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Imigrantes marcham pela igualdade de direitos no Brasil

Categorias: América Latina, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Protesto, Relações Internacionais, Trabalho

No passado dia 2 de dezembro, uma manifestação de estrangeiros residentes em São Paulo saiu às ruas para reivindicar pleno acesso a direitos básicos como saúde, segurança e trabalho decente. A VI Marcha dos Imigrantes teve como ponto de partida a Praça da República, no centro da cidade, passando pela Câmara Municipal de São Paulo, onde seus organizadores pararam alguns minutos para discursar.

A maioria dos manifestantes era de origem latino-americana e africana, e vive na capital paulista onde luta para ter os mesmos direitos que os cidadãos brasileiros natos. São homens, mulheres e crianças que fugiram da pobreza e da insegurança de seus países e esperam construir no Brasil seu novo lar.

No entanto, o sonho muitas vezes torna-se um pesadelo e essas pessoas passam a enfrentar problemas para os quais seu estatuto de estrangeiro dificulta o pleno acesso à justiça, principalmente se estiverem em situação ilegal. Alguns desses indivíduos, principalmente bolivianos, acabam por cair na rede de exploradores de mão de obra estrangeira ilegal, levando-os a condições laborais próximas da escravidão [1]: horas excessivas de trabalho, salário muito abaixo do piso estabelecido por lei, desrespeito às normas mínimas de segurança e higiene, habitações imundas e superlotadas.

"Eu sou cidadão do mundo". Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012) [2]

“Eu sou cidadão do mundo”. Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012)

O blog Pandora descreve [3] bem essa situação silenciosa, mas violenta vivida por esses estrangeiros:

É muito difícil encontrar, na grande maioria dos bairros da capital paulista, imigrantes de origem boliviana. Porém, a cada dia que passa, o número de pessoas com traços indígenas e falantes de um espanhol mais arrastado que o normal só aumenta na cidade, quase que na surdina. Isso ocorre porque, normalmente, esses imigrantes se encontram nos bairros centrais da cidade – principalmente onde as roupas são mais baratas – enclausurados em fábricas, em condições insalubres de trabalho, ou vendendo seu artesanato em feiras. Esse é o panorama de mais de 200 mil bolivianos, imigrantes legais e ilegais, que vivem na cidade de São Paulo.

O fato é que embora o Brasil seja um país construído com a força dos imigrantes, a última grande vaga de estrangeiros que se estabeleceu no país foi no começo do século XX. Desde então, dado os inúmeros choques econômicos, o processo se inverteu e o Brasil passou a ser um país de emigrantes [4]. Tal quadro fez com que os políticos brasileiros deixassem de lado a atualização da legislação concernente aos imigrantes, que aliás é do período da ditadura, impedindo que se pusessem em prática um acordo de livre trânsito de pessoas e de mercadorias entre os países do MERCOSUL, tal como o Espaço Schengen [5] da União Europeia.

Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012) [6]

“A migração amplia a visão do mundo”. Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012)

A esse respeito o site O Estrangeiro republica uma entrevista [7] bastante esclarecedora com o coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CEDIC), Paulo Illes:

No Brasil especificamente, o Estatuto do Estrangeiro é extremamente discriminativo, notadamente pelo fato de ser produto dos anos de chumbo [o período mais repressivo [8] da ditadura militar do Brasil [9]], quando o estrangeiro era tratado como uma ameaça para a segurança nacional e neste quadro jurídico arcaico, marcado pelo autoritarismo e falta de democracia, toda a responsabilidade no tratamento ao migrante é da alçada da Polícia Federal.

A ênfase dos governos do bloco sul-americano no aspecto econômico em detrimento dos direitos civis mostra um lado pouco discutido do MERCOSUL, que de fato é uma união aduaneira e não política. O Brasil, por exemplo, teme que quando suas fronteiras sejam completamente abertas aos parceiros do bloco, haja uma entrada violenta de cidadãos dos países mais pobres no país e isto sobrecarregue suas instituições e sua economia.

Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012) [10]

“Temos o direito de escolher onde morar”. Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012)

Mas não é só isso. O governo brasileiro teme que o estabelecimento do sistema de livre trânsito de pessoas e mercadorias exponha o país a riscos de segurança para os quais ele ainda não se sente preparado para enfrentar. Um exemplo é a possível entrada de criminosos que tenham se aproveitado de legislações mais flexíveis em matéria de imigração nos países vizinhos para se estabelecer no Brasil.

O caso da Bolívia é ainda mais complicado, já que o país não é Estado-membro do MERCOSUL, mas associado e sua fronteira considerada uma importante rota para o narcotráfico [11]. Uma vez dentro do Brasil esses novos “imigrantes” teriam à sua disposição um vasto mercado, sem dizer que usariam os portos e aeroportos brasileiros como plataformas para a exportação de drogas para a Europa e os EUA.

Marcha dos IMigrantes em São Paulo. Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012) [12]

Imigrantes no Brasil saem às ruas exigindo direitos e melhorias nas leis de imigração. Marcha dos Imigrantes em São Paulo. Foto de Juliana Spinola copyright Demotix (02/12/2012)

O caminho para se estabelecer um Estado de justiça social no Brasil é ainda longo, mas inevitável. Se o país quiser manter a paz em suas cidades e as boas relações com os seus vizinhos terá obrigatoriamente de zelar pela assimilação e o respeito às identidades dos imigrantes que entraram no país legalmente. Ao mesmo tempo, é fundamental que se mantenha o estrito controle de quem entra no país: ser um país justo e receptivo aos imigrantes não significa dar abrigo a criminosos.

Demonstrações como a Marcha dos Imigrantes mostram uma direção correta: fazer-se conhecidos dos brasileiros nativos, mostrar seus rostos, seu português com sotaque, onde e como vivem, suas condições de trabalho e fortalecer associações de imigrantes para assim exigir seus direitos dentro da legalidade. É, enfim, incentivar a conscientização tal como diz Roque Patusso, coordenador do Centro de Apoio ao Imigrante (CAMI) em entrevista [13] publicada no blog Bolívia Cultural:

Um dos avanços conquistados é uma consciência mais crítica do próprio imigrante, de que ele é o sujeito capaz de mudar alguma coisa. O que percebemos é que aumentou o número de pessoas na marcha, mas também a consciência das pessoas quanto aos seus direitos. Esse é o objetivo da marcha, conscientizar.