A reportagem Vidas em Trânsito, de Ana Aranha, sobre o impacto das grandes obras na região amazônica do Rio Madeira, Rondônia, faz parte da cobertura especial #AmazôniaPública da Agência Pública, e será publicada numa série de cinco artigos no Global Voices Online.
Na mudança da velha para a Nova Mutum Paraná – cidade construída pela Energia Sustentável para abrigar os engenheiros e encarregados da usina de Jirau – entre os ribeirinhos removidos para o alagamento pela usina do Rio Madeira, são muitas as reclamações sobre promessas não cumpridas pela Energia Sustentável.
Sônia Cabral Costa, ex-moradora da velha Mutum, hoje dona de uma loja de roupas em Nova Mutum, questiona:
Eles prometeram que aqui ia ter faculdade, indústrias, milhares de empregos. Cadê? Nada disso foi cumprido. Essas pessoas tinham sua fonte de renda, vieram acreditando no que a empresa prometeu.
Este ano, o sobrinho de Sônia completa o Ensino Fundamental. Ano que vem, será obrigado a viajar 30 quilômetros, todos os dias, para estudar em Jaci Paraná. Entre as promessas da Energia Sustentável estava a construção de duas escolas na vila, uma de ensino fundamental e outra de ensino médio. De fato, as escolas foram construídas. O detalhe é que uma delas foi repassada à iniciativa privada.
Na porta do Colégio Einstein, uma placa com o logo da usina e do governo federal anuncia em letras garrafais que o prédio foi construído com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas, só entra lá quem pode pagar a mensalidade de R$ 240. Ou R$ 200, se for filho de “camargueiro’ – modo como os moradores se referem aos funcionários da empreiteira Camargo Corrêa.
Enquanto o colégio particular tem 20 alunos por sala, a escola pública tem salas com mais de 40 e faz turnos noturnos para dar conta da demanda. Neida Rodrigues dos Santos, vice-diretora da escola municipal, diz:
No ano passado, ficaram 230 alunos sem matrícula porque a gente não tinha vaga. Os pais vinham implorar na minha porta, mas não tinha onde colocar.
“Era para ser municipal, mas precisava de uma escola para o filho dos engenheiros, e a Jirau resolveu negociar com iniciativa privada. Não vejo problema”, diz Pedro Beber, o responsável pela gestão das verbas de compensação social que passam pela prefeitura.
Se eles estão pagando os professores, [o município] não tem interesse em assumir essa escola.
Problemas de infraestrutura também são comuns em outras vilas criadas por Jirau e Santo Antônio para abrigar a população rural que teve de ser removida. O mais frequente é em relação às dificuldades em produzir no solo. Os ribeirinhos foram tirados da margem do rio Madeira, área fertilizada naturalmente pela cheia, e colocados em terrenos comprados de fazendeiros, onde alguns criavam gado. Outra reclamação comum é sobre o cheiro de esgoto nas casas. Os novos assentamentos foram feitos em regiões próximas à área alagada pela usina. Devido ao aumento de água represada no rio, o lençol freático transborda, provocando o vazamento do esgoto e das fossas.
A previsão inicial das usinas era para a remoção de 2.849 pessoas, 1.087 na área alagada por Jirau e 1.762 na reserva de Santo Antônio. Segundo o Movimento do Atingidos por Barragens, há hoje 4.325 pessoas que foram removidas ou atingidas indiretamente pelas reservas.