Supremo Tribunal autoriza casais gays a criarem filhos na Itália

Gay Pride Party 2011, Rome. Photo by the author

Gay Pride Party 2011, Roma (imagem de autoria do autor)

[Todos os links levam a sites em italiano, a menos quando especificado de outra forma]

No início de janeiro de 2013, o Supremo Tribunal italiano rejeitou um apelo de um pai contra um acórdão do Tribunal de Apelação de Brescia que deu a guarda exclusiva do filho menor de idade à mãe, que vive com outra mulher. A manchete do ilpost.it resume nos seguintes termos a decisão do órgão supremo da justiça italiana:

Sostenere che sia dannoso per i bambini crescere in una famiglia gay è un «mero pregiudizio», privo di «certezze scientifiche o dati di esperienza».

Afirmar que crescer em uma família gay é prejudicial para as crianças é “puro preconceito” sem “base científica nem dados convincentes”.

A decisão dos juízes de Brescia foi justificada pelos atos de violência do pai, na presença da criança, contra uma amiga da mãe. No pontilex.org, Cagliostro explica:

L’uomo, 27 anni, aveva avuto una relazione con una donna italiana e da questo rapporto era nato un figlio. Finita la storia tra i due era stato disposto l’affidamento esclusivo del bambino alla madre mentre gli incontri con il padre si sarebbero tenuti «con cadenza almeno quindicinale in un ambiente neu­tro e inizialmente protetto».

O homem de 27 anos teve um relacionamento com uma mulher italiana e dessa relação nasceu um filho. Com o fim do relacionamento, ficou acertado que a mãe teria a custódia exclusiva da criança e ao pai caberia “encontros quinzenais com a criança em um lugar neutro e reservado”.

Um debate caloroso foi aceso, também fomentado pelo discurso de posse do segundo mandato do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que declarou [pt], dentre outras coisas, que:

Nossa jornada não estará completa até que os nossos irmãos e irmãs gays forem tratados como qualquer outra pessoa perante a lei, pois se realmente fomos criados como iguais, certamente o amor que atribuímos uns aos outros deve ser igual também.

Na França, há demonstrações contra e a favor dos planos do governo para legalizar o casamento gayadoção homoparental [pt] no país. Ativistas dos direitos LGBT demonstram satisfação, enquanto os setores mais conservadores da sociedade encontram-se “menos entusiasmados”. Rita De Santis, presidente da Associação de Pais Homossexuais dell'Agedo, comenta a decisão do Supremo Tribunal no portal diregiovani.it, declarando que foi:

“Una bella notizia certamente. Negli ultimi tempi abbiamo sentito, tra gli altri, anche il Papa dirsi contrario. Per allevare un figlio ci vuole quella che chiamiamo genitorialità che non è da confondere con un qualcosa di genetico. Ci sono etero che non sono in grado di averla, ci sono coppie che ammazzano o che abbandonano figli.

…. I bimbi che crescono in coppie omogenitoriali, spesso trovano ambiente sociale ostile, se ne parla in modo discriminatorio. L'omosessualità non è una malattia o un vizio o una scelta”.

[…] Uma boa notícia, sem dúvida. Nos últimos tempos, ouvimos o Papa, dentre outros, dizendo o contrário. Educar uma criança exige o que chamamos de genitorialità [competência parental], que não deve ser confundido com algo genético. Há heterosexuais que são incapazes de criar filhos, há casais que matam ou abandonam os seus filhos.

… Crianças que crescem em famílias LGBT muitas vezes enfrentam uma sociedade hostil, que fala [da família gay] de forma discriminatória. A homossexualidade não é uma doença, nem um vício, nem uma escolha.

A opinião da psicóloga Anna Oliverio Ferraris, professora de Psicologia Evolutiva da Universidade Pública de La Sapienza, em Roma, foi citada em um artigo no La Voce d'Italia:

“In assoluto non è un problema” che un figlio cresca con una coppia omosessuale, “ma possono esserci grosse differenze da caso a caso, come peraltro per le coppie eterosessuali. Più che dare principi generali, occorre verificare se le coppie sono all’altezza di tenere i figli, quindi bisogna vedere la preparazione dei genitori”.

