Alemanha: Refugiados fazem greve de fome contra política de dissuasão

No dia 24 de outubro de 2012, 25 requerentes de asilo entraram em greve de fome diante do Portão de Brandemburgo em Berlim. A ação nesse local simbólico, que representa a divisão violenta de uma comunidade humana pela política [o Muro de Berlim, que dividiu a cidade em duas partes, uma socialista e a outra capitalista, entre 1961 e 1989, passava pelo Portão de Brandemburgo, que deixou de ser uma área de trânsito livre até a queda do Muro], é o último ponto de uma reação em cadeia iniciada em fevereiro pelo suicídio do iraniano Mohammad Rahsepar em um abrigo para requerentes de asilo em Wurtzburgo.

Protestlager in Berlin vor dem Brandenburger Tor

Acampamento de protesto em frente ao Portão de Brandemburgo, em Berlim (Foto: Metronaut.de, CC-BY-SA)

Suicídios não são raridade em abrigos para requerentes de asilo na Alemanha. Em muitos lugares, refugiados são despachados para campos distantes que parecem prisões. Suas garantias sociais são pagas em forma de vales, eles não podem trabalhar e não há cursos de alemão suficientes para todos. Enquanto os requerentes de asilo – excluídos espacial e socialmente, amontoados em moradias apertadas – aguardam durante anos até que seu requerimento seja processado, eles não podem deixar o distrito designado para eles pelas autoridades de imigração (permanência obrigatória). Apesar da pressão exercida há anos pela população e das denúncias feitas por organizações de defesa dos direitos humanos, o governo tem mantido essas condições desumanas com o objetivo de dissuadir refugiados, como resume Kay Wendel no blog no-racism [de]:

Konsens unter den etablierten Parteien von SPD bis CDU/CSU war, »Dämme gegen die Fluten« zu errichten und weitere Flüchtlinge abzuschrecken, indem ihre Lebensbedingungen so unattraktiv wie möglich gemacht wurden. Ein »Bündel flankierender Maßnahmen« wurde verabschiedet: Lagerpflicht, Residenzpflicht, Arbeitsverbot, Gutscheine statt Bargeld, Essenspakete, gültig bis heute.

O consenso entre os partidos tradicionais, do SPD [Partido Social-Democrata da Alemanha] ao CDU/CSU [União Democrata-Cristã], foi contruir “diques contra a inundação” e dissuadir futuros refugiados, tornando suas condições de vida o menos atrativas possíveis. Um “pacote de medidas” foi aprovado: acampamentos obrigatórios, permanência obrigatória, proibição de trabalhar, vales ao invés de dinheiro, pacotes de alimentação, até hoje em vigor.

Flüchtlingsprotest in Würzburg

Manifestação organizada por refugiados em Wurtzburgo (Foto: Blog dos refugiados iranianos em greve de fome em Wurtzburgo, gustreik.blogsport.eu, CC BY-NC-SA)

Após Mohammad Rahsepar se enforcar em fevereiro ocorreram manifestações espontâneas [de] em Wurtzburgo. Como elas foram completamente ignoradas pelos políticos, muitos refugiados entraram em greve de fome e ergueram um acampamento de protesto permanente. Eles precisaram defender seu direito a organizar manifestações e à greve de fome em um processo jurídico contra a cidade de Wurtzburgo. Ainda assim, os políticos não esboçaram qualquer reação.

Requerentes de asilo de outras cidades tiveram sua participação nos protestos em Wurtzburgo, em parte, proibida, com base na residência obrigatória. Como resultado, durante o verão, refugiados ergueram acampamentos de protesto em outras oito cidades, batizados de “Refugee Tent Action” [“Ação em Tendas dos Refugiados”]. Por fim, no dia 8 de setembro, cerca de 70 refugiados e simpatizantes da causa organizaram uma marcha [de] de quase 600 km de Wurtzburgo até Berlim, onde eles – após um choque com neo-nazistas – chegaram no dia 6 de outubro. Eles estão decididos a permanecer no acampamento até que suas demandas sejam atendidas: abolição da permanência e dos acampamentos obrigatórios, além do fim das deportações.

Unterstützerin des Berliner Protestlagers

Apoiadora do acampamento de protesto em Berlim (Foto: Usuário do Flickr @handverbrennung, Enno Lenze, CC BY 2.0)

A manifestação é conduzida principalmente por refugiados iranianos, jovens que precisaram deixar sua terra natal após a Revolução Verde. Eles possuem, além da disposição para lutar por seus direitos, a consciência das possibilidades oferecidas pela Internet e pelas mídias sociais, as quais utilizam agora nas suas manifestações contra as condições de asilo na Alemanha. Os acampamentos de protesto nas diversas cidades [de] e o acampamento principal em Berlim [de] criaram blogs e grupos no Facebook [de], suas ações encontram no Twitter um eco massivo. Assim, apesar da decidida desatenção dos políticos e da mídia, foi possível organizar, no dia 13 de outubro, uma manifestação contra as condições de vida dos requerentes de asilo com cerca de 6 mil participantes, a maior até agora.

