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Portugal: Televisão Pública a Caminho da Privatização

Categorias: Europa Ocidental, Portugal, Ativismo Digital, Economia e Negócios, Governança, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, Protesto

Este post faz parte da cobertura especial Europa em Crise [1]

Logo após o anúncio do modelo de privatização da televisão pública portuguesa (RTP), feito pelo conselheiro do governo na área das privatizações, António Borges, numa entrevista [2] concedida à TVI, começaram a surgir as primeiras críticas ao modelo anunciado.

No Twiter, o actor Nuno Lopes, foi um dos primeiros a mostrar [3] a sua indignação:

Portugal vai ser o único país da Europa sem um serviço público de rádio e televisão. Hoje acordei com vergonha de ser Português.

Foi criada uma Petição Pública [4] e uma página, na rede social Facebook (com 18.973 “likes” no momento de publicação deste artigo), contra o fim da RTP2 [5], o segundo canal da televisão pública que oferece uma programação mais diversificada e que, de acordo com Borges, vai deixar de existir.

Foi também criado um evento [6] que apela para que no dia 29 de Agosto de 2012, os televisores permaneçam ligados no segundo canal da estação pública de forma a torná-lo líder de audiências nesse dia (e que conta com cerca de 9.281 intenções de participação no momento de publicação deste artigo).

Apesar de o plano apresentado por António Borges não ser um anúncio oficial do governo, foi também já convocado um protesto [7] contra o fim da RTP2 e contra a concessão dos restantes canais da televisão pública a operadores privados, marcado para o dia 2 de Setembro.

Imagem partilhada na página do Facebook “Contra o Fim da RTP2”

“A Cultura não tem preço. Todos temos o direito a ela e o dever de a conservar e transmitir. Não deixemos que a RTP2 acabe!” Imagem partilhada na página do Facebook “Contra o Fim da RTP2”

O vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Arons de Carvalho, apresentou no site Clique, um conjunto de dez argumentos contra a privatização da RTP [8], defendendo que a concessão a privados é inconstitucional:

O serviço público não pode ser exercido por empresas cujo capital seja total ou maioritariamente privado, mesmo que através de uma concessão. No seu artigo 38.º, nºs 5 e 6, a Constituição prevê a existência de um sector público da comunicação social. Acresce que no artigo 82º, n.º 2 se estipula que “o sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas”, o que torna inconstitucional a sua concessão a entidades privadas.”

Antenas na sede da RTP, Avenida Marechal Gomes da Costa, Lisboa. Foto de rtppt no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [9]

Antenas na sede da RTP, Avenida Marechal Gomes da Costa, Lisboa. Foto de rtppt no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Na blogosfera, a voz mais activa contra a privatização da RTP tem sido a da investigadora e presidente do Centro de investigação Media e Jornalismo (CIMJ), Estrela Serrano, que no blog Vai e Vem tem apresentado alguns argumentos que devem ser tidos em conta. No primeiro artigo, publicado a 25 de Agosto de 2012, a investigadora apresenta alguns dados curiosos [10] sobre “o que a RTP2 representa em termos de diversidade e complementaridade”, indicando por exemplo que os seus custos operacionais por habitante apresentam os segundos mais baixos na Europa.

Num outro artigo, publicado a 26 de Agosto de 2012, Estrela Serrano recorda que “o serviço público tem regras” e apresenta [11] alguns dos seus pilares fundamentais:

a) ser detido por uma empresa de capitais públicos; b) ser independente do poder político e do poder económico;  c) ser total ou parcialmente financiado pelos cidadãos aos quais se destina, mediante o pagamento de uma taxa (garantia dessa independência);  d) ser dotado de um órgão onde têm assento  representantes dos cidadãos escolhidos pelos diversos sectores da sociedade  – Assembleia ou Conselho – com funções de acompanhamento, supervisão, emissão de pareceres sobre planos de actividades e orçamentos, contratos de concessão e relatórios de actividades e contas.

Com o anúncio de António Borges, parece ter ganho força o Manifesto Contra a Privatização da RTP promovido, entre outros, pelo realizador António Pedro Vasconcelos, o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, José Jorge Letria e o bispo Januário Torgal Ferreira, publicado no jornal Expresso do dia 7 de Julho de 2012 e reproduzido [12], na íntegra, por Joana Lopes no blog Entre as Brumas da Memória:

os signatários apelam ao bom senso dos partidos do governo e da oposição para que travem uma medida que carece de clareza e de racionalidade e que não pode em caso nenhum ser enquadrada no plano de privatizações, até porque a sua dimensão financeira seria despicienda e totalmente desproporcionada relativamente aos efeitos brutais sobre a indústria dos média e a qualidade e a isenção da informação, da formação e do entretenimento a que os portugueses têm direito.

Mira técnica da RTP. Foto de rtppt no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [13]

Mira técnica da RTP. Foto de rtppt no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Na sua página pessoal do Facebook, Maria João Fialho Gouveia, filha de duas figuras históricas da RTP — Maria Helena Varela Santos, que a 7 de Março de 1957 abriu a primeira emissão regular da RTP, e José Fialho Gouveia, que no dia 25 de Abril de 1974 leu o comunicado do Movimento das Forças Armadas que proclamou a libertação do país do regime ditatorial —  resume [14] o sentimento comum àqueles que se opõe à privatização da RTP:

De ora em diante a televisão em Portugal viverá somente para o lucro, seguindo uma espécie de doutrina do neoliberalismo mediático, reflectindo a ideologia política que hoje rege os nossos destinos. Vence o capital; perde qualidade; perde o país.

Não estando ainda completo e não tendo ainda um modelo oficialmente definido, o processo de privatização da RTP parece ser uma tarefa muito complicada para o ministério tutelado por Miguel Relvas, muito fragilizado na opinião pública devido às recentes polémicas relacionadas com a forma como conseguiu a sua licenciatura em apenas um ano, e com o alegado envolvimento num caso de pressão a uma jornalista do jornal Público.

Este post faz parte da cobertura especial Europa em Crise [1]