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Brasil: O grito da resistência Guarani Kaiowá

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Indígenas, Política

Sob mais uma ameaça de despejo das suas terras, a comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue / Mbarakay, no município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul (MS), lançou no mês de Outubro de 2012 uma carta [1] que tem ecoado tanto na imprensa como na web, como um grito de resistência quando a morte parece ser o destino de todo um povo:

A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas?? Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. (…)

De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser morto e enterrado junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.

Profundamente afectados pela perda quase total da sua terra [2] ao longo do último século, os Guaraní Kaiowá, o segundo povo indígena mais numeroso do Brasil, com uma população de 43 mil, são alvo constante de ataques e vítimas de uma alarmante onda de suicídios [3]. As terras do estado são das mais produtivas no Brasil em agropecuários e biocombustíveis.

Foto de cinco mil cruzes plantadas em Brasília na página de Facebook da Itiban Comic Shop [4]

Foto de cinco mil cruzes plantadas em Brasília na página de Facebook da Itiban Comic Shop [5]

A carta terá sido suscitada pela expedição, a 29 de Setembro, de um despacho da Justiça Federal de Navirai do MS (processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006 [6]) que determina a reintegração de posse das terras ancestrais da comunidade de Pyelito Kue / Mbarakay.

“Aqueles que devem viver”

“Não podemos calar ou ficar inertes diante desse clamor da comunidade Kaiowá Guarani”, afirma [7]Egon Heck, Assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aludindo à memória histórica de “Y Juca Pirama – O Índio aquele que deve morrer” [8], livreto publicado em 1973 [9] por bispos e missionários da Amazônia:

Diante do decreto de morte e extermínio surge a obstinada determinação dos povos de viver ou morrer coletivamente, conforme suas crenças, esperanças ou desespero. Esse grito certamente fará parte do manifesto “os povos indígenas, aqueles que devem viver”, apesar e contra os decretos de extermínio.

(…) Não se trata de um fato isolado, mas de excepcional gravidade, diante de uma decisão de morte coletiva. Continuaremos sendo desafiados por fatos semelhantes, caso não se tome medidas urgentes de solução da questão da demarcação das terras indígenas desse povo.

Ilustração de Odyr Bernardi na página de Facebook "Quadrinhos Guarani" [10]

Ilustração de Odyr Bernardi publicada na página de Facebook “Quadrinhos Guarani” em resposta ao apelo à acção coletiva para uma versão em quadrinhos da carta da comunidade indígena.

A jornalista Eliane Brum, em reação à carta, escreveu [11] na sua página da revista Época sobre a história de luta dos Guarani Kaiowá e de como uma “parcela da elite descarta, em nome da ignorância, a imensa riqueza contida na linguagem, no conhecimento e nas visões de mundo das 230 etnias indígenas que ainda sobrevivem” no Brasil:

Como podemos alcançar o desespero de uma decisão de morte coletiva? Não podemos. Não sabemos o que é isso. Mas podemos conhecer quem morreu, morre e vai morrer por nossa ação – ou inação. E, assim, pelo menos aproximar nossos mundos, que até hoje têm na violência sua principal intersecção.

Felipe Milanez, jornalista, realizador do documentário Toxic: Amazon [12], e criador do blog em homenagem à Luta Guarani [13], tem feito uso prolífico das redes sociais para alertar sobre a causa deste povo. Recentemente ele publicou um vídeo [14] com depoimento de Elpídio Pires, liderança indígena, sobre como é viver sob ameaças de morte:

No Twitter (@felipedjeguaka) ele denuncia [15] ligações entre governantes locais e “latifundiarios, pistolagem e crime organizado na Amazônia”, apontando [16] nomes tais como:

O prefeito de Paranhos levou pra cadeia Elpídio Pires. E o de Aral Moreira é um dos acusados na morte do Nisio Gomes Guarani. Prefeitos!

Já em abril ele havia publicado um outro vídeo [17], sobre a morte do cacique Nísio Gomes, num ataque de pistoleiros em novembro de 2011:

Onda de protestos

Nas redes sociais multiplicam-se as iniciativas solidárias, como a página de Facebook Solidariedade ao Povo Guarani-Kaiowá [18] ou o blog [19] do Comitê Internacional com o mesmo nome. Tem circulado também um vídeo [20] realizado por Tekoa Virtual Guarani, com mensagens dirigidas à Presidenta Dilma Rousseff com o intuito de sensibilizá-la para a violência de que este povo é alvo.

Denúncia de ameaças de morte por representante indígena das mulheres de MS no vídeo "Salve Dilma! Aqueles que irão morrer te saúdam." [20]

Denúncia de ameaças de morte por representante indígena das mulheres de MS no vídeo “Salve Dilma! Aqueles que irão morrer te saúdam.”

No Facebook um grupo organizou uma performance de “suicídio colectivo simbólico” online, que assenta na desativação das contas do Facebook colectivamente no dia 2 de Novembro, num evento a que deram o nome de “facebookcídio [21]”. Uma petição Avaaz [22], já com 24.290 assinaturas, apela: “Vamos impedir o suicídio coletivo dos índios Guarani Kaiowá”. Uma nota [23] do CIMI no entanto critica a forma irresponsável como a questão está a ser exposta à luz da interpretação de um “suposto suicídio” dos Guarani Kaiowá, repercutida tanto por cidadãos mobilizados como pela imprensa, quando, na verdade a carta fala em morte colectiva no “contexto da luta pela terra”.

Um outro abaixo-assinado [24] Avaaz, que já reuniu mais de 172.000 assinaturas, reforça a mensagem transmitida na carta e lança o apelo:

Exija conosco cobertura da mídia sobre o caso e ação urgente do governo DILMA e do governador ANDRÉ PUCCINELLI, para que impeçam tais matanças e junto com elas a extinção desse povo.

No dia 19 de Outubro decorreu em Brasília um ato público [25], convocado pelo Cimi, Conselho Federal de Psicologia (CFP),  Plataforma Dhesca e Justiça Global em frente ao Congresso Nacional. Egon Heck escreveu sobre a mobilização e finaliza [26]:

Enquanto isso, as comunidades nas retomadas, nos acampamentos, nas aldeias, organizam a esperança, enfrentam os poderosos e lutam com as forças que lhes restam contra as políticas de morte e genocídio.

Este artigo foi escrito em colaboração com Diego Casaes [27]Elisa Thiago [28], João Miguel Lima [29]Luís Henrique [30] e Raphael Tsavkko [31].