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Mundo: A Rede Precisa de uma Declaração de Liberdade da Internet?

Categorias: Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã

(Todos os links levam a textos em inglês, a não ser onde a língua é indicada)

No dia 4 de Julho de 2012, um grupo que defende os direitos digitais e outras organizações lançaram um conjunto de direitos e princípios para a Internet denominado Declaration of Internet Freedom [1] [en] [Declaração de Liberdade na Internet]. Entre os seus signatários iniciais estavam organizações tais como o Free Press, Access, o Center for Democracy and Technology [Centro a favor de Democracia e da Tecnologia] e a Electronic Frontier Foundation [Fundação Fronteiras Eletrônicas], assim como o Global Voices Advocacy.

Também incluídos na lista inicial de signatários estavam vários autores do Global Voices, assim como a co-fundadora Rebecca MacKinnon.

Embora o plano seja que os participantes contribuam, re-organizem ou, pelo menos, estimulem o desenvolvimento do documento, a declaração básica foi publicada com os seguintes dizeres:

Declaration of Internet Freedom logo. Image from <a href="http://act.freepress.net/sign/internetdeclaration?source=website_dif_home">Free Press website</a>, used with permission. [2]

Logomarca da Declaração de Liberdade na Internet. Imagem da Free Press website [2], usada com permissão.

We stand for a free and open Internet. We support transparent and participatory processes for making Internet policy and the establishment of five basic principles:

Expression: Don't censor the Internet.
Access: Promote universal access to fast and affordable networks.
Openness: Keep the Internet an open network where everyone is free to connect, communicate, write, read, watch, speak, listen, learn, create and innovate.
Innovation: Protect the freedom to innovate and create without permission. Don't block new technologies, and don't punish innovators for their users’ actions.
Privacy: Protect privacy and defend everyone's ability to control how their data and devices are used.

Defendemos uma Internet livre e aberta. Apoiamos processos transparentes e participativos para a elaboração de uma política da Internet e o estabelecimento de cinco princípios básicos:
Expressão: Não censure a Internet.
Acesso: Promova acesso universal a redes que sejam rápidas e que cobrem preços justos.
Abertura: Mantenha a Internet como rede aberta na qual todos se sintam livres para conectar-se, comunicar-se, escrever, ler, observar, falar, ouvir, aprender, criar e inovar.
Inovação: Proteja a liberdade de inovar e criar sem ter que pedir permissão. Não bloqueie as novas tecnologias nem castigue inovadores em função das ações de usuários.
Privacidade: Proteja a privacidade e defenda a habilidade de todos de controlar a forma como seus dados e equipamentos são utilizados.

Indivíduos e organizações são incentivados a assinar o documento ou participar dos esforços de outras organizações listadas no sitio da Internet. A Declaração já acumulou mais de 1.300 assinaturas até o momento e continua a receber estímulo.

Com a divulgação, blogueiros começam a fazer comentários – e a criticar – o documento e o processo que o gerou. Aqui estão algumas poucas reações:

Podemos viver sem a Internet? Certamente que sim! Deveríamos fazê-lo? Não

A afirmação transcrita acima foi feita pela blogueira libanesa Micheline Hazou, que fornece um resumo do processo [3] por detrás da Declaração da Internet, assim como a recente decisão [4] tomada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas de proteger a liberdade da Internet. Hazou, que anteriormente havia apresentado uma perspectiva internacional [5] sobre as leis americanas de direitos autorais SOPA e PIPA, dá seu apoio à Declaração ao escrever [3]:

If I sometimes look back in time, I wonder whether the Lebanon civil war would have lasted 15 years had the Internet existed in 1975. How different my life would have been…

Whereas now we can’t live for a couple of hours without being connected, we spent all the war years trying to forget telephones existed. The fax was the great novelty that we could only contemplate because there were no telephone lines!

But that’s history!

I am a firm believer and defender of a free and open Internet as a Human Right as well as free WiFi.

Quando olho para trás no tempo, me pergunto se a guerra civil do Líbano teria durado 15 anos caso a Internet já existisse em 1975. Que diferente teria sido minha vida…

Se nos dias de hoje não se consegue viver nem mesmo duas horas sem estar conectado, passamos todos os anos da guerra tentando esquecer que telefones existiam. O fax era a grande novidade, apenas para contemplar, no entanto, já que não havia linhas de telefone!Mas isto agora é história!

