No dia 8 de março foi publicada [1] no Facebook pelos jornalistas da Revista Caros Amigos a notícia de que a redação de uma das publicações de esquerda mais importantes do Brasil entrava em greve por tempo indeterminado contra o que chamaram de precarização do trabalho.
Fundada [2] em abril 1997 por um grupo de jornalistas, publicitários, escritores e intelectuais, a revista, hoje dirigida por Wagner Nabuco, contava com onze jornalistas e designers fixos e diversos colaboradores e teria a redação reduzida pela metade, assim como seus salários [1]:
Nós, integrantes da equipe de redação da revista Caros Amigos, responsáveis diretos pela publicação da edição mensal, o site Caros Amigos e as edições especiais e encartes da Editora Casa Amarela, denunciamos a crescente precarização das nossas condições de trabalho, seja pela ausência de registro na carteira profissional, o não recolhimento das contribuições FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] e do INSS [Instituto Nacional da Segurança Social] e, agora, o agravamento da situação pela ameaça concreta de corte da folha salarial em 50%, com a demissão de boa parte da equipe.
Desde o dia 4 de março, quando avisados por Nabuco de suas intenções de precarizar ainda mais a situação dos trabalhadores da revista, tentava-se negociar uma saída para se evitar a greve, porém sem sucesso.
Imediatamente após o anúncio da greve, a Chapa 2 “Sindicato é pra lutar!”, de oposição à atual gestão do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, reproduziu [4] a nota dos trabalhadores em greve e prestou solidariedade.
No dia 11 de março, os trabalhadores foram convocados para uma reunião e foram informados que, devido à “quebra de confiança” estavam todos demitidos, uma flagrante violação do direito constitucional à greve no país. O jornalista André Deak esteve entre os primeiros a divulgar a notícia [5] no Facebook, reproduzindo carta da equipe de redação:
(…) lamentamos a decisão da Direção. Consideramos a precarização do trabalho e a atitude unilateral como passos para trás no fortalecimento do projeto editorial da revista, que sempre se colocou como uma publicação independente, de jornalismo crítico e de qualidade, apoiando por diversas vezes, inclusive, a luta de trabalhadores de outras áreas contra a precarização no mercado de trabalho.
O diretor da revista, Wagner Nabuco tentou se justificar em artigo para o jornal Brasil de Fato, reproduzido [6] pelo blog Vi o Mundo, no qual ele afirma que tomou a decisão em meio a uma crise financeira da revista, sem maiores explicações sobre as demissões ou a precarização pretendida:
Ressalto que nessas reuniões mostrei todos os números da editora, sua movimentação financeira e o prejuízo mensal que a revista vem acumulando pois, mesmo com os milhares de leitores, as receitas de publicidade são pequenas (e agora com mais restrições da SECOM/PR [Secretaria de Comunicação da Presidência da República]), todo o mercado de circulação – bancas e assinaturas – está em queda, os custos vem aumentando acima da inflação, e não podemos repassar para o preço de capa. Essa situação atingiu duramente os veículos alternativos e contra hegemônicos, que tiveram que fazer ajustes para continuar suas operações e produzir um jornalismo crítico e independente.
A jornalista Gabriela Moncau, uma das demitidas, desabafou [7] em entrevista para a oposição sindical:
É triste ver tamanha incoerência em um veículo que cumpre o papel de crítica e contra-hegemonia em um cenário estarrecedor de concentração dos meios de comunicação. Entendemos a importância que a Caros Amigos tem e, claro, por isso muitas vezes nos submetemos a condições que em outros veículos não nos submeteríamos. Mas era o nosso trabalho, não a nossa militância. Até quando patrões de instituições de esquerda utilizarão a “militância” dos que ali trabalham para fechar os olhos às condições precárias a que estes são submetidos?
Uma crise mais ampla
Para o jornalista Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador [8], a situação na Caros Amigos expõe “a precariedade e a falta de recursos que afetam vários sites e publicações”:
De maneira crescente, empresas de comunicação (inclusive na “grande imprensa”) precarizam o trabalho do jornalista, que de funcionário passa a ser um “colaborador fixo” ou “prestador de serviços” para que as empresas cortem os gastos com impostos e contribuições trabalhistas. Há anos a situação é denunciada por entidades da categoria, mas com poucas vitórias.
Vianna ainda discorre sobre o fechamento de diversos jornais no Brasil ou a decisão de outros de aderir exclusivamente à plataformas online em meio à crise e termina fazendo uma crítica ao governo da presidente Dilma Rousseff cuja SECOM mantém pesada concentração de verbas oficiais de publicidade “nas mãos de poucos”:
Age, assim, na contramão das políticas adotadas por democracias ocidentais que destinam parte da verba para “fundos de democratização da mídia”; e parece mais preocupado em não criar “zonas de atrito” com meia dúzia de famílias que, donas de revistas e jornais conservadores, se esbaldam com a verba de publicidade oficial.
A Agência Carta Maior, veículo alternativo de esquerda, considera [9] que a origem do problema está na “asfixia financeira, decorrente das decisões do governo federal de suprimir publicidade de utilidade pública nos veículos da mídia alternativa”.
O jornalista Leonardo Sakamoto concorda [11]mas vai além e culpa também a desunião de jornalistas e pouca ação de sindicatos do setor no combate à precarização. Ele ainda faz uma previsão sombria:
Talvez o futuro seja um misto de tudo isso, emprego CLT [com carteira assinada], frilas, empreendedores individuais ou coletivos, pessoas produzindo conteúdo em redes, ONGs, enfim. Mas, hoje, o que me preocupa são os viventes e suas contas a pagar.
O que estou pedindo? Jornalistas do mundo, uni-vos? Que tamancos sejam jogados nas prensas dos jornais? Nem… isso seria muito brega. Ou melhor, kitsch. O que gostaria de lembrar é que as coisas vão mudar cada vez mais rápido. E temos duas opções: encarar isso sozinhos ou juntos, lutando contra a indiferença.
Enquanto que uns como o jornalista e cartunista Gilberto Maringoni, no Facebook, lembram [12] que, apesar de tudo, o editor Wagner Nabuco não deveria ser demonizado “como se ele fosse inteiramente responsável pela dramática situação da revista”, outros como o jornalista Julio Delmanto, no blog Passa Palavra, pedem [13] boicote à revista.
Os onze trabalhadores demitidos são Alexandre Bazzan, Caio Zinet, Cecília Luedemann, Débora Prado, Eliane Parmezani, Gabriela Moncau, Gilberto Breyne, Otávio Nagoya, Paula Salati, Ricardo Palamartchuk e Hamilton Octavio de Souza. Este último deixou no Facebook uma mensagem [14] em que demonstra esperança e informa que o ânimo dos demitidos era o melhor, pois sabiam ter feito a coisa certa:
Ser demitido por defender condições dignas de trabalho e fazer greve, aos 64 anos de idade, só pode ser a glória.
Ser demitido por ficar ao lado de jovens trabalhadores dispostos ao sacrifício por um mundo mais justo e igualitário, não tem preço.