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Brasil em luto após o trágico incêndio no município de Santa Maria

Categorias: América Latina, Brasil, Desastre, Mídia Cidadã

Em 27 de janeiro último, a cidade universitária de Santa Maria, situada no centro do estado do Rio Grande do Sul, sofreu um trágico incêndio na boate Kiss. Considerado o segundo maior incêndio em número de vítimas no Brasil, o incidente levou à morte cerca de 231 pessoas, a maioria jovens, 90% por intoxicação.

O incêndio começou por volta das 2h30, quando a banda Gurizada Fandangueira tocava no palco, durante a festa “Agromerados”, organizada por alunos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O vocalista da banda ergueu  um centelhador de fogos de artifício e as faíscas atingiram o teto. As chamas se espalharam rapidamente. Seguranças e integrantes da banda tentaram apagar o fogo com extintores, sem sucesso.

Aos gritos de “fogo” o tumulto começou; um curto-circuito apagou a luz e sem indicações de saída, muitos se perderam no caminho. Alguns foram parar no banheiro. A boate não tinha saída de emergência: só havia um local de acesso, que funcionava como entrada e saída. As primeiras pessoas que chegaram a essa única porta acharam outra barreira – os seguranças, que impediam a passagem do público por falta de pagamento. Mesmo após a saída ser liberada, bombeiros e voluntários tiveram de quebrar as paredes da boate para aumentar a passagem e liberar parte da fumaça interna.

Boate Kiss depois do incêndio. Imagem partilhada no blog Sobre Isso. [1]

Boate Kiss depois do incêndio. Imagem partilhada no blog Sobre Isso.

Um artigo na Veja [2] cita o “assustador” depoimento de um sobrevivente, no Facebook. Ezequiel Real [3] diz:

Acompanhei o início do fogo que veio das faíscas do sparkles e se propagou pelo teto nas esponjas do isolamento acústico. Não me apavorei porque não achei que poderia lidar com a situação, mas vi muita gente entrar em pânico, cair e desmaiar umas por cima das outras, era um mar de gente descontrolada. Vi que muita gente em crise acessou a porta mais próxima, que era a do banheiro e se alojaram lá dentro. Vi o pessoal que trabalhava se escondendo até dentro de freezers! Quando vi que não tinha mais jeito de sair pela saída principal dei a volta na área Vip e sai pela lateral empurrando e pisando por cima de muita gente, acredito que não sairia se não fosse pela força que utilizei para passar pelas pessoas, ao sair olhava para baixo e via que pisava e cruzava por cima de mulheres e homens desmaiados.

Imagem postada na página  facebook Salve o Planeta! (partilhada 13.256 vezes). Voluntários quebram paredes com picaretas para ajudar na tragédia. [4]

Imagem postada na página facebook Salve o Planeta! (partilhada 13.256 vezes). Voluntários quebram paredes com picaretas para ajudar na tragédia. (Usada com permissão)

A via estreita e os carros estacionados atrapalharam o resgate. Ao tentarem entrar, bombeiros se depararam com uma barreira de corpos logo na porta – eram as vítimas que tentaram sair. Soldados tiveram de abrir caminho no meio dos corpos para tentar chegar às pessoas que ainda agonizavam. Muitos celulares tocavam ao mesmo tempo – eram parentes e amigos em busca de informações.

Findo o drama na boate, o desespero foi transferido para o Centro Desportivo Municipal, para onde os corpos das vítimas foram levados. Com a voz embargada pela emoção, Carlos Walau, um voluntário que ajudou no trabalho de identificação dos corpos, disse ao Jornal Zero Hora [5]:

Transportei o corpo de uma menina que estava com um celular que não parava de tocar. Deu sinal de mensagem, li e era a mãe dela perguntando onde ela estava.

O jornal online Meio Bit fez uma crítica às redes sociais através do post:  Tragédia em Santa Maria – Onde está o poder das redes sociais? [6] e relata a falta de sensibilidade e solidariedade humana, bem como a quantidade de  “lixo” e “ruído” encontrada em uma situação onde o mais importante era passar informações sobre o ocorrido e sobre como ajudar da melhor forma possível:

(…) Sempre encontramos pessoas dispostas a ajudar, divulgando links, telefones, fazendo doações e algumas se voluntariando in loco (algo que não é possível para a maioria, por questões geográficas). Mas a tal da revolução silenciosa das redes sociais passa despercebida diante da enxurrada de bobagem que circula pelas redes. Em questão de minutos, o Facebook estava inundado de montagens religiosas, de pessoas culpando e condenando o dono da boate, dizendo que a polícia agiu errado, fazendo afirmações levianas sobre um assunto que desconheciam, motivadas sabe-se lá pelo quê. Se você pretende ajudar de alguma forma, neste link [7] estão reunidas todas as informações necessárias.

Imagem de jeangalvao no instagram, #santamaria [8]

Charge de Jean Galvão para a Folha. Partilhado no instagram, #santamaria (usado com permissão)

Constatou-se que o alvará do Corpo de bombeiros da boate estava vencido desde agosto de 2012. O site Direito e Trabalho publicou um post intitulado Santa Maria ou o Jogo da Morte [9], em que aponta problemas gravíssimos como a negligência dos envolvidos, a falta de fiscalização e a impunidade e declara entre outras coisas:

(…) com certeza muitos serão indiciados, muitos condenados pela opinião pública, mas poucos pela Justiça. A culpada pela tragédia é a cultura do “jeitinho”, a cultura do “amanhã eu faço”, a cultura do “vamos do jeito que dá”, do “o que eu vou ganhar com isso?”, do “o que eu vou perder com isso?” E, principalmente, a nossa cultura jurídico-administrativa. A administrativa que não fiscaliza, a jurídica que não pune. (…) Agora, diante da tragédia, o que podem esperar os responsáveis? (…) O máximo que poderemos ter, após muito tempo é um processo criminal por crime culposo e a condenação em cestas básicas. (…)

Uma petição Avaaz foi lançada [10] para que se crie uma legislação no sentido de abolir totalmente a pirotecnia em ambientes fechados como boates e casas de show.

A Copa do Mundo e a Olimpíada foram citadas no portal da BBC [11]. No site, o editor da rede em São Paulo, Gary Duffy, disse que os eventos devem pressionar mais o governo brasileiro para reforçar as normas de segurança e a fiscalização de locais públicos.