Sou uma fiel seguidora e defensora de uma Internet livre e aberta enquanto um Direito Humano, assim também como WiFi gratuito.

Não Censurem a Internet. Mas o que é censura?

Esta é uma questão levantada pelo blogueiro espanhol Guillermo Julián, que recentemente escreveu uma crítica [6] [es] à Declaração. Embora Julián acredite que a Declaração seja um conjunto de “princípios básicos sobre os quais deveríamos todos concordar,” ele se incomoda com a indefinição no texto da Declaração. Sobre o primeiro princípio, ele escreve [6]:

Si ahora mismo preguntas a los promotores de la ley SOPA, o sin irnos tan lejos, a la exministra González Sinde, si pretendían instaurar un sistema de censura en Internet, te dirán que no. Ellos sólo pretendían proteger los derechos de autor, no prohibir que nadie se exprese.

Y ese es el problema de este punto. Nadie ha dicho qué es la censura. ¿Es censura el derecho al olvido [7]? ¿Podríamos considerar censura el cierre de páginas de pornografía infantil?

En los extremos es muy fácil saber qué hacer: bloquear páginas con pornografía infantil es bueno, bloquear páginas con opiniones que no le gustan al gobierno de turno es malo. Pero, ¿qué hacemos en los intermedios? Es algo que depende tanto de la interpretación de cada uno que incluso la SOPA podría respetarlo…

Se perguntar aos promotores da lei SOPA, ou mesmo sem precisar ir tão longe, perguntando ao ex-Ministro González-Sinde se querem estabelecer um sistema de censura na Internet, eles dirão que não. A única intenção deles era proteger os direitos autorais, mas não proibir qualquer pessoa de se expressar.
E este é exatamente o problema. Ninguém define o que seja a censura. Seria censura o direito de esquecer [7]? Poderíamos considerar censura a retirada do ar da pornografia infantil?
No final das contas, é muito fácil saber o que fazer: bloquear páginas com pornografia infantil é bom, boquear páginas de opiniões contra o presente governo é ruim. Mas o que fazer enquanto isto? Isto é algo que depende na interpretação de cada um que até mesmo a SOPA deveria respeitar…

Quem seria “nós”?

Uma crítica à Declaração feita por muitos indivíduos é que ela não define quem constitui “nós.” No blog Above the Law, Elie Mystal relata [8]:

I hate to get pedantic about things involving the internet — it’s the internet, not a Ken Burns documentary — but defining your terms is crucially important when you are trying to advocate for “freedom” of any kind. It’s all well and good to walk around saying “give us free” if you are in chains, but freedom means different things to different people. I’d like to be “free” to make money off the internet, for instance. Can I still be part of the “we”? The fact that so many different people use the internet for so many different purposes is exactly why we struggle to come up with broad-based consensus on how the internet should be regulated (if at all) in the first place. Defining the “we” is half the battle! “WE” are Americans. “THEY” are followers of a inbred crazy person with a fancy hat. Let’s play our game.

Odeio ser pedântico sobre as coisas que dizem respeito à internet – é a internet, e não um documentário de Ken Burns – mas a definição de sua terminologia se torna crucialmente importante quando se está tentando fazer a defesa da “liberdade” de qualquer tipo. Tudo bem andar por aí dizendo “dê-nos liberdade” quando se está acorrentado, mas liberdade significa diferentes coisas para pessoas diferentes. Gostaria de ser “livre” para ganhar dinheiro longe da internet, por exemplo. Posso ainda assim ser parte do “nós”? O fato de que tantas pessoas diferentes façam uso da internet para tantos propósitos diferentes é exatamente a razão pela qual lutamos para chegar a um consenso de ampla base sobre como a internet deveria ser regulamentada (se de fato deveria ser) para começo de conversa. Definir o “nós” é metade da luta! “NÓS” são os americanos. “ELES” são os seguidores de uma pessoa louca que usa um chapéu de luxo. Vamos brincar com nosso jogo.

Mystal conclui o post com a seguinte frase: “Lembre-se de definir seus termos. Lembre-se, a Constituição nos diz quem é “nós” já na primeira linha.”

