da antiga estrada de ferro Madeira-Mamoré Foto: Marcelo Min

Esses equipamentos deveriam estar prontos antes da chegada dos milhares de trabalhadores. Mas, enquanto eles fazem hora extra para acelerar a construção da usina, que deve entrar em funcionamento no início de 2013, as obras de compensação social mal saíram do papel. Tudo o que a empresa entregou em Jaci foram quatro quilômetros de ruas asfaltadas, sarjetas e reformas em duas escolas. Além de financiar campanhas temporárias – para prevenção à malária e no combate à exploração sexual infantil, por exemplo.

Para Angela Fortes, conselheira tutelar de Porto Velho, município sede que responde pela gestão de Jaci, as ações estão longe de dar conta da demanda criada.

Quando as usinas foram anunciadas, prometeram novas escolas e hospitais. Criaram aquela expectativa no povo. Depois que as usinas chegaram, temos escolas com salas lotadas e centenas de crianças sem matrícula.

Entre 2007 e 2008, a procura por novas matrículas em Porto Velho saltou de 1,5 mil para 4 mil. Angela estima que em Jaci e outras vilas da região há cerca de cem alunos sem matrícula hoje.

Parte da culpa pela demora em aplicar esse dinheiro é do governo de Rondônia e da Prefeitura de Porto Velho. Com base no plano assinado com a empresa, são eles os responsáveis por indicar como o investimento em equipamentos públicos deve ser realizado. A Prefeitura de Porto Velho administrou R$ 65 milhões de Santo Antônio e R$ 91 milhões de Jirau. Pelas mãos do governo do estado passaram R$ 75 milhões de Santo Antônio e R$ 67 milhões de Jirau.

A atual Prefeitura de Porto Velho, porém, não deu prioridade à absorção da demanda criada pela obra. “Eu sempre fui contra construção de novas escolas em Jaci. Sempre quiseram, e eu nunca deixei” diz o secretário municipal Pedro Beber, chefe da Secretaria Extraordinária de Programas Especiais, responsável pela gestão municipal dessas verbas:

Os trabalhadores estão indo embora, e ficaríamos com um elefante branco.

Beber defende que o melhor para a vila de Jaci é esperar o alvoroço passar e focar em estruturas para as pessoas que vão ficar depois da obra. Ele minimiza o fato de alunos terem ficado sem matrícula este ano e em 2011.

Em um ou dois anos, tudo vai se acomodar

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é o órgão responsável por monitorar as ações como um todo. Em tese, se o plano de investimento acordado com a empresa não for seguido, o órgão tem o poder de segurar as licenças ambientais para a próxima etapa da obra. Na prática, porém, as licenças ambientais são aprovadas mesmo quando os técnicos registram problemas graves, principalmente nas ações direcionadas à população local.

Foi assim com a construção da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que deveria ser construída para suprir a demanda de atendimento de emergência em Jaci. Essa era uma das obras mais esperadas pela população, já que os 15 mil habitantes contam apenas com um posto de saúde. A obra deveria ser executada com recursos de Jirau, em convênio com a prefeitura. Em novembro de 2011, durante vistoria sobre as ações de compensação social de Santo Antônio, os técnicos do Ibama notaram que as obras estavam abandonadas. O fato foi encaminhado a Brasília em relatório que recomendava um auto de infração contra a empresa Energia Sustentável.

Quase um ano depois, em outubro de 2012, a empresa obteve a licença para iniciar a operação de suas turbinas. As obras da UPA foram retomadas, mas ainda não há previsão de entrega.

O projeto Amazônia Pública levou três equipes de repórteres da Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo a percorrer três regiões amazônicas entre julho e outubro de 2012, entre as quais as hidrelétricas do rio Madeira na Rondônia. Todas as reportagens buscam explorar a complexidade dos investimentos atuais na Amazônia, incluindo as negociações e articulações políticas e ouvindo todos os atores envolvidos – governos, empresas, sociedade civil – para traçar o contexto em que esses projetos têm sido desenvolvidos. O prisma essencial destas reportagens, assim como de toda a produção da Pública, é sempre o interesse público: como as ações e negociações políticas e econômicas têm tido impacto, na prática, a vida da população.

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