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Tráfico humano para exploração sexual em debate no Brasil

Categorias: América Latina, Brasil, Espanha, França, Holanda, Suécia, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Mulheres e Gênero

No primeiro artigo [1] desta série, escrevemos sobre os contornos que está a tomar uma política europeia abolicionista da prostituição no continente. Foi dado enfoque à situação atual na França onde, tal como no Brasil, nem a criminalização nem a regulamentação da prostituição são defendidas com unanimidade, nomeadamente em certos círculos feministas e de profissionais do sexo.

No dia 6 de dezembro de 2012 em Bordeaux um casal de proxenetas que organizava a prostituição de jovens brasileiras em hotéis da cidade francesa foi condenado a três anos de prisão [2] [fr]. As 13 moças, exercendo a sua atividade sob pressão financeira e com seus documentos confiscados, foram recrutadas por brasileiros residentes na Espanha. Clientes que foram cúmplices no aluguer de quartos para as prostitutas foram condenados a penas de 3 a 4 meses de pena suspensa.

No Brasil, onde a notícia foi ignorada, o governo e a mídia estão tentando conscientizar sobre a importância do fenômeno de tráfico humano com fins de exploração sexual.

Uma pesquisa [3] do Ministério da Justiça publicada no início de outubro de 2012, realizada com a Secretaria Nacional da Justiça brasileira (SNJ), o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e governos de vários países revelou que, entre 2005 e 2011, pelo menos 337 pessoas, a maioria mulheres, foram obrigadas a deixar o Brasil por força ou por fraude e foram forçadas à prostituição. Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul registram mais casos de vítimas. Os principais destinos europeus são a Suíça (127 vítimas), a Espanha (104), e a Holanda (71). Nestes países a prostituição é permitida e regulamentada como qualquer outro trabalho.

Segundo o estudo, as vítimas têm entre 10 e 29 anos de idade, são solteiras e com um baixo nível de educação e de renda. Recrutamento e tráfico são principalmente geridas por mulheres, enquanto os homens são responsáveis por monitorar a atividade.

Um vídeo foi produzido pelos jornalistas Rafael Marcante, Juliet Manfrin, Vagner Krazt, Margareth Andrade e Thiago Correia descrevendo o processo:

Este cenário foi escolhido pela teledramaturga Gloria Perez na novela “Salve Jorge”. A novela das nove visa conscientizar sobre o tráfico internacional de seres humanos e dar visibilidade às vítimas. Gloria Perez afirmou [4]:

O tráfico de pessoas é um problema mundial e uma das formas mais rentáveis da criminalidade. Ainda assim, tem permanecido invisível e é tido como lenda urbana.

Num artigo intitulado “A hipocrisia alimenta o tráfico de mulheres [5]“, o jornalista Bruno Astuto comenta:

Existem duas realidades no tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. Na primeira, são moças enganadas por uma esperta rede de traficantes, que lhes promete empregos de garçonete, balconista ou dançarina no exterior […]. A outra realidade é a das moças que partem para o exterior sabendo que vão se prostituir.[…] Com Salve Jorge, esse silêncio será rompido, expondo à sociedade brasileira um crime que acontece tão ordinariamente sob suas narinas, mas que, pela hipocrisia com que se abordam a prostituição e a exploração sexual no país, foi colocado para baixo do tapete como se ele não existisse ou como ele se fosse descaramento de mulher da vida.

Legislar para atuar sobre o tráfico humano

Em finais de outubro tomou lugar o segundo Simpósio Internacional para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas [6] no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo.

Campanha do CNJ brasileiro [7]

Campanha do CNJ brasileiro

O presidente da Comissão de Acesso à Justiça e à Cidadania do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), conselheiro Ney Freitas chamou a atenção [8] para a ineficiência das instituições brasileiras no combate ao tráfico de pessoas:

É necessário motivar a operação legislativa para que seja proposta uma norma mais severa que sancione com mais gravidade esse tipo de crime.

A legislação brasileira só prevê punição ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. A lei não contempla explicitamente homens e crianças, tampouco a exploração em outros tipos de atividades. A senadora Lidice da Mata (PSB-BA) formulou uma proposta de lei para criminalizar todos os tipos de tráfico humano. Uma petição [9] do dia 18 de outubro está procurando apoio popular para que a lei seja levada à votação e aprovada.

A jornalista Priscila Siqueira luta contra a exploração sexual das mulheres, destacando [10] a importância do trauma das vitimas:

A mulher escravizada é reduzida a uma mercadoria. Ela precisa de ajuda para se reestruturar e de alternativas para se profissionalizar, ter uma ocupação e não voltar para a malha do tráfico.

A propósito do dia internacional contra a exploração sexual e tráfico de mulheres e crianças, 23 de setembro, o blog Coletivo Rosas de Liberdade [11] escreveu:

Frente a uma tragédia exposta (digna de ser lembrada em calendário), com raízes tão profundas, devemos denunciar essa situação criminosa e altamente violadora de direitos e exigir dos órgãos responsáveis pela promoção e efetivação dos Direitos Humanos a maior seriedade no combate a esse tipo de crime. Mas, além disso, denunciar essa estrutura social que coisifica seres humanos e explora inclusive sua dignidade.

No Brasil são também criticadas as pesquisas que não fazem distinção entre exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico de mulheres adultas e prostituição voluntária no exterior. O Professor de Antropologia na UFRJ Thaddeus Gregory Blanchette criticou a visão popular da “traficada típica” no Blog Bule Voador [12]: é impossível afirmar que que toda brasileira que esteja na Europa em situação de prostituição seja vítima de tráfico.

Iniciativas de prevenção online

A Agência Ford Models publicou um vídeo, com base na cartilha “Orientações para o Trabalho no Exterior”, do Ministério das Relações Exteriores:

A blogueira Daniela Alves atualiza [13] todos dias dados sobre o tráfico da vida humana, com a finalidade de ser um ponto de encontro, reflexão e informação entre aqueles que trabalham na prevenção e no combate ao Tráfico de Seres Humanos.

A ONG Brasileira Réporter Brasil coordena o programa “Escravo, nem pensar!”, com a missão de difundir o conhecimento a respeito de tráfico de pessoas. Com apoio do Ministério Público do Trabalho no Mato Grosso, a ONG editou um material [14] [pdf] para abordar o tráfico de pessoas na sala de aula.

Imagem da campanha do CNJ no Facebook [15]

Imagem da campanha do CNJ no Facebook

O projeto The Bridge colocou [16] na sua página Facebook informação sobre a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180, ligação sigilosa e gratuita) que recebe denúncias de violência, inclusive do tráfico de mulheres, além de orientações sobre direitos:

Levantamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) indica que, de janeiro a outubro deste ano [2012], o Ligue 180 recebeu 62 ligações procedentes sobre [o tráfico internacional de mulheres], das quais 34% vindas da Espanha, 34% da Itália e 24% de Portugal.