A cortina abre-se para uma viagem ao mundo do teatro e nesse instante fugimos à realidade, abrimos as portas ao sonho e o inesperado passa a ser o pano de fundo. Durante 24 anos o Teatro Elinga, em Luanda, abriu as portas a esse sonho e deixou milhares de pessoas envolverem-se pela magia do teatro. O seu aparecimento é frequentemente confundido com o nascimento do teatro em Angola.
Considerado como um dos únicos espaços dedicados ao teatro, a associação manteve sempre as portas abertas para a promoção e desenvolvimento do teatro e da imaginação. À semelhança de outros edifícios históricos ao seu redor o teatro irá desaparecer, deixando cair a cortina, definitivamente, para dar lugar a modernização.
Num artigo para o jornal Le Monde, o jornalista Christophe Châtelot diz que,
Um importante centro da cultura angolana, vai desaparecer, como tantas casas antigas do centro da capital. Os arranha-céus, esses, crescem como cogumelos e deslocam para os subúrbios, a toque de bulldozers selvagens e de bastonadas da polícia, os musseques, essas favelas angolanas sem água nem eletricidade em que se amontoa a maior parte dos 6 a 7 milhões de habitantes de Luanda.
O edifício construído no séc. XIX é o símbolo “vivo” da passagem dos portugueses por terras Angolanas e chegou a ser considerado como um monumento histórico pelo ministério da cultura Angolana. Contudo, em Abril deste ano perdeu essa classificação para dar lugar ao projecto imobiliário Elipark, ou seja, um parque de estacionamento, escritórios e um hotel.
As ameaças de demolição do edifício onde se insere o teatro têm suscitado reacções negativas nas redes sociais. O jornalista Reginaldo Silva no seu blogue “Morro da Maianga” realçou:
Uma batalha antiga do “gangue do betão armado” que está prestes a ser ganha. Um decreto da ministra dá o dito pelo não dito ao dizer que já não há mais história naquele edifício. Acabaram-se as histórias por ali. Agora história é outra. Por este andar (…) a baixa histórica de Luanda vai desaparecer completamente dentro de 20 anos ou menos. Espero ainda estar vivo para apagar a luz e fechar a porta.
Um dos fundadores do teatro Elinga, o actor Orlando Sérgio, em declarações ao jornal Público, disse que “o edifício e a forma como era vivido acabam por dar uma característica muito própria à baixa da cidade, assim, qualquer dia, Luanda será igual a tantas outras cidades”.
O diretor e autor de peças, José Mena Abrantes, numa nota do Facebook, conta a história e percurso do Elinga-Teatro:
O grupo Elinga-Teatro (do umbundo ‘elinga’, que significa acção, iniciativa, exercício) foi criado no dia 21 de Maio de 1988. A sua existência inscreve-se, no entanto, numa linha de continuidade iniciada com o grupo Tchinganje (1975/76) e prosseguida com o Xilenga-Teatro (1977/80) e com o Grupo de Teatro da Faculdade de Medicina de Luanda (1984/87).
De comum entre todos, a presença do mesmo director artístico, a activa participação de um núcleo de actores (…) e, acima de tudo, um mesmo projecto de teatro, voltado para o resgate e promoção da cultura angolana a todos os níveis, incluindo um tratamento moderno dos seus valores tradicionais, e para a difusão de um repertório teatral universal.
De um propósito vincadamente interventivo do ponto de vista político, em que o teatro foi utilizado principalmente como instrumento de mobilização e consciencialização popular (Tchinganje), passou-se a uma etapa em que começou a ser dada ênfase a uma função expressiva mais elaborada (Xilenga e grupo de Medicina), até à fase actual, em que a pesquisa de linguagens novas e a experimentação se tornaram dominantes (Elinga).
Reconhecido internacionalmente, o Elinga apresentou as suas peças em 8 países tais como Moçambique, São Tomé Espanha e Portugal. Nada fazia prever que o teatro e consequentemente o pólo cultural onde se realizam diversos eventos ligados à arte e cultura fossem encerrados.
Em 2009 os membros do Teatro já tinham recebido uma ordem de despejo da Direcção Provincial da Habitação, em que se determinava que o contrato de arrendamento do espaço tinha terminado. Nessa altura o plano de reordenamento da Marginal de Luanda ainda estava em curso, assim como a construção de um Hotel cinco estrelas.
Instalado numa “casa antiga”, que sempre precisou de obras, o antigo edificio e património cultural do Povo Angolano tinha também um espaço dedicado as artes plásticas, concertos de música e dança. Foram várias as peças que passaram pelo Elinga, peças que ficam para sempre na memória como é o caso da comédia sobre os equívocos do amor e da amizade, “O Armário e a Cama”.
Actualmente ainda não se sabe onde será a nova casa do Elinga e o adeus à magia do teatro parece cada vez mais próximo.
2 comentários
Boa tarde,
gostaria de saber se é possível obter os contactos telefônicos do Elinga. quero muito saber mais informações sobre o espaço.
Melhore cumprimentos,