“Em geral, não é um problema” que uma criança cresça com um casal homossexual, “mas isso pode variar imensamente de um caso para outro, assim como para casais heterossexuais. Ao invés de generalizar princípios, deve se verificar se os casais estão prontos para terem filhos, precisamos ver a preparação dos genitores”.

Comentários não faltam na internet, como aqueles encontrados no blog do jornal Corriere della Sera, onde o usuário lettorequalunque00 observa, com um toque de ironia, que:

Il mondo è pieno di famiglie etero che hanno prodotto individui problematici, traumatizzati da un'infanzia infelice e da genitori assenti ed incapaci di trasmettere affetto. Poi, chi afferma che le coppie gay sono più violente o che addirittura i bimbi potrebbero subire violenze sessuali non si rende conto di quanto sia divertente… La cronaca parla soltanto di uomini violenti con le loro compagne e con i loro figli. Ieri si è parlato del padre di due bimbe, arrestato per violenza sessuale. Ma la sua era una famiglia etero, quindi automaticamente sana, composta da persone sane… È a dir poco ridicolo.

O mundo está cheio de famílias heterossexuais que produziram indivíduos problemáticos, traumatizados por uma infância infeliz e por pais ausentes, incapazes de demonstrar afeto. Aqueles que afirmam que casais gays são mais propensos à violência ou mesmo que [seus] filhos podem vir a experimentar abuso sexual, não se dão conta como são risíveis… O noticiário está cheio de homens que são violentos com suas parceiras e filhos. Ontem, se falava de um pai de dois filhos que foi preso por abuso sexual. Mas a família era heterossexual e, portanto, deveria ser um saudável, composta de indivíduos saudáveis​​… É ridículo, para dizer o mínimo.

Certi Diritti [Certos Direitos], uma associação ligada ao Partido Radical, observa que esta posição não é nova para a ordem jurídica nacional, e sobre a sentença acrescenta que:

È molto importante che vi sia stato un riconoscimento da parte della Corte di Cassazione. Ora vedremo come i Tribunali applicheranno questa sentenza. Ma soprattutto chiediamo ai candidati al prossimo parlamento di prendere nota di questa sentenza, e di agire di conseguenza, facendo sì che Camera e Senato la smettano di non guardare alla realtà dei fatti e comincino invece a operare solo (!) sulla base della stessa.

É muito importante que tenha havido esse reconhecimento da parte do Tribunal de Cassação. Resta esperar para ver como os demais tribunais aplicarão a sentença. Entretanto, acima de tudo, pedimos aos candidatos nas próximas eleições parlamentares que tomem nota do presente acórdão e ajam em conformidade, certificando-se de que a Câmara e o Senado estejam atentos e operem apenas (!) com base nestes fatos.

Além do Papa, que discursou vários vezes sobre o assunto desde que o debate começou na França, o tema contou com a participação de outros representantes da Igreja Católica, dentre os quais Dom Vincenzo Paglia, presidente do Conselho Pontifício para a Família, e o bispo Domenico Sigalini, Presidente da Comissão da Conferência Episcopal Italiana para Leigos. Gayburg.blogspot.it reproduziu a declaração deste último:

Non si può costruire una civiltà attraverso le sentenze dei tribunali… Non può essere la legge a stabilire quale sia il rapporto migliore con i genitori. Né tocca a un tribunale stabilire quale sia la situazione ottimale per un bambino.

Não se pode construir uma sociedade com base em sentenças judiciais. A lei não pode determinar qual é o melhor relacionamento com os pais. Nem mesmo cabe a um tribunal decidir qual é a melhor situação para uma criança.

Respondendo a essas declarações, Nefrite escreve no blog Corriere della Sera:

Le uniche sentenze su cui costruire una civiltà sono evidentemente solo quelle della Sacra Rota, che decidono dell'inesistenza di un matrimonio da cui magari sono nati quattro figli…magari per uno dei cosiddetti “impedimenti dirimenti”, resi celebri ne I promessi sposi da Don Abbondio.

