Qual o Papel do Exército na África?

O exército frequentemente teve um papel determinante, mas ambíguo, no desenvolvimento do processo político na África. Entre 1950 e 2000, 53 países africanos sofreram 85 golpes de Estado que levaram a uma mudança de regime. Depois de um período de descanso na década de 90, o continente africano continua a ser o que mais sofreu golpes de Estado na década de 2000, com 27 tentativas de golpe [en]. Podendo ser às vezes um fator de consolidação ou de desestabilização [fr] dos regimes, o exército é apontado em muitos países como o responsável por isso e parece não ser capaz de se adaptar às mudanças de mentalidade.

l'armée entoure Rajoelina lors de la prise de pouvoir en mars 2009 - Domaine publique via Topmada

O exército apoia Rajoelina quando da tomada do poder em março de 2009 – Domínio Público via Topmada.

 

Um problema de competência e de remuneração

No Mali, a ausência de convicção na resolução do conflito no norte do país foi a primeira razão invocada pelo capitão Sanogo para tirar do poder Amadou Toumani Touré. Contudo, depois do golpe de 22 de março de 2012 [en], o exército ficou impotente na reconquista do norte [en] do Mali e parece resignado a esperar o apoio de forças armadas internacionais para caçar os grupos islamistas da região. Se o capitão Amadou Sanogo [en] dá a impressão de ter deixado as autoridades civis e o presidente interino Dioncounda Traoré como presidente do país, ele continua uma figura incontornável da transição atual e à frente do Comitê Nacional para a Recuperação da Democracia e para a Restauração do Estado [fr] (CNRDRE).

O Capitão Sanogo, chefe dos militares amotinados. Foto via @Youngmalian

O capitão Sanogo começou sua formação militar na academia militar de Kati e depois nos Estados Unidos, inicialmente em Lackland, Texas, depois em Fort Benning, Geórgia, passando por Fort-Wachica, Arizona. Durante o breve período de Sanogo à frente do país, o MNLA, aliado de diferentes grupos islamistas entre os quais o AQMI, conquistou militarmente toda a metade do norte do Mali e declarou a independência do Azawad. Mas, se podemos discutir as competências militares de Sanogo, não resta dúvida de que ele não adquiriu as competências políticas necessárias, como se vê por suas múltiplas interferências e decisões unilaterais na direção do país. Aqui está um vídeo da entrevista dada por Sanogo depois de ter entregado o poder ao presidente interino, por MrMaliweb:

Em Madagascar, o exército teve um papel crucial nos acontecimentos que levaram à crise política atual. Um vídeo feito durante a tomada do poder por Rajoelina relata o desenvolvimento do golpe de Estado e o papel do exército nele:

Um leitor de Tananews escreveu que o exército malgaxe sacrificou sua missão por um problema de remuneração:

En effet, l’argent et la corruption ont joué un rôle déterminant en faveur de cette interminable crise.
Devant le monde entier, l’Armée Malagasy aura fort à faire pour redorer son blason !
Nombre d’officiers ont préféré sacrifier leur Honneur et leur Fierté, pour accéder à des postes éphémères! Sont-ils fiers de porter leurs nouveaux galons, qu’ un pouvoir Illégal, leur a attribué ?
qu’ils se posent eux même la question [..] Pour sauver notre pays, il n’y a pas trente six milles solutions:
– Soit l’Armée Malagasy se reprend en main et vienne grossir les rangs du vahaoaka;
– Soit l’Armée Malagasy continue de jouer les marionnettes.

Na verdade, o dinheiro e a corrupção têm desempenhado um papel fundamental para esta crise interminável.
Perante o mundo todo, o Exército Malgaxe deverá trabalhar duro para melhorar a sua imagem!
Muitos oficiais preferiram sacrificar a sua Honra e Orgulho, para conseguir postos efêmeros! Eles têm orgulho de seus novos postos, que o poder ilegal lhes deu?
Que eles se façam a mesma pergunta […] Para salvar nosso país não há 36 mil soluções:
– Ou o Exército Malgaxe retoma o bom caminho e junta-se às fileiras dos vahaoaka;
– Ou o Exército Malgaxe continua a ser manipulado como fantoche.

Juvence Ramasy, politólogo em Madagascar, publicou um artigo sobre o papel das forças armadas na estabilidade política e democrática para o Conseil pour le développement de la recherche en sciences sociales en Afrique [fr] (pt: Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África). Ele explica:

Afin que la neutralité politique de l’armée soit réellement effective, la démilitarisation du pouvoir politique doit être réalisée, car le retrait du personnel militaire de l’exercice direct du pouvoir politique exécutif et la subordination de l’institution militaire aux décisions civiles ne suffisent pas à assurer cette neutralité politique. Ce retrait s’est réalisé à travers la troisième vague de démocratisation. Cependant la transition va là où vont les militaires.

Para que a neutralidade política do exército seja realmente eficaz, a desmilitarização do poder político deve ser realizada, pois a retirada dos militares do exercício direto do poder político executivo e a subordinação da instituição militar às decisões civis não são suficientes para assegurar essa neutralidade política. Essa retirada realizou-se através da terceira onda de democratização. No entanto, a transição vai aonde vão os militares.

