Este post faz parte da nossa cobertura especial Europa em Crise.
A pequena ilha de Chipre prossegue a sua corrida contra a falência [en]. Após a decisão europeia de taxar a totalidade dos depositantes, a república mediterrânea enfrenta uma situação crítica no plano económico. Desenham-se, assim, três opções para a ilha: concretizar um acordo com a Europa, virar-se para a Rússia, ou declarar a falência e sair da zona Euro.
Origens da crise
O problema surgiu aquando da perda de uma parte importante dos activos do Banco Popular de Chipre e do Banco de Chipre devido ao plano de reestruturação da dívida na Grécia, em Março de 2012. Os dois bancos cipriotas viram-se então na obrigação de pedir uma recapitalização a Nicósia.
Solução do sector privado?
Os bancos gregos estão também intimamente ligados a Chipre. O Banco de Compensações Internacionais (BIS, do inglês “Bank for International Settlements”) estima em 12,6 mil milhões de euros o total dos compromissos greco-cipriotas, não menos de 28% da totalidade dos compromissos dos bancos de Chipre. Isso descarta a possibilidade de um plano de envolvimento do sector privado (PSI, do acrónimo inglês private sector investment) na ilha.
Assim, se Chipre pudesse contribuir, a partir dos seus bancos, o montante de 7 mil milhões de euros recusado pela Europa sobre os 17 mil milhões em dívida, a Europa seria obrigada a dar uma nova ajuda à Grécia [fr], fragilizando ainda mais a estabilidade do país em recuperação. Uma renegociação, particularmente a do plano da troika, seria arriscada. De resto, é em parte por este motivo que a economia grega é afectada pelo imposto sobre os depósitos [en].
Para além disso, organizar um PSI em Chipre poderia ser mal visto pelos investidores. Não convém esquecer que “o caso grego” deverá manter-se único. Caso contrário, seria tentador para outros países que vivem uma situação económica complexa, como a Espanha, Itália ou Portugal, recorrerem também a um pedido de envolvimento do sector privado.
As consequências seriam irrevogáveis. Financiar os estados vulneráveis através do mercado seria complexo, se não mesmo impossível, e a reestruturação da dívida pública dos outros estados e do BCE ficaria perigosamente no horizonte. De facto, no que toca aos depósitos, este é mais um “caso único” que a Europa espera criar.
O Partido Social Democrata alemão [fr], o SPD, quer fazer de Chipre um pretexto para suspender o voto no Bundestag (Parlamento alemão) a favor da ajuda europeia [fr], peso indispensável para Angela Merkel. Assim, a ajuda a Chipre arrisca-se a não ver a luz do dia sem o apoio do Bundestag. O SPD vê em Chipre uma reserva de dinheiro maioritariamente russo e suspeito de ser “mafioso”. O PSI não terá afectado verdadeiramente a carteira da Rússia, a solução europeia deverá incidir sobre os depósitos.
Desde que Chipre se recusou a aceitar mais de 10% de corte para não arruinar a reputação do seu sistema económico, foi necessário alargar a base tributária e estender os cortes à totalidade dos depositantes, incluindo os residentes. Mas também isto pode bastar para lançar Chipre no abismo. Por isso [o país] rejeitou o plano europeu.
Chipre enfrenta agora várias possibilidades. Perante as fortes reacções na Europa, e sobretudo em Chipre, dos últimos dias, parte dos decisores europeus parece querer fazer marcha-atrás e lamentar as suas escolhas. Vêem-se então tentativas de diminuir a participação de Chipre na sua própria viabilização. Mas talvez a Europa não aceite uma renegociação. O debate sobre a participação total do MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) e o seu capital de 5,8 mil milhões de euros continua vivo.
Aliança com a Rússia
A segunda solução seria aliar-se à Rússia. Com efeito, Putin quer defender os activos russos na ilha, exigindo em troca grandes concessões de gás, instalações militares russas, já para não falar na recente descoberta de uma jazida de petróleo ao largo da ilha. A Rússia poderia recapitalizar os bancos cipriotas, sobretudo o banco Laiki, a segunda instituição bancária da ilha, para economizar 2,5 mil milhões de euros na recapitalização. A ajuda russa seria provavelmente complementar à ajuda europeia e não teria de implicar uma ruptura entre Chipre e a zona Euro. Por seu lado, a Rússia ganharia um peso não negligenciável num Chipre de importância estratégica. A ilha seria o garante dos interesses de Moscovo na Europa mas isso implicaria o risco de criar alguns problemas no futuro.
Mas aparentemente a Rússia não tem pressa de tomar uma decisão. Andrei Kostin, director do banco VTB [Vnechtorgbank], anunciou no dia 21 de Março que a sua instituição não está minimamente interessada na aquisição dos activos bancários da ilha:
Sur place, il y a deux banques dans une situation critique qui ont besoin d'être assainies. Il serait absurde de prétendre que nous aurions un intérêt là-dedans. Notre seul intérêt, c'est de retrouver au plus vite la faculté d'effectuer les paiements et de gérer les comptes de nos clients.
Em
primeiro lugar, existem dois bancos numa situação crítica que precisam de ser saneados. Seria absurdo insinuar que teríamos um interesse ali. O nosso único interesse érecuperar o mais depressa possível a capacidade de fazer pagamentos e gerir as contas dos nossos clientes.
E acrescenta que o seu banco deverá:
“arrêter son activité et quitter purement et simplement le marché chypriote” en cas de “décisions violant le droit, dictées par la politique.”
“
cessar a actividade e pura e simplesmente abandonar o mercado cipriota” em caso de “decisões que violem o direito, ditadas pela política”.
Última opção: falência
Por fim, Chipre pode optar pela solução extrema mas inevitável se a Rússia e a Europa não lhe trouxerem o apoio adequado: a falência. A recapitalização em Chipre far-se-á então através do banco central, através da emissão de moeda.
Isso significa sair da zona Euro [fr], instaurar um estreito controlo dos fluxos económicos e um bloqueio das contas correntes durante o período da conversão para a nova moeda cipriota. A ilha ficaria arruinada, e o seu crédito financeiro para todos os efeitos danificado. Seguir-se-ia um período de reconstrução económica em circunstâncias complexas. E para a zona Euro seria um fracasso e um precedente perturbante.
O último acordo encontrado por Bruxelas, que pretende desmantelar o principal banco do país e taxar os depósitos bancários superiores a 100 mil euros, é uma solução híbrida, de acordo com o economista americano Tyler Cowen [en]:
What will the price of a Cypriot euro be, relative to a German euro? 50%? I call this Cyprus leaving the euro but keeping the word “euro” to save face.
Qual será o preço de um euro cipriota, em relação a um euro alemão? 50%? Eu chamo a isto Chipre sair do euro mas manter a palavra “euro” para salvar as aparências.
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