- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Censura derrota Falha de São Paulo abrindo precedente perigoso

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo

Desde dezembro de 2010 o Global Voices Online tem acompanhado [1] a disputa judicial entre o jornal Folha de São Paulo e o blog satírico Falha de São Paulo [2], que foi censurado em setembro daquele ano devido as paródias feitas contra o jornal, seus jornalistas e diretores. Em setembro de 2011, na primeira batalha nos tribunais, o resultado foi um empate, [3] o que levou os irmãos Lino e Mario Bocchini, idealizadores do site, a recorrerem no ano seguinte [4] em busca do direito à se expressarem livremente e criticarem um dos maiores jornais do país.

No dia 20 de fevereiro de 2013 teve lugar o segundo round nos tribunais e, desta vez, a liberdade de expressão foi derrotada. Ou ao menos foi esta a percepção inicial dos irmãos Bocchini e de muitos de seus apoiadores.

Lino Bocchini antes do julgamento da Falha de São Paulo. Foto do coletivo Fora do Eixo/PósTV. Uso livre. [5]

Lino Bocchini antes do julgamento da Falha de São Paulo. Foto do coletivo Fora do Eixo/PósTV. Uso livre.

O jornalista Felipe Rousselet escreveu: [6]

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu nesta quarta-feira, 20, que o blog Falha S. Paulo deve continuar fora do ar. 

A decisão de manter a CENSURA ao Falha de S.Paulo deixou de lado todo o debate sobre liberdade de expressão e se baseou apenas nas leis de Mercado. O desembargador Edson Luiz de Queiróz manteve o blog fora do ar com a justificativa da similaridade entre o nome Falha de S.Paulo e a marca registrada pela Folha de S.Paulo.

Além de um caso óbvio de censura judicial, a manutenção da CENSURA ao Falha de S.Paulo abre um precedente perigoso para a liberdade de expressão, principalmente em relação a sátira e a ironia.

Parte da defesa da Folha de São Paulo se baseava no argumento de que existiria “uma apropriação do uso de marca, o que é inadmissível: a paródia em questão se trata de uma imitação”.

Os irmãos Bocchini, no blog Desculpe a nossa falha e no tribunal, rebateram a acusação [7]:

De nada adiantou o defensor da Falha, o advogado Luis Borrelli Neto, defender que, fosse essa a interpretação, “nomes como UOL, Bol e AOL, por exemplo, jamais poderiam conviver na internet”. Também não adiantou lembrar que o próprio juiz de 1ª instância, Gustavo Coube de Carvalho, já havia afirmado que “nem mesmo um tolo apressado [8] seria levado a crer que trata-se de um blog ligado ao jornal”. Também não foram dado ouvidos ao argumento de que programas de TV [9] e tantos outros sites, jornais e revistas [10] fizeram ou fazem o mesmo, no Brasil [11] e no exterior [12], sem problemas. Borrelli Neto ainda lembrou que “a paródia não está apenas no conteúdo, mas também no domínio. Subtrarir do apelante o direito de utilizar o domínio significa atentar contra a liberdade de expressão ou, pelo menos, enfraquecer a paródia”. Vale lembrar que a Falha não tinha sequer banner publicitário ou fim comercial, o que também enfraquece –ou derruba– o argumento de “concorrência parasitária” utilizado diversas vezes pelo jornal.

Pior que a decisão em si, dizem os irmãos Bocchini, está a jurisprudência aberta onde jornais podem proibir judicialmente paródias e críticas retirando sites e blogs do ar e usando todo o seu poder econômico para perseguir quem ousa se insurgir contra as informações passadas pela grande mídia.

Na decisão “ficou determinado que a Falha segue censurada. Pelo entendimento da Folha e dos desembargadores, está proibido o uso do endereço da internet falhadespaulo.com.br, do logotipo da Falha e a reprodução parcial de reportagens – mesmo que a finalidade original fosse a crítica”.

O jornalista Renato Rovai, no portal alternativo SpressoSP acrescentou [13]:

Este julgamento transformou uma questão de liberdade de expressão em um debate comercial com um único objetivo: calar os críticos do jornalão da família Frias. Ou alguém consegue ser ingênuo o suficiente para acreditar que o que incomodou a Folha foi a questão comercial, a similaridade do seu nome com o domínio de um blog sem nenhuma publicidade ou outra modalidade de retorno financeiro?

Irmãos Bocchini antes do julgamento. Foto de Beatriz Bevilaqua, usada com permissão [14]

Irmãos Bocchini antes do julgamento. Foto de Beatriz Bevilaqua, usada com permissão

Toda a audiência foi gravada [15] pela equipe da PósTV e pode ser vista no Youtube. O perfil da equipe no Facebook foi ainda usado para deixar uma impressão [5] do julgamento:

Em um voto mais do que simbólico, um desembargador, de dentro de sua toga, disse o lugar comum mais equivocado do direito: “um direito acaba onde começa o do outro”. E deu ganho de causa à Folha alertando que paródias como a da Falha de S. Paulo poderia “abrir caminho para a anarquia”.

O doutorando em psicologia Matheus Paul, escrevendo para o blog Vi o Mundo, comentou [16] das razões para a censura e as preocupações reais do jornal Folha de São Paulo:

[…] se o blog visasse tão somente gracejar de forma pueril e light com o jornal alvo, enfocando em questões menores, como somente os nomes dos cadernos, por exemplo, repetimos: o jornal, muito provavelmente, não daria atenção alguma ao pequeno sítio paródia. O escárnio propagado pelo blog, porém, teve uma ressonância quase que imediata, uma vez que questionava algo caro aos veículos jornalísticos de comunicação: a tão propalada (e diríamos até ilusória) isenção total.

O deputado federal do PSOL de São Paulo Ivan Valente emitiu [17] nota de repúdio ao saber do resultado:

Não parece difícil entender que paródias, vistas em grande volume nesta mesma mídia, são recursos legítimos do debate democrático, a que todos nós estamos sujeitos. Artistas, celebridades, jornalistas, políticos, todos são alvos da livre manifestação do humor crítico. Por que não a própria mídia?

Irmãos Bocchini e apoiadores posam para foto antes do julgamento. Foto de Beatriz Bevilaqua, usada com permissão. [14]

Irmãos Bocchini e apoiadores posam para foto antes do julgamento. Foto de Beatriz Bevilaqua, usada com permissão.

A jornalista Beatriz Bevilaqua conversou [14] com Lino Bocchini após o julgamento e informou que eles irão tentar continuar a batalha judicial recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF):

Não é simples, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF não recebem uma ação qualquer. Mas a gente vai estudar de que forma se pode recorrer. Nossa intenção é ir para os tribunais superiores

O caso permanece em aberto e continuaremos a acompanhar seu desenrolar sempre ao lado da liberdade de expressão.