Mathieu Pellerin, pesquisador do “Institut Français des Relations Internationales” (IFRI), explica que durante cada crise, os atores políticos malgaxes tentam conseguir os favores das forças armadas:

L'armée malgache a une tradition légaliste […] Cela ne veut pas dire pour autant que l'armée ne joue aucun rôle, bien au contraire. Je la qualifierai de force de dissuasion en raison de la menace qu'elle fait peser. Chaque camp sait qu'il devra se soumettre à son bon vouloir. En 2002, le ralliement des forces réservistes à Marc Ravalomanana a pesé dans le rapport de force. […] Andry Rajoelina s'est entouré de militaires, en premier lieu le Général à la retraite Dollin Rosoloa qui fut son directeur de cabinet à la Mairie d'Antananarivo, et les Généraux Blake et Organes qui servaient sous Marc Ravalomanana. Ils doivent de ce fait avoir une influence sur certaines franges de l'armée malgache.

O exército malgaxe tem uma tradição legalista. […] Isso não quer dizer que o exército não tem papel algum, muito pelo contrário. Eu qualificaria de dissuasão em razão da ameaça que ele representa. Cada lado sabe que deverá se submeter à sua vontade. Em 2002, o apoio das forças reservistas a Marc Ravalomanana pesou na balança do poder. […] Andry Rajoelina cercou-se de militares, primeiro o general reformado Dollin Rosoloa, que foi seu chefe de gabinete na prefeitura de Antananarivo e os generais Blake e Organes, que serviam sob a autoridade de Marc Ravalomanana. Eles devem por isso ter influência em certos setores do exército malgaxe.

Em seu livro “Madagascar, le coup d'Etat de mars 2009“, o professor Solofo Randrianja explica o mecanismo de corrupção do exército durante a crise atual:

Rajoelina accorde différents avantages [aux militaires] afin s'assurer de leur soutien et de leur fidélité. L'octroi de primes de 3,2 milliards d'ariary à l'ensemble des forces armées lors de la fête de l'indépendance de 2009 relève de cet esprit […] pour éviter que la redistribution clientéliste ne perdure, il faudrait que l'institution militaire soit sous contrôle démocratique et non plus sous un contrôle civil.

Rajoelina oferece várias vantagens [aos militares] para garantir seu apoio e lealdade. O bônus de 3,2 bilhões de ariary [moeda malgaxe] a todas as forças armadas durante o Dia da Independência de 2009 está nesse espírito […] para evitar que a redistribuição clientelista deixe de perdurar, seria necessário que a instituição militar estivesse sob o controle democrático e não mais sob um controle civil.

Um exército frequentemente sob pressão e dividido

Na Costa do Marfim, depois de uma guerra civil que deixou suas marcas, o exército (FRCI) está ainda sob a pressão de milicianos fiéis ao antigo regime de Gbagbo. Alguns confrontos ocorreram em agosto de 2012 perto da capital Abidjan, aumentando os temores de um retorno da insegurança. Richard Banegas, professor no Ceri-Sciences-Po, afirma que as inquietações são justificadas:

Beaucoup d’anciens miliciens de Gbagbo sont encore dans la nature, au Ghana ou au Liberia, voire à Abidjan, dans une clandestinité très relative. Les plus radicaux sont dans une logique va-t-en-guerre messianique et alimentent une «rhétorique du retour» de leur leader.[..] De plus, les réformes pour une armée nationale sont bien en cours, mais cachent parfois un renforcement des cadres issus de la rébellion pro-Ouattara, au détriment d’une hiérarchie régulière et donc plus juste.

Muitos dos ex-milicianos de de Gbagbo ainda estão escondidos em Gana, na Libéria, mesmo em Abidjan, em uma clandestinidade bastante relativa. A maioria dos radicais está em uma lógica de guerra messiânica e alimenta uma “retórica do retorno” do seu líder. […] Além disso, as reformas para um exército nacional estão bem encaminhadas, mas às vezes escondem um reforço dos quadros advindos da rebelião pró-Ouattara em detrimento de uma hierarquia regular e, consequentemente, mais justa.

Na Guiné, o golpe de Estado de dezembro de 2008 levou ao poder o capitão Dadis Camara. Seu regime terminou durante a primeira eleição democrática do país em 2010, mas não sem passar por uma repressão sangrenta em 2009 que matou mais de mil pessoas durante uma manifestação anti-junta. As divisões internas do exército são ainda palpáveis nas tensões atuais [en].

Na Mauritânia, o general golpista e atual presidente Aziz foi recentemente vítima de disparos à arma de fogo [en] que levaram ao seu afastamento na França. As especulações abundam sobre a origem desses disparos e as medidas que poderiam tomar os militares se a convalescença de Aziz no estrangeiro durar mais tempo do que o previsto.

O retorno do pretorianismo é um fato indiscutível em muitos países africanos. Como afirma Juvence Ramasy, parece urgente que a desmilitarização do político bem como sua despolitização, mas também a profissionalização do exército sejam impostas nos países onde a democracia é ainda frágil.

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