América Latina: Ativismo pelo direito à privacidade

Este artigo foi escrito em colaboração com Renata Avila-Pinto na versão original em inglês

Alguns países estão a elaborar políticas contra o crime cibernético [en], que buscam aumentar o poder de aplicação da lei sem a previsão de sólidas salvaguardas legais. Em outras nações, sistemas governamentais de identificação biométrica [en] estão proliferando enquanto certos governos estão até mesmo recorrendo [en] a drones para apoiar as atividades de vigilância. Essas práticas são ocultadas por uma cultura de sigilo [es] e os cidadãos, em sua maioria, desconhecem que tipos de informação vêm sendo coletadas e como são usadas contra eles.

Picture by Flickr user Alan Clever (CC BY 2.0).

Foto do usuário Flickr Alan Clever (CC BY 2.0).

Para ativistas latinoamericanos, tudo isso torna a batalha mais difícil. Há relativamente poucas ONGs na região abordando especificamente temas vinculados à privacidade e à vigilância. A falta de especialização é complicada por uma atitude social generalizada que considera que a segurança vale mais que a privacidade. Apesar das dificuldades inerentes, o movimento nascente em favor da privacidade tem trabalhado sem descanso para jogar luz sobre as abrangentes práticas de monitoramento e para preservar as liberdades civis diante das mudanças que vêm ocorrendo na sociedade. Mídias sociais e blogs causaram grande impacto no trabalho dos ativistas em vários países da região.

Apresentamos abaixo um rápido retrato de grupos, instituições acadêmicas e indivíduos que se dedicam ao trabalho nesse campo.

Ativismo por ONGs especializadas

Vamos começar com a Via Libre Foundation [es], um grupo ativista argentino em prol dos direitos digitais. Fundado no ano 2000, atuou contra sistemas biométricos de identificação obrigatória e autorizações para a retenção de dados. A Via Libre desafiou a lei de “crimes eletrônicos” argentina, combatendo as estipulações draconianas para limitar os direitos dos programadores. Também treinou [en] ativistas e jornalistas para adotarem medidas de segurança nas comunicações, tais como o domínio das ferramentas de encriptação e anonimato.

No Brasil, o Mega Não é um movimento cívico em resposta às ameaças contra os direitos da internet. Recentemente, o Mega Não lutou contra um invasivo projeto de lei contra crimes eletrônicos, propondo uma estrutura básica de direitos civis para a internet que inclua salvaguardas para a liberdade de expressão e a privacidade. O Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (IDEC) lançou uma campanha similar. Fundado em 1987, o IDEC especializou-se em temas relacionados à privacidade do consumidor e outras questões associadas à internet. Outra importante ONG brasileira, o Instituto NUPEF (Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação), capacita formuladores de políticas e organizações da sociedade civil para os direitos da internet, incluindo a privacidade. O NUPEF também publica uma revista especializada em políticas da internet.

No Chile, a ONG Derechos Digitales vem atuando desde 2005 na promoção de direitos humanos [es] no ambiente digital e promovendo [es] o ativismo em favor de leis de propriedade intelectual mais equilibradas. No campo da privacidade, a Derechos Digitales [es] defendeu blogueiros [es] e pequenas empresas da internet [es] de demandas para que fornecessem, sem mandado policial, informações privadas dos usuários. ONGs relativamente novas como a Meta [es], a Internet Users Association [es] (Equador) e a Fundación Proacceso (Venezuela), também estão trabalhando com a questão da privacidade na região.

Na América America, as atividades da Associação para o Progresso das Comunicações (APC) [en] incluem pesquisa, análise e capacitação em direitos humanos na internet. A APC desenvolveu uma Carta dos Direitos da Internet [en] para orientar a formulação de políticas para a rede. Em 2011, a organização compilou histórias de abusos na região relacionados a direitos humanos [en], que foram publicadas em seu projeto anual Global Information Society Watch [en] (GISWatch, ou Observatório Global da Sociedade da Informação). Desde 2008, a APC, o NUPEF e outras instituições vêm organizando uma reunião anual regional preparatória para o Fórum de Governança da Internet, promovido pelas Nações Unidas.

