Esta entrevista, de Marcela de Genaro, com o título O banco imobiliário da Cabralândia, faz parte da cobertura especial #CopaPública da Agência Pública, e foi publicada originalmente no dia da remoção da Aldeia Maracanã no Rio de Janeiro, 22 de março de 2013
Vai ajudar exatamente quem? Certamente o Eike Batista, a Coca-Cola, as grandes corporações que estão por trás disso. Mas o Zé Povinho, certamente não.
Assim pode ser resumida a posição, ou melhor, a oposição do cartunista Carlos Latuff às transformações que a Cidade do Rio de Janeiro vive para receber a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016.
O carioca de 44 anos, conhecido por defender causas humanitárias através de suas charges de traços simples e humor ácido concedeu entrevista à Agência Pública na qual analisa a preparação do Rio, que denomina “ex-Cidade Maravilhosa”, para os grandes eventos:
É uma ofensiva da especulação imobiliária. Ela agora pode avançar porque existe esse respaldo, que se trata de uma “coisa justa”, que vai promover a cidade lá fora. Acho que não foi à toa que a prefeitura lançou o jogo que é o Rio de Janeiro como banco imobiliário. Aquilo ali foi o melhor de todos os indicativos. Se a gente está falando de banco imobiliário não se trata dos interesses do cidadão que pega ônibus, que pega barca, pega trem. A gente está falando dos interesses dos players.
O Banco Imobiliário Cidade Olímpica, criado pela fabricante Estrela, destaca obras recentes da cidade. A Prefeitura adquiriu 20 mil exemplares do jogo, a um custo de R$ 1.050.748, para distribuir em escolas públicas. O Ministério Público analisa se há irregularidades na compra do brinquedo, que promoveria o governo, como material didático.
Latuff também fala das remoções de comunidades por causa dos preparativos para Copa e as compara ao “Bota-abaixo”, como ficou popularmente conhecida a reforma urbana promovida pelo engenheiro Francisco Pereira Passos, prefeito entre 1902 e 1906, marcada pela “higienização” do Rio de Janeiro.
A oposição do cartunista à política aplicada aos grandes eventos já lhe rendeu até mesmo um “passeio de viatura” até a delegacia, quando foi intimado a depor após fazer uma charge que criticava os Jogos Pan-Americanos de 2007:De fato o Rio de Janeiro não é um tabuleiro e nem um brinquedo. Tem sido tratado como tal, mas as pessoas que moram em favelas, nos quilombolas, nas áreas indígenas sabem que isso não é brincadeira. Remoção não é brincadeira, muito longe disso.
Tinha feito um desenho que era o mascote do Pan, Cauê, segurando um fuzil, dando um tiro para o alto com uma M16, uma favela ao fundo e um caveirão. Sob a alegação de que eu estava usando um desenho que era protegido por direitos autorais, fui chamado para prestar um depoimento numa delegacia. A polícia foi até a minha casa com uma intimação.
Latuff não se intimidou. Na charge produzida para a Pública ao final da entrevista, novamente o protagonista é o mascote, este da Copa.
Confira o vídeo com a entrevista com o cartunista, que continua trabalhando para que os brasileiros percebam o outro lado dos grandes eventos:
Eu espero que haja um despertar de consciência, que a ficha caia e que as pessoas não comprem esse gato por lebre.
A estruturas responsáveis pela administração dos recursos à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016 precisam assumir a responsabilidade pelos seus atos e se existe algo que podemos fazer é deixar bem claro agora e para todo o sempre quem são e quem foram esses responsáveis.
O depoimento de Carlos latuff é particularmente importante porque toca na ferida e se não existe a confluência de desejos entres as partes da sociedade que pelo menos fique clara e registrada a opinião de cada um.
Latuff pode ser acompanhado no Twitter (@CarlosLatuff), Facebook, tem um blog e suas charges ilustram diversos artigos do Global Voices Online.