Os únicos julgamentos sobre os quais se funda uma sociedade são, obviamente, aqueles emitidos pelo Tribunal da Rota Romana [pt], que declarou inexistente um casamento no qual poderia se ter produzido quatro filhos… talvez um dos chamados “impedimentos dirimentes” [impedimentos que invalidam uma tentativa de casamento dentro do direito canônico] popularizados por Don Abbondio em “Os Noivos” [romance de Alessandro Manzoni] .

Aqueles que consideram a sentença negativa se dizem procupados com o bem-estar das crianças mas não conseguem oferecer evidências para apoiar os pontos de vista contrários. O portal linkiesta.it publicou um post de Monica Piccini, acompanhado por um vídeo em que crianças criadas por famílidas LGBT falam sobre suas experiências:

…. i figli under 18 delle Famiglie Arcobaleno hanno detto la loro in un film documentario Il Lupo in calzoncini corti delle filmaker Lucia Stano e Nadia Dalle Vedove. Due anni di riprese in compagnia di due famiglie miste per riprenderne la quotidianità, eccezionale e insieme ordinaria. «Come ci si senta con un papà – spiega Federico, 10 anni e due mamme – non lo posso sapere. Stando bene così non m’interessa come si sta in un altro modo».

… as crianças da Famiglie Arcobaleno [Famílias Arco-íris], todas menores de 18 anos, dizem o que pensam no documentário Il Lupo in calzoncini corti [O Lobo de Calcinha] feito pelas cineastas Lucia Stano e Nadia Dalle Vedove. Elas passaram dois anos filmando o cotidiano, extraordinário e ao mesmo tempo muito ordinário, de duas famílias mistas. “Como é ter um pai”, conta Federico, que tem 10 anos e duas mães, “nunca vou saber. As coisas estão bem desse jeito e não me interessa viver de nenhuma outra maneira”.

Dario De Gregorio, descreve sua experiência de paternidade LGBT no blog ildialogo.org:

In cosa differisce la nostra vita da quella di una qualsiasi coppia di genitori eterosessuali? Direi in pochissimo. E sicuramente non nella gestione quotidiana della nostra vita familiare che è fatta di pappe e cacche, tappe da percorrere, scoperte continue, gioie quotidiane. Forse la reale differenza (e credo possa essere un vantaggio) sta proprio nella nostra uguaglianza nella gestione della bambina: non c’è uno che ha partorito ed allattato e l’altro che è tornato al lavoro subito dopo. Io ed Andrea abbiamo sin dall'inizio vissuto in maniera paritaria quest'avventura condividendo allattamenti (artificiali…), veglie notturne, scoperte quotidiane. Ciascuno di noi con le proprie sensibilità e le proprie modalità, ma accomunati da questa meravigliosa esperienza.

Em que aspecto a nossa vida difere da vida de qualquer casal heterossexual? Eu diria que muito pouco. E certamente em nada na gestão diária da nossa vida familiar, que gira em torno de papinha, cocô de bebê, passinhos, descobertas contínuas, alegrias cotidianas. Talvez a diferença real (e eu acho que pode ser uma vantagem) reside em nossa igualdade no trato da nossa filha: não há ninguém que tenha dado à luz, amamentado e voltado a trabalhar logo depois. Andrea e eu temos vivido desde o início uma partilha justa nesta aventura. Vigílias noturnas, descobertas diárias. Cada um de nós, com a sua sensibilidade, compartilhando dessa experiência maravilhosa.

Photo by the authorÉ difícil obter estatísticas sobre o número de crianças que vivem neste arranjo famíliar, mas cresce no mundo todo o número de países que já adotaram uma legislação para apoiar casamentos e adoções homoparentais [pt]. E quando se trata de vida familiar, os problemas que surgem para famílias homossexuais não parecem ser particulares ou diferentes daqueles das famílias heterossexuais. Em várias ocasiões, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou países europeus que discriminam as pessoas LGBT.

A única coisa certa é que um um ser humano não pode escolher entre nascer preto, branco, amerelo, vermelho, homem, mulher, heterossexual ou homossexual.

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