Há ainda ONGs mais antigas atuando na área de direitos humanos e que começam a direcionar o seu foco para políticas de internet, incluindo a privacidade online. Por exemplo: a Asociación por los Derechos Civiles (Associação para os Direitos Civis), ativista de direitos humanos na Argentina, começou a dedicar-se ao tema da internet livre. Esse grupo de advogados argentinos atua em defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação em nível nacional e no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O Instituto Prensa y Sociedad (IPYS) [es], [ou Instituto Imprensa e Sociedade], uma ONG que atua nas áreas do jornalismo investigativo, da liberdade de expressão e do acesso à informação pública na América Latina, vem lutando há muito tempo contra o monitoramento pelo governo [es] e protegendo o direito à liberdade de expressão dos jornalistas. Assim como o IPYS, a Asociación Pro Derechos Humanos [es] (Aprodeh) [Associação Pró Direitos Humanos] questionou o monitoramento governamental no Peru durante a presidência de Alberto Fujimori. Desde então, Fujimori foi preso por violações aos direitos humanos depois de ser julgado por violar o sigilo das comunicações e por outros abusos contra os direitos humanos durante o seu mandato. Foi a primeira vez que um ex-presidente democraticamente eleito foi processado em seu próprio país por sérias violações aos direitos humanos, incluindo a invasão de privacidade.

Em 2007, a organização ARTICLE 19 [en] [chamada Artigo 19 em português] regionalizou-se, mudando de uma sede única para um número crescente de representações regionais apoiadas pelo escritório internacional em Londres. Na América Latina, a organização atua como litigante em casos que podem estabelecer precedentes envolvendo a liberdade de expressão, e promovendo recomendações para o aprimoramento de projetos de leis. A organização também chamou atenção para as implicações para as liberdades civis decorrentes de propostas contra o crime cibernético [en] que estão em debate. Na Venezuela, uma organização de direitos humanos chamada Espacio Publico [es] está trabalhando para proteger a liberdade de expressão e o acesso à informação, além de promover capacitação nos campos da segurança e da privacidade.

Academia

O Brasil é um dos países que mais avançaram na região em relação à pesquisa de políticas de internet, e o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas segue sendo um dos grupos mais importantes a explorar as políticas de internet, incluindo a privacidade e o monitoramento online. Na Universidade de São Paulo, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação também publicou boas análises a respeito de políticas, privacidade e monitoramento. O Center for Studies on Freedom of Expression and Access to Information [en] (CELE), na Argentina, foi também um pioneiro nas pesquisas relacionadas à liberdade de expressão e à privacidade.

Vozes em novos territórios

Há também um grupo de indivíduos engajados, acadêmicos e blogueiros com formação técnica e jurídica na região e que dedicaram tempo e esforços para explorar os tópicos e conscientizar o público sobre as políticas de internet.

Pessoas com experiência nessa área incluem Victor Chapela, Jose Luis Fernando Garcia [es], Helios Mier e Cristos Velasco no México; Oscar Montezuma, Miguel Morachimo [es], e Marco Sifuentes [es] no Peru; Andres Guadamuz [en] na Costa Rica; Carolina Botero e Nelson Remolina [es] na Colômbia, Renato Jijena [es] no Chile; Pablo Palazzi [es] na Argentina; Pablo, Renato, Nelson and Danilo Doneda (Brasil) co-dirigiram a Revista Latinoamerica de Proteccion de Datos Personales [es] (Revista Latinoamericana de Proteção de Dados Pessoais). Carolina Flores, na Costa Rica, publicou um guia para proteger a privacidade e a segurança de ativistas de direitos humanos e discute em seu blog [es] temas relacionados. Cedric Laurant, enquanto vivia na Colômbia, publicou o Guia da Privacidade para Falantes de Espanhol [es].

Há vários espaços hackers na América Latina, como o Hacklab Autonomo [es] na Cidade do México ou a Escuela Lab no Peru [es]. Existe também uma forte comunidade de software livre que divulga informações por meio da Fundação Software Livre América Latina quando surgem ameaças à privacidade.

O Global Voices Advocacy também aborda frequentemente tópicos relacionados à privacidade na América Latina, por meio de artigos regulares e do Netizen Report para a América Latina.

Conclusão

O ativismo pela privacidade na América Latina está em ascensão, e vários países ainda carecem de grupos fortes na sociedade civil atuando nessa área. Na América Central e no Caribe, a privacidade online e o monitoramento permanecem como temas pouco explorados, desvinculados da agenda mais ampla dos direitos humanos. As ONGs dessa área tendem a priorizar as causas tradicionais dos direitos humanos como saúde, educação, segurança, e as batalhas permanentes em torno do desaparecimento forçado e da tortura. Embora organizações privadas trabalhem os tópicos relacionados à privacidade com paixão, o assunto não é sua única prioridade. Voluntários não-remunerados estão no comando de boa parte desse movimento ativista, e as organizações lutam com recursos limitados.

Apesar desses desafios e da cobertura limitada dos seus esforços pelos veículos da grande mídia, o apoio a estas campanhas tem continuado a crescer. A EFF – Electronic Frontier Foundation – continuará a trabalhar ao lado dos grupos da sociedade civil da América Latina e a apoiar os seus esforços, compartilhando conhecimento a respeito de questões fundamentais dos direitos da internet com os formuladores de políticas por toda a região.

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