- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Quirguistão: Iniciativas Cívicas Procuram Combater o Rapto de Noivas

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Quirguistão, Direitos Humanos, Indígenas, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

[Os links levam para páginas em inglês, a não ser quando marcados de outra forma.]

Desde a independência da União Soviética em 1991, o ala kachuu [1], ou rapto de noivas, tornou-se uma ocorrência corriqueira nas cidades provincianas e nos vilarejos do Quirguistão [2] [pt]. Embora registrada como crime no código penal do Quirguistão, falta ao governo força de vontade política para punir os praticantes, muitos dos quais – principalmente homens do campo – consideram o ato uma tradição e um rito de nascimento.

Nos últimos meses, organizações da sociedade civil e trupes criativas têm explorado o poder da representação teatral para tentar educar a população e reprimir a prática.

Screenshot from video, 'Bride Kidnapping in Kyrgyzstan', uploaded on January 17, 2012, by YouTube user Vice. [3]

O Ouvidor do Quirguistão, Tursunbek Akun, informa [4] que chega a 8.000 o número de mulheres jovens que são raptadas por ano. Desses casos de rapto, somente uns poucos chegam ao tribunal, em parte por causa do desinteresse da polícia local e dos promotores públicos, e em parte devido a normas culturais que desencorajam as famílias [5] a retomar suas filhas vítimas de rapto.

No início de 2012, o parlamento do Quirguistão, dominado por homens das regiões, votou contra [6] uma legislação proposta para proibir os clérigos islâmicos de abençoar casamentos não registrados (tais como os que ocorreram por meio de rapto).

O interesse internacional pelo fenômeno tem altos e baixos [7], e organizações internacionais de direitos humanos raramente possuem as ferramentas culturais para poder sugerir reações apropriadas a um problema que polariza as comunidades dos vilarejos. Por esta razão, iniciativas tais como a oficina de produção de vídeo [8] [ru] para jovens, administrada em março pela ONG quirguiz Open Line [Linha Aberta, em inglês], e que teve à frente o guru da “propaganda social” Georgi Molodtsov, tem uma importância singular como maneira de transmitir mensagens sobre essa prática em termos que se tornam acessíveis às comunidades locais.

Os quatro vídeos a seguir, subidos na internet sob o perfil de Youtube MsBeknazarova [9] no dia 4 de abril de 2012, são alguns dos resultados da oficina:

O vídeo acima em línguas Quirguiz e Russo faz lembrar às pessoas que roubo de noivas é ilegal e sujeito à punição por lei. O lenço matrimonial branco que se encontra nas mãos das mulheres de dente-de-ouro no lado esquerdo do vídeo é colocado cerimonialmente sobre a cabeça da noiva raptada para reafirmar o ‘direito’ dos contra-parentes sobre a mulher raptada.

Este vídeo combate o estigma relacionado à iniciativa de retomar uma filha roubada do seio da família. Muitas famílias enfrentam uma pressão pesada por parte dos parentes no sentido de que venham a aceitar o resultado de um sequestro. Ano passado, duas noivas sequestradas na região Issyk-Kuel do Quirguistão acabaram se suicidando [10], levando a população local a lançar uma campanha contra ala kachuu sob o título “Spring Without Them.” [Primavera Sem Elas, em inglês]. O texto em russo e em quirguiz no vídeo acima diz: “Vocês estavam sempre presentes no momento de dar apoio a sua filha. Agora, deixe-a fazer sua própria escolha.”

O vídeo acima se baseia na personagem de Kurmanjan Datka [11], a mulher mais famosa da história quirguiz. Kurmanjan Datka, ela mesma, escapou de um casamento arranjado para se tornar a “Queen of Alai” [Rainha de Alai, em inglês], uma região montanhosa na região sul do Quirguistão. O anúncio estimula mulheres quirguizes jovens a tomarem seus destinos em suas mãos e resistir a uniões forçadas, inspirando-se na “escolha de Kurmanjan”.

Este vídeo estimula a juventude quirguiz a fazer uso da “principal função” de seus celulares e discar “102” – a linha direta para noivas sequestradas – quando testemunhar o rapto-de-mulher. No lugar de filmar o sequestro para mostrar mais tarde para os amigos, eles deveriam lembrar que “toda garota é filha ou irmã de alguém”, alerta o anúncio.

último vídeo [12] em russo e quirguiz, publicado pela Chalkan TV [13] [kg] em sua página no dia 17 de maio de 2012, não tem relação com a oficina. O vídeo é uma apresentação teatral de estudantes da cidade provinciana de Karakol, em maio de 2012: “Mulheres não são Animais de Criação!”. Entrevistado após a apresentação, Jypargul Kadyralieva, um dos organizadores, explicou [12] [kg] a decisão de distribuir lenços matrimoniais brancos com o número “155” para os espectadores, assim como a razão para incluir a expressão “animais de criação” no título da peça de teatro.

There is an article in the criminal code – 155 – that should punish the stealing of women for marriage. We want this law to work. For some reason, [in Kyrgyzstan] when someone steals livestock, he is sternly punished, but when he steals a woman, he isn't punished. We want to get across to society that a woman is a person deserving of love…we want to lobby the parliament so that [law 155] works, or to change this law [from “abduction of a woman with the aim of entering marriage”] to simply “abduction of a person.”

Há um artigo do código penal – 155 – para punir o roubo de mulheres para fins de casamento. Queremos que esta lei funcione. Por alguma razão, [no Quirguistão] quando alguém rouba animais de criação, ele é severamente punido, mas quando rapta uma mulher, ele não é punido. Queremos fazer a sociedade entender que uma mulher é uma pessoa merecedora de amor…queremos fazer pressão junto ao parlamento para que [a lei 155] seja posta em prática, ou mudar esta lei [de “rapto de uma mulher para fins de casamento”] para, simplismente, “rapto de uma pessoa.”

De acordo com pesquisa [6] conduzida pela organização não-governamental Kyz-Korgon Institute, por volta de até 45% de mulheres casadas na cidade de  Karakol em 2010 e 2011 haviam sido sequestradas, contra sua vontade, para fins de casamento.