[Esse é um post transregional sobre histórias em quadrinhos e intercâmbio cultural, em duas partes, produzido pelo GV América Latina e pelo GV em Português.]
Volume I: Histórias Invisíveis
O que há por trás do aumento do interesse por gibis em espanhol no reino dos quadrinhos do Brasil? Embora cercado por vizinhos cujo idioma é o espanhol, é estranho que os trabalhos artísticos desses países sigam pouco conhecidos por aqui.

Uma tira do artista argentino Liniers, publicada no Pós-Pop, um blog sobre a cultura pop. “(1) Aprender a voar (2) não é fácil. (3) Aprender a cair (4) tampouco. (5) Mas viver no solo é entediante”.
O mercado brasileiro de quadrinhos era bem diferente nos anos 1980-1990. Materiais estrangeiros traduzidos para o português, que não fossem gibis dos EUA, costumavam ser publicados em revistas como a Animal e a Heavy Metal. Não havia muitas lojas especializadas fora dos grandes centros naquele tempo. A Turma da Mônica, famosa tira convertida em série, fazia sucesso entre as crianças e atualmente é publicada em várias línguas, incluindo uma edição em espanhol – Monica y su pandilla [es].
Algumas poucas edições underground nacionais eram mais fáceis de achar naquela época, e nomes como Angeli, Glauco e Laerte vêm à memória. Curiosamente, em algum momento de suas carreiras, eles trabalharam juntos em uma tira chamada Los 3 Amigos, na qual adotavam o Portuñol como idioma oficial.
Hoje o mercado ganhou escala em termos de variedade. Tiras online fomentaram um novo cenário para artistas como Andre Dahmer, o criador dos Malvados.
E os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá ganharam os holofotes com seu aclamado trabalho Daytripper.
Mercados emergentes, embora invisíveis entre si
Sacudido pelas grandes mudanças no reino das HQs, trazidas pela internet e pelo maior acesso a conteúdos do mundo inteiro, o Brasil vem experimentando um momento de maiores trocas com uma variedade de culturas.

Pôster do festival de quadrinhos Viñetas con Altura 2012 [es] promovido na Bolívia.
Qual será o problema do Brasil com o resto da América Latina? Será que é a língua? Por que só queremos saber dos Quadrinhos norte Americanos, Europeus e Japoneses? Porque nos encanta tanto as culturas mais distantes, enquanto há tanto a ser descoberto logo aqui ao lado? Será que é só com a gente, ou do outro lado acontece a mesma coisa?
E Paulo Floro, em 2011, em um artigo para O Grito, um site sobre a cultura pop:
[Danilo] Beyruth, um dos quadrinhistas presentes na Fierro [es, mas o comentário refere-se à edição brasileira], esteve na Argentina recentemente. “Achei curioso eles terem um mercado de quadrinhos tão rico e tão desconhecido da gente. Um é completamente invisível do outro”. O oposto também acontece. “Eles não conhecem Laerte, Henfil, do mesmo modo que não conhecemos os autores deles”.
Quino e Maitena desfrutaram de algum sucesso por aqui, mas o que dizer de outros autores?

Arte da capa da revista Fierro [es], publicada na Argentina e agora também no Brasil.
(…) são raros os casos de quadrinistas argentinos que chegam ao Brasil – e também de outros países do continente.
E adicionou um mea culpa:
Se há algo pelo qual me recrimino é o total desconhecimento sobre a produção quadrinística dos outros países da América Latina.
Para a Garota Sequencial, esse desconhecimento vale para os os dois lados:
E isso é meio que recíproco: na entrevista que linkei (…), Liniers diz que Angeli é quase desconhecido na Argentina – O ANGELI!
Há dois grandes fatores empresariais que criam problemas para editoras independentes: “má distribuição e/ou preço proibitivo”. Por fim, ela comentou:
Agora que as fronteiras não são mais tão impossíveis de serem atravessadas, considero importante que voltemos os olhos para o que ainda não conseguimos enxergar, seja por leniência (no meu caso) ou simples inadvertência.
Como afirmou Gabriel Bá em uma retrospectiva de 2012:
O bom trabalho precisa de tempo pra amadurecer, o autor precisa de tempo pra ter o que falar. Não precisa ter pressa. O mundo não vai acabar.
Sem dúvida. E talvez até mesmo o público precise de um tempo para amadurecer. Talvez finalmente estejamos compreendendo isso.
![Quase Nada 191 [Almost Nothing 191]. Strip by Fábio Moon and Gabriel Bá, published on their blog [pt]. Used with permission. Quase Nada 191 [Almost Nothing 191]. Strip by Fábio Moon and Gabriel Bá, published on their blog [pt]. Used with permission.](https://globalvoicesonline.org/wp-content/uploads/2013/01/quasenada1911.jpg)
Quase Nada 191. Tira por Fábio Moon e Gabriel Bá. Reproduzida com autorização dos autores.