É tempo de férias no Brasil. As crianças estão livres da escola e os pais tentam encontrar maneiras de entretê-las. Recentemente, um post no blog Viajando com Filhos apresentou o que supostamente seria uma série de dicas úteis para famílias viajando com suas babás. O post se tornou viral, não por causa de sua utilidade, mas pelo conteúdo evidentemente pretencioso:
Em outras oportunidades em que vc quer que ela [a babá] coma antes porque o restaurante é caro ou porque vão outros casais vc pode dizer problemas, tipo assim, “hj vamos a um restaurante com a comidas muito diferentes que vai demorar ou muito caro e etc, então vamos passar pra vc comer em algum lugar, vc prefere pizza ou Mc Donals”, porque, lembre-se ela está trabalhando.
Em meio ao crescimento econômico e à ascensão da nova classe média, conhecida como classe ‘C’ [en], a sociedade brasileira está testemunhando uma transição no trabalho doméstico. Nós já escrevemos sobre este tipo de emprego e a sua conexão com questões como inclusão social, más condições de trabalho, hierarquias sociais, desigualdades de gênero e empoderamento. Blogueiras Feministas, um blog que lida com questões de gênero, postou esta reação:
A mulher que escreveu esse post não é a única que pensa dessa maneira, portanto, não adianta culpar e crucificar apenas essa pessoa. As relações com trabalhadores domésticos no Brasil tem estreita relação com nosso passado escravocrata. Assim como ela, há muitos homens e mulheres brasileiros que encaram os trabalhadores domésticos como pessoas que devem ter gratidão por estarem empregadas e por terem a chance de conviver com uma família de classe social alta. Isso, quando não os tratam como bens da família, sem permitir qualquer tipo de vida particular.
Enfocando a problemática das babás que viajam com seus empregadores, Blogueiras Feministas acrescenta:
Trabalhadores que viajam a serviço recebem hora extra, diária para alimentação, transporte e não estão à serviço 24 horas por dia. Por que um trabalhador doméstico não estaria submetido as mesmas regras?
Refletindo sobre o papel dos pais e o debate em torno dos “salários altos” de trabalhadores domésticos, Blogueiras Feministas escreve:
Em outra reação, BiDê Brasil, um blog feminista e socialista , escreve:Questiona-se não só o valor pago para babás e diaristas, um trabalho menosprezado, não intelectual e majoritariamente feminino, como também questiona-se a maneira que cada mulher exerce a sua maternidade. Como se “cuidar das crianças” fosse apenas sua responsabilidade e o companheiro não tivesse nenhuma participação nessa relação. Perdem patroas e empregadas. Perdem as mulheres como um todo, quando não entendemos que o exercício das funções internas e domésticas são responsabilidade de todos os membros da família, independente do gênero.
Como disse no começo do texto não acho ser possível uma mãe dar conta de ser mãe, trabalhar, estudar e – no meu caso – militar. Não dá para dar conta, é extenuante, mas uma coisa é você saber quais são os flancos importantes para dividir o bem estar da criança e outra é delegar completamente a criação dos filhos para outrém.
Ela acrescenta que é necessário haver um debate sobre instalações públicas a serem oferecidas pelo Estado, tais como espaços públicos e bibliotecas. Também é preciso discutir a carga de trabalho e o tempo livre, para que homens e mulheres possam ter tempo para si mesmos. No entanto, nada justifica tratar babás como posses:
Mas isso não justifica tratar alguém que te ajude como se fosse um “item” da bagagem a se levar nas férias ou nas viagens.
Estas e outras reações fizeram com que o post fosse deletado, como afirma esta retratação:
Prezados leitores, sentimos muito que o texto do post “Viagem Levando Babás” tenha ofendido tanta gente. O objetivo do nosso blog nunca foi ofender ninguém e, por causa disso, retiramos o post do ar. Considerando o feedback de todos, a partir de agora teremos mais cuidado com o conteúdo publicado no blog.
Classe Média Sofre, uma página no Tumblr que “estimula a auto-crítica”, com base em histórias da classe média [en] e numa dose da “futilidade” própria de muitos brasileiros, postou um link para o post que deu origem à discussão, mas publicou, mais tarde, uma crítica contra algumas das reações:
mas é impressionante a facilidade com a qual pessoas que nem a conhecem já assumem imediatamente uma posição de superioridade moral e se arrogam o direito de fazer comentários fortíssimos que não se justificam (…)
Dando um tapa com luva de pelica, a página no Tumblr afirma:
jogar pedra na moça sem-noção que viaja com babás é a melhor maneira de não pensar na maneira como você trata seu porteiro.