No dia 15 de outubro, refugiados e ativistas ocuparam a embaixada nigeriana em Berlim, para protestar contra a cooperação das embaixadas, sem as quais a deportação da Alemanha não seria possível. Vários requerentes de asilo foram presos e, segundo eles próprios, receberam maltratos da polícia, o que é relatado no vídeo postado pelo usuário do YouTube leftvision clips:

Por fim, cerca de duas dúzias de refugiados entraram em greve de fome. No último final de semana de outubro, eles foram surpreendidos pela súbita chegada do inverno, com uma queda de temperatura de até 20 graus Celsius. Desde então, os inúmeros apoiadores têm providenciado cobertas, roupas quentes, sacos de dormir e tendas contra a chuva, as quais são sempre confiscadas pela polícia. A justificativa: estes são equipamentos de camping, e camping não é permitido em frente ao Portão de Brandemburgo.

Se os refugiados já haviam recebido grande apoio na mídia cidadã e nas redes sociais, a Web explodiu com reações indignadas contras as medidas policiais. Canan Bayram (@friedhainerin), por exemplo, escreveu:

@friedhainerin 4 Flüchtlinge im Polizeiauto,brutale Festnahme einer Unterstützerin, in der Nacht werden die Polizisten extrem – kaltes Berlin #refugeecamp

@friedhainerin 4 refugiados em uma viatura de polícia, prisão brutal de uma apoiadora, à noite os policiais agem de forma mais extrema – Berlim fria #refugeecamp

Outros, como Marina Weisband [ex-diretora política do Partido Pirata Alemão], convocam apoio material às manifestações pacíficas:

@Afelia Berliner! Könntet ihr euch etwas Honig, Jacken und Decken unter den Arm klemmen und am Pariser Platz vorbei schauen? #refugeecamp

@Afelia Berlinenses! Será que vocês podem levar debaixo do braço um pouco de mel, casacos e cobertas quando forem ver a situação na Pariser Platz? #refugeecamp

Também as consequências políticas e jurídicas têm sido levadas em conta. Anne Roth tuíta:

@annalist Versucht, die Polizeigewalt detailliert zu dokumentieren, insb. Gesichter. Die einzige Möglichkeit, sie zu identifizieren. #refugeecamp

@annalist Tentem documentar a violência policial detalhadamente, especialmente os rostos dos policiais. É a única maneira de identificá-los. #refugeecamp

Os acontecimentos no local são capturados em live-streams e documentados em blogs [de]. Enno Lenze escreveu no seu blog [de]:

Wieso man mitten in der Nacht mit einem so martialischen Aufgebot Leuten ihre Wärmflaschen abnehmen muss, verstehe ich weiterhin nicht. Sie protestieren friedlich, provozieren nicht, beschimpfen nicht und stellen sicher keine Gefahr da. Bitte lest euch mal durch, was Leute dazu bringt, ihre Heimat zu verlassen und woanders um Asyl zu betteln.

Eu não consigo entender como pode alguém, no meio da noite, com base em uma regra marcial, levar embora as garrafas térmicas das pessoas. Eles estão fazendo uma manifestação pacífica, sem provocações ou xingamentos, e certamente não representam nenhum perigo. Por favor, leiam o que leva as pessoas a abandonar sua terra natal e mendigar asilo em outro lugar.

Durante meses, a mídia tradicional ignorou a manifestação dos refugiados, a não ser por algumas notas curtas na imprensa local. Somente nos últimos dias, com a enorme repercussão na Internet, principalmente desde que a polícia começou a tratar os manifestantes de forma cada vez mais dura, a mídia tradicional se viu obrigada a lidar com o tema. Usuários no Twitter, como Flüchtlingsstreik, comentaram sobre esse cinismo:

@FluchtundAsyl Die deutschen Medien berichten gerne, wenn in anderen Laendern gegen Menschenrechte verstossen wird, aber wo sind sie jetzt? #refugeecamp

@FluchtundAsyl A mídia alemã gosta de noticiar quando os direitos humanos são desrespeitados em outros países, mas onde está ela agora? #refugeecamp

Talvez o apoio conquistado online tenha contribuído para que os refugiados tomassem coragem para perseguir medidas legais: após a ocupação da embaixada nigeriana, vários policiais foram acusados de cometer lesão corporal [de]. De acordo com o site metronaut.de [de], foram prestadas queixas contra o prefeito do distrito Christian Hanke e contra o diretor administrativo da área governamental Frank Henkel por ferirem a liberdade de reunião e lesão corporal por negligência.

Update

Após uma reunião com a representante do setor de integração do governo federal Maria Böhmer, os refugiados decidiram encerrar a greve de fome na sexta-feira, dia 2 de novembro. Böhmer demonstrou-se disposta a negociar as demandas relativas aos abrigos para refugiados e à permanência obrigatória, porém não cedeu quanto às deportações por parte do governo. Na segunda-feira, 5 de novembro, a praça que fica em frente ao Portão de Brandemburgo precisa ser liberada para outra manifestação anteriormente agendada. Ainda não se sabe onde e como o acampamento de protesto prosseguirá.

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