A carta lançada no início de outubro de 2012 pela comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue / Mbarakay, no estado do Mato Grosso do Sul (MS), levou a uma mobilização enorme no Brasil e também no exterior. Muitos cidadãos seguiram na internet a luta que estes índios travam no município de Iguatemi, sob mais uma ameaça de despejo das suas terras, e assinaram em massa várias petições online. Essa mobilização foi um sucesso, uma vez que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, suspendeu operação de retirada dos índios Guarani-Kaiowás do acampamento onde se encontram, atendendo a pedido da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Maria do Rosário, Secretária Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da República, anunciou no dia 30 de outubro no Twitter:
@_mariadorosario: Acabamos de receber decisão judicial que suspende reintegração de posse do território dos Guarani-Kaiowá. Recurso do Gov.Federal foi acatado!
Os 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças da tribo Guarani-Kaiowá poderão ficar na fazenda Cambará no Iguatemi-MS, onde têm estado confinados em uma área de 2 hectares (equivalente a dois campos de futebol). A decisão deverá vigorar até a identificação e demarcação final do território indígena pela FUNAI.
A solução é precária, uma vez que relações com o proprietário continuam tensas e perigosas. Na quarta-feira 24 de outubro, uma indígena de Pyelito Kue foi abusada sexualmente por oito homens em uma fazenda, conforme denunciaram os indígenas. Ministério da Justiça enviou novo efetivo da força nacional para manter ordem na região.
Para o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeidaa mobilização das redes sociais foi um sucesso:
a mobilização das redes sociais foi definitiva para alcançar esse resultado. Provocou uma reação raramente vista por parte do governo quando se trata de direitos indígenas.
Líderes Guarani-Kaiowá, denunciando o genocídio impetrado à etnia, comemoraram os anúncios, mas avaliaram que só a demarcação das terras cessará o conflito entre índios e produtores rurais da região. Eles procuram aumentar a rede de solidariedade aos Guarani-Kaiowá. A luta não é somente contra os despejos, mas pela demarcação definitiva das terras indígenas.
Ladio Veron, liderança Guarani-Kaiowá explica as dificuldades ao site Carta Maior, numa entrevista publicada no dia 28 de outubro:
No estado de Mato Grosso do Sul, 43.000 índios Guarani-Kaiowás exigem um retorno em suas terras originais que eles chamam de “tekoha”. Eles querem deixar a reserva e instalar acampamentos, que são na sua maioria legais. Existem hoje mais de 30 acampamentos Guarani-Kaiowá confinados em estradas ou dentro de fazendas em áreas que os índios ocuparam. Adicione a isso mais de 20 áreas que foram recuperadas e regularizadas após forte pressão dos nativos que perderam vários líderes comunitários na luta. No entanto, todas essas áreas são muito limitadas.
Uma nota técnica da FUNAI publicada em março de 2012 [pdf] concluiu que o território reivindicado pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupado desde tempos ancestrais pelas etnias Guarani e Kaiowá. Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena, e principalmente a partir dos anos 70 e 80, acentuou-se a expulsão dos índios em favor de proprietários de terras agrícolas (principalmente para aumentar a produção de cana ou de soja), além do confinamento e regrupamento de diferentes grupos étnicos, resultando em insegurança e desenraizamento cultural e social.
O site do Comitê internacional de solidariedade com o povo Guarani e Kaiowá se refere ao peso econômico da produção de cana nessa região:
“A cana que hoje está sendo plantada lá e colhida como etanol já é misturada com sangue indígena Guarani Kaiowá”, disse o cacique. O peso do agronegócio na região teve uma guinada após acordo do ex-presidente brasileiro Lula com ex-presidente dos Estados Unidos George Bush sobre a produção de biocombustíveis.
Um artigo de Larissa Ramina, Professora de Direito Internacional da UFPR e da UniBrasil, explica a tragédia anunciada no site Carta Maior:
A situação dos Guarani-Kaiowá, segundo grupo mais numeroso do país, é considerada a mais grave. Confinados em reservas como a de Dourados, encontram-se em situação de catástrofe humanitária: além da desnutrição infantil e do alcoolismo, os índices de homicídio são maiores que em zonas em guerra, como o Iraque.
Um comunicado diplomático de 2009, vazado pelo Wikileaks, mostra o desdém das autoridades do Mato Grosso do Sul em face da demanda dos Guarani Kaiowá pelas terras cultivadas por produtores há décadas.
O Ministério Público Federal, instituição federal com intenção de representar os interesses dos cidadãos e das comunidades em processo penal (o quarto poder do Brasil) disse:
Afastar a discussão da ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e quando o Estado-Juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado.
O deputado estadual Pedro Kemp, líder do PT, afirmou na Assembléia legislativa do Mato Grosso do Sul, no dia 31 de outubro, que:
Desenvolvimento não é só produção de boi, milho e soja, mas também respeito ao povo, direito a cidadania. O desenvolvimento deve ser econômico e social, com diretos a todos.
Os índios mandaram agradecimentos através de um grupo do Facebook [fr] criado em solidariedade, na língua francesa:
Nós, Guarani Kaiowá e os sobreviventes que realmente querem sobreviver, desejamos com esta mensagem simples expressar publicamente nossa imensa gratidão a todas e todos que acrescentaram Guarani-Kaiowá a seus nomes. Como todos sabem, os Guarani e Kaiowá, sozinhos, podem ser exterminados, mas estamos confiantes de que, com a real solidariedade humana e o apoio de todos vocês, podemos ser salvos de várias formas de violência contra nossas vidas e, especialmente, evitar a extinção do nosso povo. Graças a esse seu gesto de amor pela nossa vida, sentimos um pouco de paz e esperança em uma verdadeira justiça. Entendemos que há cidadãs e cidadãos movidos por um genuíno amor ao próximo, que têm sede de justiça e exigem esta justiça. Não temos palavras para agradecer a todos. Só dizemos JAVY'A PORÃ, a paz esteja em seus corações. Muito obrigados.