No Atlantic, Nancy Scola, que entrevistou vários dos criadores e signatários da Declarção, expressa uma preocupação semelhante [9]:

Arguably, the lesson of the years since [John Perry Barlow's Declaration of the Independence of Cyberspace [10]] is that “the wider Internet community” does have something to fear from governments and other powers-that-be — thus the need for this new Declaration of Internet Freedom. Governments didn't really stay away from the Internet when Barlow told them to do so. To be useful, does a document like this new one need to figure out where its authority comes from and what it means to do about enforcing its principles? After saying goodbye to Great Britain, the United States decided upon a geography-based winnowing into local and national representative legislatures. Certainly, there are other ways to do it. But defining representativeness is one way to avoid the swapping of one kind of tyranny for another. And it's probably fair to say that harnessing representativeness and authority is something online politics hasn't really figured out yet. In theory, nearly everyone can participate. How you judge that participation, though, is something that everything from Change.org to Americans Elect to folks who try to email Congress need to wrestle with.

Discutivelmente, a lição a ser aprendida nos anos desde [John Perry Barlow's Declaration of the Independence of Cyberspace [10]] é que a “comunidade mais ampla da internet” tem, de fato, algo a temer da parte dos governos e outros poderes-que-sejam — o que comprova a necessidade por esta nova Declaração de Liberdade na Internet. Os governos não se mantiveram longe da Internet quando Barlow determinou que o fizessem. Para ter utilidade, um documento como este novo não precisaria descobrir de onde vem sua autoridade e o que pretende fazer para colocar em prática seus princípios? Após dizer adeus à Grã-Bretanha, os Estados Unidos decidiram por uma seleção, com base geográfica, de legislaturas representativas locais e nacional. Com certeza, existiriam outras maneiras de fazê-lo. Mas determinar representatividade é uma maneira de evitar a troca de um tipo de tirania por outra. E é provavelmente justo dizer que saber fazer uso de representatividade e de autoridade é algo que as políticas on-line ainda não dominam. Na teoria, quase todo mundo pode participar. Como avaliar esta participação, entretanto, é algo que todos, de Change.org a Americans Elect a pessoas que tentam enviar emails para o Congresso, acabam por ter que enfrentar.

Este não é o documento de que a Internet necessita

Em um ponto-contraponto [11] organizado por Dapper Disputes, Blake J. Graham faz a declaração acima, e prossegue dizendo que a Declaração “atende a descrições vagas de liberdade que não conseguem articular de que maneira estas liberdades podem ser protegidas de forma exclusiva na Internet e nem quem irá desempenhar na prática esta proteção.” Graham explica [11]:

Articulation is an essential word here. The American Declaration of Independence took prevailing thoughts from enlightenment thinkers, and articulated those thoughts in alignment with 18th century sentiments toward the British crown. The document’s structure includes a substantial, often forgotten, list of grievances directed at King George III and the specific policies agitating the colonists. It is this type of articulation where the Declaration of Independence stands tall, and the “Declaration of Internet Freedom” wobbles over like a toddler drunk on milk.

Articulação é uma palavra crucial aqui. A Declaração de Independência americana tomou emprestados os pensamentos dominantes de pensadores do iluminismo e articulou aqueles pensamentos em linha com os sentimentos em relação à monarquia britânica que prevaleciam no século 18. A estrutura do documento inclui uma substancial, ainda que por vezes esquecida, lista de queixas direcionada ao Rei George III e as políticas específicas que agitavam os colonos. É neste tipo de articulação que a Declaração de Independência se classifica no topo, enquanto a “Declaração de Liberdade na Internet” cambaleia como um garotinho que ficou bêbado de tomar leite.

Escrevendo no blog ACLU, Jay Stanley defende [12] aquela mesma imprecisão como sendo estratégica:

True, there’s always a danger that a broad concept like “privacy” can become like “the environment” in that everybody is “for” it, even when they’re gutting it. But in the history of environmentalism, it was still a major accomplishment to get to a point where nobody could be “against” the environment. If indeed we are at such a point with regard to the principles articulated in this declaration, that is no small accomplishment, and marking that accomplishment is well worth doing. There’s such a thing as “consolidating your gains.”

É verdade que há sempre o perigo de que um conceito amplo como “privacidade” possa vir a se tornar como “o meio ambiente” no sentido de que todo mundo vem a ser “a favor” dele, mesmo quando o estão estripando. Mas na história do ambientalismo, ainda era uma grande conquista chegar ao ponto de ninguém poder ser “contra” o meio ambiente. Se, de fato, nos encontramos neste ponto no que diz respeito aos princípios articulados nesta declaração, não é uma conquista pequena, e vale à pena marcar esta conquista. Existe algo como “consolidar seus ganhos.”