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Empreendedorismo, Cultura e Solidariedade na África

Categorias: África Subsaariana, Camarões, Mali, República Democrática do Congo, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Trabalho

Desde o início dos anos 2000, o empreendedorismo na África [1][fr] tem apresentado um forte crescimento [2][fr]. Contudo, esse desenvolvimento não se irradiou por todos os setores do mercado e de modo frequente parece limitar-se à prestação de serviços e ao comércio. A África possui 65 milhões de Pequenas e Médias Empresas (PMEs) [1] [fr], apesar disso ainda está trabalhando com afinco para desenvolver uma classe de empresários locais para gerir atividades estratégicas, especificamente exportação de matérias primas agrícolas, mineração, transportes e prestação de serviços públicos, nas quais o mercado frequentemente lança mão de gestores estrangeiros.

Simultaneamente, o entusiasmo dos investidores com a África, que muitos veem como o mais recente Eldorado para os que procuram uma alternativa aos mercados asiáticos, influencia as políticas dos governos locais que estão interessados em desenvolver seus setores privados. O último relatório [3] [fr] do Banco Mundial indica que as reformas levadas a efeito pela maioria dos governos africanos aperfeiçoou o ambiente para os negócios nos domínios administrativo, fiscal e regulatório.

 

[4]

Usina da Companhia Senegalesa de Açúcar (Senegal), por Manu25, na Wikipedia, sob licença Creative Commons

Numerosos acadêmicos e pesquisadores examinaram a influência das práticas culturais a fim de compreender a aventura empresarial na África. Suas pesquisas os conduziram a levar em consideração o peso de valores culturais e de princípios arraigados na psique dos homens de negócios africanos para avaliar o sucesso dos empresários.

A questão da irracionalidade das escolhas econômicas dos dirigentes empresariais africanos, face à pressão social da etnia ou de suas famílias estendidas, por exemplo, foi objeto de estudos profundos.

Histórias de sucesso na África – líderes empresariais africanos bem sucedidos de news21TV. Com M. Dogui, presidente do clube Africagora

Valores tradicionais africanos frente à economia liberal

Kabeya Tshikuku, professor do Instituto de Pesquisa Econômica e Social (IRES) da Universidade de Kinshasa, explica que a lógica empresarial está obrigando os formuladores de políticas africanos a fazer uma escolha difícil entre os valores fundamentais de sua civilização (solidariedade familiar, bem-estar do próximo e formas espontâneas de apoio) e a administração empresarial, vinculada à busca de lucro desprovida de respeito humano. As bases do capitalismo, utilitarismo e individualismo, encontraram  grande resistência [5] [en] no inconsciente africano.

Africa and Africans are not liable guilty of any offence in the form of irrationality. The « cultural issue” lies elsewhere, as far development is concerned. It lies entirely in the distinction made by each culture between « cardinal values of civilization ” and the “ instrumental values”. From the strict cultural point of view, two systems are competing for the allegiance of people and the allocation of resources. […] To put it clearly, Africa is navigating between two competing systems of culture, the retrograde system of management of people and the (revolutionary?) administration of things. The reasons for existence and action have not yet completely lost their roots in the pre-capitalist system; they have not yet taken root in the capitalist system. The old framework of lifelong solidarity has not totally disintegrated; the new framework of capitalist individualism has not finished moving in.

A África e os africanos não são culpáveis por nenhum pecado de irracionalidade. Os fatores culturais encontram-se noutro lugar, no que concerne aos problemas do desenvolvimento. Eles estão inteiramente na distinção feita por cada cultura entre os “valores fundamentais da civilização” e os “ valores instrumentais”. Do ponto de vista estritamente cultural, dois sistemas estão competindo pela consciência das pessoas e pela alocação de recursos. […] Colocando de maneira mais clara, a África está navegando entre dois sistemas concorrentes de cultura, o sistema arcaico de gestão de recursos humanos e a (revolucionária?) administração de bens. As razões de existência e de ação ainda não perderam completamente suas raízes no sistema pré capitalista e ainda não se enraizaram no sistema capitalista. O antigo contexto de solidariedade não se desintegrou totalmente, o novo contexto de individualismo capitalista não terminou sua marcha.

Combinar solidariedade e crescimento

O crescimento sustentado do PIB do continente durante a última década indica que o capitalismo, racional e individualista, instala-se de maneira progressiva ainda que desigual sobre todo o continente. Ele penetra a consciência coletiva na mesma proporção da eficiência e mesmo da agressividade das reformas levadas a cabo pelos governos para dinamizar o setor privado. A governança corporativa tornou-se um tema central para a comunidade empresarial notadamente após a onda do escândalo ENRON nos Estados Unidos. Saberão os empresários africanos como integrar os princípios da governança corporativa para colocar o procedimento solidário e a primazia do grupo sobre o indivíduo a serviço da empresa?

O ex-Ministro do Investimento, Indústria e Comércio do Mali, Amadou Abdoulaye Diallo, destacou que a África é o exemplo por excelência do paradoxo. Ele explica [6] [fr] a Célia d'ALMEIDA no Jornal do Mali:

Il y a une décennie, l’environnement socio-économique en Afrique était jugé défavorable à la création et au développement de l’entreprise. Dans certains pays, le cadre juridique des affaires n’est pas très incitatif à cause de la faiblesse, voir l’absence, d’accès au crédit, l’accès difficile à l’information sur les opportunités d’affaires, du manque de soutien au jeune entrepreneur (absence d’incubateurs d’entreprises) et de l’insuffisance de main d’œuvre qualifiée pour la gestion de l’entreprise. À tout cela, s’ajoutait le manque de stratégie politique. Mais, depuis quelques années, des pays africains comme le nôtre, ont amorcé d’importantes réformes pour faciliter la création d’entreprise et offrir un climat favorable au développement des entreprises.

Na década passada o ambiente socioeconômico na África era considerado desfavorável à criação e ao desenvolvimento de empresas. Em alguns países a estrutura do sistema legal empresarial é desestimulante devido a sua incipiência, haja vista a falta de acesso ao crédito, o  acesso difícil a informações sobre oportunidades de negócios, a falta de apoio a jovens empresários (inexistência de incubadoras de empresas) e a insuficiência de mão de obra qualificada para a gestão de empresas. Junte-se a isso a falta de estratégia política. Contudo, há alguns anos países africanos como o nosso iniciaram reformas importantes para facilitar a criação de empresas e oferecer um clima favorável ao desenvolvimento empresarial.

Nos Camarões, Richard Ewelle no Kamer Blog conclui [7] [fr], sobre a cultura e o empreendedorismo na África:

Le développement de l’entreprenariat en Afrique passera par la création d’un concept d’entrepreneuriat africain et pas forcément par la copie conforme de ce qui existe à l’étranger. Nous devons associer les bonnes pratiques occidentales en matière de création d’entreprise, au contexte et aux concepts africains. Le concept de l’entrepreneuriat africain sera basé sur la valorisation de la culture africaine mais aussi sur le développement solidaire en mettant en avant l’environnement socio-économique.

O desenvolvimento empresarial na África passará passará pela criação de um conceito de empreendedorismo africano e não necessariamente pela cópia do existente no exterior. Devemos associar as melhores práticas ocidentais em matéria de criação de empresas ao contexto e aos conceitos africanos. O conceito de empreendedorismo africano será baseado na valorização da cultura africana e também no desenvolvimento solidário impulsionando o ambiente socioeconômico.