Brasil: Aberto o Debate Sobre Parto Humanizado

Mães, filhos, pais, avós, parteiras, estudantes e ativistas saíram às ruas no último domingo, 17 de junho, em defesa do parto humanizado no Brasil. Chegando ao parque Mário Covas, na Avenida Paulista, São Paulo, de longe já se viam crianças pintando cartazes em que era possível ler: “Eu escolhi o lugar e o horário do meu nascimento”.

A Marcha do Parto em Casa ocorreu nos quatro cantos do país após a denúncia feita pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) ao médico Jorge Kuhn, coordenador do departamento de obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo, que defendeu o parto domiciliar em matéria no Fantástico. Kuhn afirmou ser o parto um processo fisiológico e não um ato médico.

As acusações ao médico foram, assim, o estopim para a organização da manifestação por homens e mulheres defensores do direito à escolha do local do nascimento. A marcha aconteceu em capitais como Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Vitória (ES).

Manifestação pelo parto em casa em frente ao CREMESP, São Paulo, 17 de junho, 2012. Foto da autora.

Manifestação pelo parto em casa em frente ao CREMESP, São Paulo, 17 de junho, 2012. Foto da autora.

A discussão sobre o nascimento no Brasil envolve a disputa de interesses entre profissionais da saúde e a busca das mulheres por autonomia nas suas decisões. Enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda um índice de 15% de cesarianas, o Brasil ultrapassou os 85% na rede privada, ficando, assim, na segunda posição de países que mais realizam esse procedimento cirúrgico, estando atrás apenas para o Chile.

A gigantesca distância entre recomendação e prática foi uma das principais críticas feitas pela manifestação, que contou com a participação de ativistas, como a organização Parto do Princípio, contrários ao parto mercadorizado pelos convênios de saúde. As vozes nos alto-falantes acusavam: “Doutor, você não me engana, cesariana é pela grana”.

Ao mesmo tempo em que mulheres marchavam nos diversos estados brasileiros, havia – e há – aqueles que vêem na atitude do médico Jorge Kuhn um exemplo de falta de profissionalismo, enfatizando casos de morte por parto domiciliar como comprovações dos riscos dessa prática. Essa é a posição adotada pelos conselhos regionais de medicina, como o Cremesp, para onde marcharam os cerca de mil manifestantes em São Paulo. 

Ainda na contra corrente da manifestação, está a afirmação da ilegitimidade do parto em casa, já que grande parte da população brasileira não tem condições de moradia adequada para dar lugar a essa prática. Na página de Facebook da Marcha Pelo Parto em Casa, Amélia Araújo questionou:

Florianópolis, SC, 16 de junho, 2012. Foto de Marcha pelo Parto em Casa no Facebook. Crédito da foto: Lorena Lucas

Florianópolis, SC, 16 de junho, 2012. Foto de Marcha pelo Parto em Casa no Facebook. Crédito da foto: Lorena Lucas

Parto em casa? E as mulheres que moram na periferia sem as mínimas condições de higiene e saneamento básico? E a equipe de saúde irá enfrentar o tráfico? Que tal o parto humanizado no hospital?

Sendo o medo do parto domiciliar ainda um sentimento constante entre as brasileiras, também o Comitê de Prática Obstétrica aponta o parto humanizado no hospital como uma opção mais positiva e com menos riscos.

Entretanto, a realidade dos nascimentos nos hospitais públicos e sobretudo privados no Brasil não corresponde a esse ideal, na medida em que a violência obstétrica está entre os maiores desrespeitos aos direitos da mulher brasileira. Os resultados da ação de Blogagem Coletiva Teste da Violência Obstétrica, divulgados pela organização Parto no Brasil revelaram a agressão verbal como fato vivenciado constantemente durante o trabalho de parto, comprovando aspectos da desumanização na atenção à saúde no país.

A falta de informação devido à precariedade do pré-natal em muitas regiões brasileiras é outro grande entrave à práticas que consideram o direito de escolha da mulher. Programas governamentais como o “Mãe Paulistana”, implantado em 2006 no município de São Paulo com o objetivo de assistir a gestante durante todo ciclo de gravidez, representam um avanço no sentido do melhor atenção à maternidade, mas ainda estão longe de se tornar uma política pública generalizada.

Contrários a essa situação de esquecimento pelos governantes e descaso pelos convênios de saúde, os participantes da marcha defenderam o direito à escolha baseada em evidências científicas, para que, assim, seja possível humanizar o nascimento. Para eles, a autonomia da mulher e o respeito a ela deve existir tanto nas casas quanto nos hospitais, uma vez que o parto domiciliar só deve ser realizado em ambientes com condições sanitárias adequadas e por aquelas que não tiveram complicações no período gestacional, sendo assim, de baixo risco.

2 comentários

  • Lorenals13

    Opa Priscilla Kesserlring. A foto da marcha em Florianópolis é minha e eu não me lembro de ter dado a permissão. Mas não me importo que use desde que atribua os créditos a Lorena Lucas. Obrigada

    • Sarita

      Oi @43a862f155dedeb846f6e04c7392f54c:disqus

      Obrigada pelo esclarecimento!
      A sua foto foi selecionada a partir da página de Facebook da Marcha pelo Parto em Casa (como poderá verificar se clicar em cima da foto no artigo).

      Eu mesma, enquanto editora lusófona, contactei a organização, solicitando o uso da foto neste contexto, explicando que o Global Voices é uma organização sem fins lucrativos e que a nossa política de reutilização de imagens pressupõe a inclusão do link original de onde a foto retirada e os respectivos créditos. A organização deu autorização sem indicar mais informação sobre a autoria, por isso concluimos – erradamente, e pedimos desculpa! – que a foto era mesmo deles/as!

      Entretanto, já corrigimos a legenda!

      Boa semana e volte sempre,
      Sara

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